
Decisão ocultando teor das gravações de Karina Milei foi emitida por juiz acusado de abuso de poder, assédio sexual, maus-tratos no trabalho e desvio de verbas públicas
Às vésperas da eleição legislativas da província (Estado) de Buenos Aires, o governo nacional arrancou uma decisão judicial que proíbe os meios de comunicação argentinos de transmitirem gravações de áudio da Secretária da Presidência e irmã de Javier Milei, Karina Milei, sobre as propinas receptadas em esquema de remédios para deficientes.
O assalto aos recursos da Agência Nacional para a Deficiência (Andis) tem como protagonistas, além da irmã de Milei, outros elementos próximos ao atual governo argentino.
A emissão da medida de salvaguarda de Karina veio pelo juiz Alejandro Patricio Maraniello a pedido da ministra da Justiça, Patricia Bullrich, empenhada em impedir que sejam divulgadas as relações de Karina com seu amigo e subsecretário de gestão institucional do governo, Eduardo ‘Lule’ Menem – posicionado estrategicamente dentro da Andis – , que apontam a existência de um desvio multimilionário de recursos destinados aos deficientes para os seus cofres.
Entre outras anomalias, Maraniello carrega em suas costas seis processos no Conselho da Magistratura, onde é investigado por abuso de poder, assédio sexual, maus-tratos e desvio de verbas públicas. A decisão de Maraniello proíbe a divulgação das gravações de áudio “por meio de qualquer meio escrito e/ou audiovisual e/ou por meio de redes sociais de qualquer site, plataforma e/ou canal da web”, o que coloca em risco a liberdade de expressão através da imprensa argentina.
A simples declaração de uma rádio uruguaia de que driblaria a censura publicando os áudios para serem ouvidas do outro lado do rio da Prata – como nos tempos da ditadura – causou imenso impacto e comoção por toda Argentina.
Em situação de xeque, o ministério de Segurança Nacional deu a ridícula declaração dizendo que “o ocorrido formaria parte de uma trama mais amplia, que envolveria a oposição kirchnerista numa campanha de desinformação para derrubar o governo”, na qual estariam envolvidos “espiões russos”.
A resposta da Rússia foi dura e imediata: “Lamentamos observar que, no contexto de outro escândalo político interno amplamente divulgado, nosso país está mais uma vez sendo mencionado de forma negativa”. Portanto, “rejeitamos categoricamente essas acusações, considerando-as infundadas e falsas. O desejo de ver ‘espiões russos’ em cada esquina é irracional e destrutivo”, ridicularizou a nota do Kremlin.
PORTA-VOZ DA PRESIDÊNCIA DIZ QUE OBTER PROVA DE CRIME NA CASA ROSADA É ILEGAL
Para completar, o porta-voz da Presidência argentina alegou que porque teriam sido “gravadas ilegalmente na Casa Rosada”, os testemunhos representariam uma “grave violação da privacidade institucional”. Em poucas palavras, em vez de analisar o conteúdo do assalto de Karina Milei aos recursos públicos dos deficientes, o juiz Maraniello, achou melhor julgar a forma com que as provas incriminatórias foram obtidas.
Com a crescente pressão popular, Patricia Bullrich foi acusada judicialmente de “abuso de autoridade”, após ter ordenado buscas ilegais em um canal de streaming e na residência de dois jornalistas que revelaram as gravações de suborno. A denúncia se baseia nos artigos 14 e 32 da Constituição Nacional e condena a ordem repressiva do governo como “um ato concreto de abuso de poder que põe em risco princípios essenciais do sistema democrático”.
BULLRICH TENTA INTIMIDAR E RESTRINGIR A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
“Em conformidade com o disposto nos artigos 174 e seguintes do Código de Processo Penal Nacional, apresento denúncia criminal contra a ministra da Segurança Nacional, Patricia Bullrich, pelo crime de abuso de autoridade, com base na denúncia criminal que apresentou contra jornalistas e meios de comunicação com o único propósito de intimidar, censurar e restringir a liberdade de imprensa, solicitando medidas manifestamente contrárias à Constituição e às normas internacionais relativas à liberdade de expressão”, afirma o texto apresentado pelo advogado Gregorio Dalbón, um dos integrantes da equipe de defesa da ex-presidente Cristina Kirchner.
A denúncia se baseia no Artigo 14 da Constituição Nacional, que “garante a todos os cidadãos o direito de publicar suas ideias sem censura prévia” e afirma que a solicitação de mandados de busca “constitui medida intimidatória que visa paralisar a atividade jornalística, afetando o trabalho de reportagem e o direito dos cidadãos de serem informados”. “Com efeito, o governo nacional, por meio de seu Ministério da Segurança, explorou a acusação criminal como instrumento de intimidação, com o objetivo de intimidar jornalistas e limitar a liberdade de imprensa”, advertiu.
DENÚNCIA CRIMINAL AGRIDE JORNALISTAS
No texto, o avogado ressalta que a denúncia criminal apresentada por Bullrich contra os jornalistas Jorge Rial e Mauro Federico representa “uma flagrante violação das normas nacionais e internacionais relativas à liberdade de expressão” e reitera que “jornalistas não podem ser processados por disseminar informações de interesse público, nem obrigados a revelar suas fontes”.
“Essa prática estabelece um grave precedente institucional, pois abre espaço para que qualquer governo tente silenciar veículos de comunicação críticos por meio de denúncias de ‘inteligência ilegal’”, condenou.
Nesse sentido, a denúncia questiona a “gravidade” do pedido de mandados de busca e apreensão contra os jornalistas, que se agrava “ao constatar que as medidas cautelares solicitadas visam à proibição de conteúdo futuro, algo expressamente proibido” pela Constituição.
“A solicitação de busca e apreensão em veículos de comunicação, a apreensão de equipamentos de trabalho e, em especial, a tentativa de proibição da divulgação de informações jornalísticas constituem ordens manifestamente contrárias à Constituição Federal, pois violam diretamente a liberdade de expressão (artigos 14 e 32 da Constituição) e o direito constitucional ao sigilo das fontes jornalísticas (artigo 43 da Constituição)”, sublinhou.
Para Dalbón, a medida solicitada por Bullrich não foi um erro, mas sim parte de um “abuso de poder” por parte do governo nacional. “Não se trata, portanto, de um erro formal ou de um mero argumento político, mas de um ato concreto de abuso de poder que põe em risco princípios essenciais do sistema democrático”, concluiu.