O Banco Central anunciou que pretende mudar duas regras de combate aos crimes de lavagem de dinheiro que estão em vigor desde 2009. A primeira é a exclusão de parentes de políticos das listas de vigilância obrigatória dos bancos. A segunda medida é o fim da exigência de notificação ao Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) de transações bancárias acima de R$ 10 mil. Duas medidas que caem como luva para tentar abafar escândalos financeiros como o que envolve o filho do presidente, o ex-deputado Flávio Bolsonaro, suspeito de alimentar um esquema de lavagem de dinheiro através de seu gabinete no Rio de Janeiro.
Hoje, transações bancárias acima de R$ 10 mil, mesmo que fracionadas, geram notificações dos bancos para o Coaf. Com a mudança, só operações em dinheiro acima de R$ 50 mil terão que ser obrigatoriamente comunicadas. Diante da repercussão negativa da proposta, o BC tentou minimizar as consequências nefastas da medida. “A proposta não retira parentes. Ela deixa a cargo da instituição financeira avaliar se as movimentações de parentes precisam ser reportadas. Depende do grau de risco que a instituição atribui aos parentes do PEP (pessoas expostas politicamente)”, afirmou o órgão.
O BC levou as duas propostas à consulta pública em 17 de janeiro. Segundo as normas que estão em vigor atualmente, pessoas expostas politicamente e os mais próximos, como filhos, pais, companheiros e enteados, também são monitorados – assim como a população em geral – por entidades financeiras, como o Conselho de Acompanhamento Financeiro (Coaf), para evitar lavagem de dinheiro com origem em recursos públicos. A proposta retira a fiscalização dos parentes de políticos. Para integrantes da Polícia Federal e do Judiciário, o projeto enfraquece o controle de desvio de verbas da União. As informações sobre essas mudanças foram obtidas pelo jornal Folha de São Paulo.
Relatório do Coaf detectou recentemente que o ex-funcionário de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Fabrício Queiroz, apresentou movimentações financeiras suspeitas que chegaram a R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Depois o órgão descobriu também que funcionários da Alerj faziam depósitos regulares na conta de Queiroz em datas coincidentes com o pagamento de seus salários. Até depósitos de Queiroz na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro, foram encontrados pelo Coaf. Além disso, foram revelados também 48 depósitos em espécie, todos no valor de R$ 2 mil, na conta do próprio Flávio Bolsonaro, feitos em curto espaço de tempo numa agência bancária.
O movimento levantou suspeitas de que pudesse ser um esquema de lavagem de dinheiro comandado de dentro do gabinete. Até agora o ex-deputado, agora senador, Flávio Bolsonaro, ainda não deu explicações convincentes sobre esses fatos. Pelo contrário, tentou junto ao STF parar as investigações do MP e anular as provas obtidas até agora. O escândalo vem se agravando e desgastando o governo. O novo ocupante do Planalto, Jair Messias Bolsonaro, vendeu durante sua campanha eleitoral uma mensagem de moralidade que está se tornando um verdadeiro engodo. Ou seja, depois do escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro, o Brasil inteiro está suspeitando de que está novamente diante de um novo estelionato eleitoral.
A proposta do Banco Central, além de livrar os parentes de políticos da fiscalização, tornariam os relatórios menos abrangentes e menos eficazes. A versão do BC é que os bancos informariam ao Coaf as transações suspeitas em relatórios mais elaborados do que os que são apresentados hoje, e em um prazo de, no máximo, um mês. Assim, segundo o BC, seriam reduzidos os números de notificações, que, para eles, foram excessivos. O Coaf fez 3 milhões de notificações em 2018. Desses, 7 mil foram comprovados como condutas suspeitas e encaminhados à Polícia Federal e ao Ministério Público. Entre eles está a movimentação suspeita de Flávio Bolsonaro e seu assessor Fabrício Queiroz.
As pessoas que se beneficiariam dessa medida de restrição ao Coaf são pessoas consideradas expostas politicamente (ou PEP no jargão usado por órgão de controle), governadores, prefeitos, políticos eleitos do Executivo (presidente e vice) e Legislativo (senadores e deputados), integrantes da alta corte do Judiciário e presidentes dos Tribunais de Contas e de Justiça. Só faltou especificar que “filho de presidente” e seus assessores também ficariam de fora da fiscalização. “Usar parentes é dinâmica contumaz quando a intenção que subjaz é a ocultação do real beneficiário. E familiares são sim formas de interposto. Tirá-los é uma fragilidade que precisa ser corrigida”, afirma Marcos Camargo, presidente da associação dos peritos criminais federais.
O Ministro Sergio Moro mostrou-se surpreso nesta quinta-feira (24) ao tomar conhecimento da proposta do BC de enfraquecer o Coaf. Ele comentou o assunto com jornalistas em Davos, onde se encontra em comitiva presidencial. Moro disse que pode ser “uma má ideia”. Em seguida, num esforço de adaptação ao modus operandi da família Bolsonaro, ponderou que certamente “eles têm boas intenções”. O Coaf é responsável por coletar informações de instituições financeiras para análise de inteligência que auxiliam no combate a práticas criminosas. Dada a relevância que ganhou com a Lava Jato, ajudando no mapeamento de fluxos financeiros de transações ilícitas, foi transferido do antigo Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça. Parece que o BC está querendo enfraquecer sua atuação.