Proposta polêmica transfere a propriedade dos chamados terrenos de marinha, área do litoral brasileiro hoje sob domínio da União, para Estados, municípios e proprietários privados. Na PEC, defendida por bolsonaristas, há brecha para privatizar praias
Entrou em discussão, nesta quarta-feira (4), a polêmica PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 3/22, conhecida como PEC das Praias, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Todavia, pedido de vista — mais tempo para análise —, apresentado por parlamentares contrários à PEC adiou a votação da proposta no colegiado.
A proposta — PEC 39/11, do ex-deputado Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), já aprovada na Câmara, em fevereiro de 2022 —, transfere a propriedade dos chamados terrenos de marinha, área do litoral brasileiro hoje sob domínio da União, para os Estados, municípios e proprietários privados.
Os críticos da proposta entendem que a PEC pode “privatizar” as praias brasileiras, limitando o acesso à faixa de areia, além de fragilizar a proteção ambiental dessas áreas ao transferir a propriedade para particulares ou Estados e municípios.
PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS
Por outro lado, os defensores afirmam que a medida busca apenas reduzir as taxas pagas à União por quem ocupa essas áreas, além de regularizar terrenos adquiridos de “boa-fé” por particulares e dar maior poder aos Estados e municípios para regularizar o uso desses espaços.
O relator do projeto, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), argumentou que o texto sofreu modificações para contemplar aqueles que argumentam que a PEC privatiza as praias brasileiras.
“A forma como se encontram hoje as praias, o seu regime jurídico, o seu tratamento para a Constituição e para a legislação não mudarão”, defendeu.
Para aplacar as críticas, o relator incluiu artigo que afirma: “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica, não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias, nos termos do plano diretor dos respectivos municípios”.
Essa explicitação expressa bem a preocupação de quem diverge da proposta. Se a PEC não fosse privatista. qual o motivo para que esta redação?
A CRITÉRIO DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS
O senador Rogério Carvalho (PT-SE), por sua vez, argumentou que a Constituição hoje não estabelece qualquer requisito para as pessoas terem acesso à praia e que, na PEC, o relator condiciona esse acesso ao Plano Diretor dos municípios, “o que pode ser ou não pode ser acesso livre”.
Carvalho também critica a isenção da taxa do laudêmio, que é o imposto pago quando há venda e compra de imóveis em áreas que pertencem à União, no caso dos empresários que têm extensas áreas no litoral brasileiro.
“Os ricos que mais têm terreno de marinha fazendo especulação imobiliária ficam livres de pagar o laudêmio. Aqueles que têm um imóvel e moram em cidades costeiras nós somos favoráveis a que seja isento e receba este imóvel. Agora, o setor empresarial que tem milhares de metros quadrados à beira-mar, não [deve ser isento]”, destacou.
Os terrenos de marinha são aqueles localizados na faixa de 33 metros a partir da linha média da maré alta demarcada em 1831, ano em que os foros e os laudêmios começaram a ser incluídos no Orçamento.
PRESERVAÇÃO DAS PRAIAS
Para amenizar as preocupações ambientais em relação à proposta em discussão no Senado, o relator propôs a criação de fundo com o dinheiro oriundo das transferências onerosas ainda previstas em casos de transferência da propriedade desses terrenos.
Essas verbas seriam “destinadas a fundo nacional para investimentos em serviços de distribuição de água potável e saneamento básico nas regiões de praias, marítimas ou fluviais no território nacional”.
Para o senador Rogério Carvalho, a preocupação ambiental em relação à PEC permanece.
“Sem considerar o momento que nós vivemos do ponto de vista climático, ampliando a possibilidade de ocupação das áreas costeiras sem nenhum tipo de estudo. O Brasil tem oito mil quilômetros de área costeira. O Ministério de Gestão e Inovação está fazendo um estudo para poder apresentar e dar consistência a qualquer definição responsável sobre este tema e não para atender interesses específicos”, afirmou o senador.
A proposta retorna à pauta da CCJ na próxima quarta-feira (11), quando poderá ser votada. Caso seja aprovada, vai ao crivo do plenário, em 2 turnos de votações. Para ser chancelada necessita de no mínimo 49 votos favoráveis. Como foi alterada no mérito, terá de voltar à Câmara dos Deputados.