
As Avós deram as boas-vindas ao filho de Graciela Romero e Raúl, irmão de Adriana Metz Romero, nascido no campo de concentração de Baía Blanca
“Mais uma vez, a verdade prevalece sobre o esquecimento, e a identidade floresce na Argentina. Ainda faltam 300 netos apropriados durante o terrorismo de Estado para serem encontrados. Continuemos sendo aquele país que iluminou o mundo no caminho da memória. Lutemos para que a verdade não se apague”, afirmou a presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, ao saudar nesta segunda-feira (7), a restituição do filho de Graciela Romero e Raúl Metz, que continuam desaparecidos. Nascido no campo de concentração de Baía Blanca, o homem de 48 anos já se reuniu com a irmã.
Adriana Metz não parava de sorrir, comemorando o feito, pois procura o irmão desde que sabe da sua existência, ao longo dos últimos 47 anos. Ela manteve sua memória viva através do blog “Concha de lã”, onde lhe escrevia uma carta todo dia 17 de abril. Foi no dia do anúncio quando estiveram juntos pela primeira vez.
“Sempre sensível, inquieta e alegre, com sua habilidade de tecelã, Adriana construiu uma rede que a abriga e que hoje também abraça seu irmão”, ressaltou Estela de Carlotto, diante de um auditório da Casa da Identidade completamente lotado. Localizado no espaço memória, que funciona no antigo centro clandestino – e de tortura – da Escola de Mecânica da Marinha (ESMA), em Buenos Aires, o clima era de festa.
“São os netos que nos ajudam a seguir em frente”, saudou a presidente das Avós, ressaltando que na sua idade, com “noventa e poucos anos”, vem daí sua energia.
Conforme as Avós, “cada restituição revela irrefutavelmente que a ditadura executou um plano de extermínio, que cometeu genocídio. Cada neto confirma que o Estado terrorista sequestrou pessoas, as manteve escondidas em Centros de Detenção Clandestinos sob tortura, as assassinou e fez seus corpos desaparecerem”. Em um manifesto à opinião pública, essas mulheres são sinônimo de luta por memória, verdade e justiça, denunciando que “maternidades clandestinas existiam nesses campos de concentração, onde detentas, como Graciela Romero, davam à luz seus filhos em condições desumanas. Que havia um plano sistemático de apropriação de menores, condenando essas crianças a uma vida de mentiras e suas famílias biológicas a procurá-las indefinidamente”.
“O AMOR E A PERSEVERANÇA SÃO A GARANTIA DO NUNCA MAIS”
Na avaliação da organização, “cada retorno de um neto é também a confirmação de que um trabalho coletivo e sustentado nos permitirá continuar a encontrá-los”. “Esse retorno nos une para nos dar força e reafirmar que o papel do Estado, as políticas públicas, a solidariedade, o apoio, o amor e a perseverança são a garantia do Nunca Mais. Mas, para que essas buscas sejam sustentadas, é essencial que o Estado continue existindo. Por isso, exigimos a revogação do Decreto nº 351/2025, que deixa o Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) extremamente vulnerável”, condenam as Avós.
Apesar da sua relevância, o BNDG encontra-se atualmente em uma situação completamente crítica, alertaram as Avós, estando acéfalo, sem orçamento e com suas decisões delegadas a um pessoal sem formação. Em resposta à reclamação judicial das Avós, o governo prorrogou o mandato do diretor técnico em junho, mas não resolveu os problemas estruturais. “O risco é extremamente alto. Este é um laboratório que preserva amostras irreproduzíveis”, alertaram.
BUSCA POR DESAPARECIDOS ENFRENTAM CORTES DE MILEI
A descoberta do 140º neto ocorreu numa situação de cortes orçamentários e desleixo com as políticas de direitos humanos. Em abril, o Ministério da Justiça suspendeu os pagamentos e ordenou auditorias nos fundos das organizações. Para completar, demissões em massa ocorreram em instalações importantes, como a antiga ESMA, que abriga o Centro Cultural Haroldo Conti e o Arquivo Nacional da Memória.
“As Avós fazem justiça pelos avós que já não estão entre nós e por toda a família Metz Romero, que os procurou incansavelmente. Mais uma vez, a verdade devastadora prevalece sobre o esquecimento, e a identidade floresce. Ainda faltam 300 netos que foram apropriados durante o terrorismo de Estado para serem encontrados. Continuemos a ser aquele país que iluminou o mundo no caminho da memória. Lutemos para que a verdade não se apague”, assinalou a entidade.
“AS LOUCAS DA PRAÇA DE MAIO”
Em 1979, em plena ditadura militar, uma jovem chamada Tatiana Sfiligoy descobriu que seus pais não eram seus pais biológicos e que havia nascido em cativeiro. Que seus pais biológicos, militantes desaparecidos, haviam sido assassinados. E que ela era a primeira neta recuperada pelas Avós da Praça de Maio.
Tatiana foi o início de um feito inédito: o de um grupo de mulheres que a ditadura e sua mídia tentavam ridicularizar como “As loucas da Praça de Maio”. Iam às ruas com seus lenços desafiar a verdade imposta e denunciar o terrorismo de Estado, que já havia provocado mais de 30 mil mortos e desaparecidos.
Antes de deixar o auditório, Estela defendeu a imediata revogação do Decreto de Milei, por meio do qual foi retirada a autonomia e a autarquia do BNDG.
“Agradeço às Avós por nos ensinarem que a busca é coletiva e que devemos continuar pelos 300 netos que todos nós perdemos”, sublinhou Adriana Metz.