Proposta do deputado Arthur Lira dificulta a prisão de parlamentares que são detidos em plena ação criminosa. Medida faz parte das ações do governo Bolsonaro pró impunidade e pelo esvaziamento da luta contra a corrupção
Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou em cana, por unanimidade, o miliciano bolsonarista Daniel Silveira, deputado federal pelo PSL do Rio de Janeiro, por ameaças de morte a integrantes da Corte e ataques fascistas contra a democracia, a Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votações da tarde desta quarta-feira (24) a proposta de emenda à Constituição (PEC) para dificultar a prisão de parlamentares.
NÃO HAVERÁ DECRETAÇÃO MONOCRÁTICA
As mudanças propostas impedem, na prática, que um parlamentar seja afastado do mandato, ou preso por ordem de um único ministro do STF. O troglodita Daniel Silveira, por exemplo, é um desses casos, ele foi preso por ordem monocrática do ministro Alexandre de Moraes e, no dia seguinte, o plenário do tribunal, por unanimidade, confirmou a prisão.
O plenário da Câmara também confirmou a detenção do meliante por 364 a 130. Foi Arthur Lira (PP-AL), também é investigado, que anunciou a tentativa de mudança na Constituição para “regulamentar” o artigo 53. A intenção é clara: transformar a imunidade em impunidade parlamentar.
Mantida a prisão por decisão do plenário da Câmara, como ocorreu no caso de Silveira, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa do afastamento da função pública.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Essa exigência da audiência de custódia já existe e, no caso do apoiador fascista de Bolsonaro, não houve relaxamento. Atualmente, já há restrições à prisão de parlamentares. Não há espaço na legislação brasileira para prisões arbitrárias de parlamentares. Eles só podem ser presos em flagrante e a manutenção da prisão tem que ser autorizada pelo plenário da Câmara.
Na prática, ao exigir que só quem pode decretar a prisão de um parlamentar é o colegiado do STF, o que os governistas querem é impedir a prisão em flagrante, e, por conseguinte, as suas consequências.
Só a título de exemplo: se a deputada Flordelis (PSD-RJ) fosse pega com a arma na mão ainda quente, logo após emboscar a matar o marido com vários tiros, a polícia teria que esperar uma reunião do plenário do STF para que ela, então, fosse presa. Portanto, jamais haveria flagrante. Como no caso dela não houve flagrante, a deputada ainda está em liberdade, embora com o uso de tornozeleira eletrônica.
Com a proposta de Lira, no caso da prisão em flagrante, o deputado ou senador deverá ser encaminhado não para a cadeia, mas para a respectiva casa legislativa, mesmo que, porventura, ainda esteja, por hipótese, com a arma do crime.
Na prática, o flagrante do crime resultará, pela proposta em discussão, após a lavratura do auto de infração, na consequente custódia do Congresso Nacional até o pronunciamento definitivo do plenário da casa.
BUSCA E APREENSÃO SÓ PELO STF
O texto também trata de buscas e apreensões dentro do Congresso Nacional e nas casas dos parlamentares. Pela proposta, é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal a busca e apreensão deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional, quando cumprida nas dependências das respectivas casas ou residências de parlamentares.
O texto também diz que a medida cautelar deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional que afete, direta ou indiretamente, o exercício do mandato e as funções parlamentares somente produzirá eficácia após a confirmação da medida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
Tal medida não poderá ser deferida em regime de plantão forense. Os elementos recolhidos, no caso de busca e apreensão, ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade.
Alguns líderes avaliam que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nesta terça-feira (23), que afastou a deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato acelerou o andamento da proposta por parte da base governista. A deputada é acusada de ser a mandante do assassinato do marido.
A falta de vergonha e a busca da impunidade por parte da base bolsonarista no Congresso não têm limites. Recentemente, o senador e amigo íntimo de Bolsonaro, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi pego, durante uma operação de busca e apreensão em sua residência com R$ 30 mil escondidos em suas nádegas.
O dinheiro, cujo volume no traseiro do senador foi notado pelo delegado da PF encarregado da operação, havia sido desviado da compra de respiradores e insumos para o combate à pandemia no Estado de Rondônia.
Pois bem, o senador bolsonarista do dinheiro nas nádegas pediu uma licença e não foi molestado por ninguém. Nem uma falta de decoro foi aventada. E, agora, ele já está de volta, livre, leve e solto nos salões do Senado da República aprovando as propostas do amigo Bolsonaro.
TRAMITAÇÃO A JATO
O texto da impunidade está tendo uma tramitação a jato. Foi apresentado na terça (23), protocolado nesta quarta (24) e incluído na pauta do plenário. A proposta entrou na pauta do plenário, mesmo sem ter passado por nenhuma comissão, o que não é nada comum.
No caso, a decisão de blindar criminosos com mandato pegos em flagrante veio logo após a prisão do fascista Daniel Silveira, flagrado ameaçando de morte os ministros do STF. Mas, a medida, como outras tomadas pelo Planalto, faz parte da cruzada bolsonarista para enfraquecer a luta anticorrupção.
Não foram suficientes, na visão de Lira, as iniciativas de Bolsonaro no sentido de tentar aparelhar a Polícia Federal, não bastou a perseguição do Planalto ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira), principalmente depois que ele flagrou seu filho “01” com a boca na botija da “rachadinha”. Foi pouca a pressão sobre a Receita Federal por ter revelado o esquema de lavagem de dinheiro roubado da Alerj e o uso da loja de chocolate do filho senador e de sua mulher.
Como Bolsonaro não consegue controlar totalmente a PF e nem intimidar o STF, a base governista quer se proteger alterando a Constituição para garantir a impunidade.
Não bastou o esvaziamento da operação Lava Jato e os entraves criados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), atualmente sob direção de Augusto Aras, submissa ao Planalto, para dificultar a luta contra a corrupção.
Jair Bolsonaro, empenhado em acabar com a Lava Jato, afirmou recentemente que se tivesse acesso às gravações dos hackers de Araraquara, que teriam comprometido a atuação de Sérgio Moro como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, ele as divulgaria imediatamente.
S. C.