Filha de Noemí Macedo e Daniel Inama, sequestrados pelo terrorismo de Estado na Argentina em 1977, e desde então desaparecidos, foi achada pelas Avós da Praça de Maio
As Avós da Praça de Maio encontraram nesta terça-feira (21) a filha de Noemí Beatriz Macedo e Daniel Alfredo Inama, sequestrados pela ditadura argentina em 1977, e desaparecidos desde então. A neta de número 139 é o segundo bebê roubado achado pela organização de direitos humanos durante o governo de Javier Milei, apesar do doentio negacionismo sobre o terrorismo de Estado. Na prática, este desprezo pela verdade tem se convertido em absurdos cortes nos recursos em instituições que buscam entes queridos e valorizam a recuperação da memória histórica.
“Comunicamos com enorme felicidade o retorno de mais uma neta capturada durante a última ditadura (1976-1983). Bem-vinda à verdade, querida neta”, declarou a presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, no Espaço para a Memória, a antiga Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA), em Buenos Aires. O local é carregado de simbolismo pois foi onde funcionou um dos centros clandestinos de detenção, tortura e extermínio de patriotas.
A neta recuperada nasceu entre janeiro e fevereiro de 1978 e, como é habitual nestes casos, o seu nome é mantido em segredo até que ela autorize a divulgação. O sequestro dos pais ocorreu em novembro de 1977, quando Noemí Macedo tinha 22 anos e Daniel Inama tinha 25 anos.
“A jovem estava grávida de seis ou sete meses. Os dois foram vistos por sobreviventes no centro clandestino do Club Atlético. Na mesma operação em que sequestraram Daniel, levaram também outros companheiros do Partido Comunista Marxista-Leninista: Teresa Galeano, Jorge Georgiev, Beatriz Longhi e Oscar Rios. Todos continuam desaparecidos”, explicou Carlotto, diante de um auditório tomado por 200 pessoas.
“ATO DE JUSTIÇA QUE NUNCA MAIS SERÁ INCERTIDÃO”
A neta recuperada tem dois irmãos paternos, Paula e Ramón Inama. Sentado ao lado de Carlotto, Ramón leu um texto escrito há alguns anos, quando sonhava com o reencontro. “Procuramos muito esta irmã, pensamos que tínhamos esgotado todos os caminhos e que era um caso encerrado. É um ato de justiça que nunca mais será incertidão”, enfatizou. “Ela tem os olhos da minha avó, o olhar da minha avó, mãe do Daniel”, acrescentou Ramón, que ainda não falou com a irmã resgatada, mas já viu uma imagem do seu rosto.
A notícia chega menos de um mês após a descoberta do neto 138, no final de dezembro. A ong estima que existam ainda 300 netos a serem encontrados, todos roubados durante o cativeiro das mães e doados a famílias, geralmente próximas ao regime ditatorial.
Para encontrar a nova neta, as Avós receberam informações anônimas, que foram articuladas com a Comissão Nacional do Direito à Identidade (CoNaDI) e o Cadastro Único de Vítimas do Terrorismo de Estado (Ruvte), que pertencem à Secretaria dos Direitos Humanos.
“NEGACIONISTAS ESTÃO FAZENDO UM TREMENDO PAPELÃO”
A presidente da organização Mãe da Praça de Maio Linha Fundadora questionou diretamente o governo pelo “tremendo papelão que estão fazendo”. “Eu pergundo à vice-presidente Victoria Villaruel e aos seus amigos genocidas: vão continuar negando outro neto, neste caso uma neta? Como se atreverão os negacionistas a negar o que é evidente. Villarruel, Milei e companhia, muita atenção porque seguiremos buscando e continuarão aparecendo netos”.
“Sozinhos não conseguiríamos nada, esta é uma luta coletiva. A continuidade das políticas de Estado é fundamental para acabar com os crimes contra a humanidade, como as apropriações de nossas netas e netos”, sublinhou Carlotto.