Maior taxa desde janeiro de 2017 põe mais lenha na fogueira da inflação
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros (Selic) em mais 1 ponto percentual, que passou de 11,75% para 12,75% ao ano, nesta quarta-feira (4). Para a próxima reunião, o colegiado prevê mais aumento da Selic. Desde março de 2021, com esta política de elevar os juros para conter a inflação, o governo Bolsonaro elevou a transferência de recursos do setor público, isto é, dinheiro do povo, para os bancos, rentistas e demais especuladores.
Em 12 meses até fevereiro, sob a forma de pagamento de juros, foram desviados do setor público 422,5 bilhões (4,78% do PIB). Nos doze meses até fevereiro de 2021, foram transferidos R$ 316,5 bilhões para os bancos e rentistas (4,18%). São 106 bilhões a mais em um ano, que poderiam ser investidos na indústria brasileira, por exemplo, que de acordo com o IBGE, no primeiro trimestre deste ano acumulou queda de -4,5%, frente ao mesmo período de 2021. No acumulado do primeiro trimestre do ano, 80% dos 26 ramos do setor ficaram no vermelho.
A disparada da inflação no governo Bolsonaro, a maior em 27 anos, é provocada pela política de preços da Petrobrás, alta das tarifas de energia, dos alimentos, desmonte dos estoques reguladores e agravada pela crise internacional. Em 12 meses até março deste ano a inflação acumulava alta de 11,3%. Há um ano, quando o BC iniciou o aumento na Selic a inflação estava em 6,1%.
“A política do Banco Central de elevação da taxa de juros teve efeito zero sobre a taxa de inflação”, ressaltou o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, em entrevista ao HP nesta semana (2).
“A taxa de inflação não só continua alta como ela continua acelerando”, afirmou o economista. “Na prévia da inflação (IPCA-15) do mês de abril a inflação está acima de 12%. Então, essa política ineficaz do Banco Central custou aos cofres públicos mais de R$ 100 bilhões. Dinheiro esse que poderia ser aplicado em aumento do investimento público, que certamente geraria na redução de inflação pelo lado dos custos porque aumentaria a produtividade da economia brasileira, geraria empregos, geraria renda e, portanto, reduziria a miséria – que é latente a olhos nus – existente no Brasil. E, também, você poderia fazer mais programas de assistência social para ajudar aos milhões de miseráveis que surgiram durante o governo Bolsonaro”, considerou.
“Mas essa é a escolha, trata-se de uma questão de economia política. Você tinha R$ 100 bilhões para gastar. Você poderia ter gastado com investimento e/ou com políticas de assistência social, ou você poderia gastar dando dinheiro para os rentistas. O governo Bolsonaro optou por dar dinheiro aos rentistas. Por isto que os ricos no Brasil estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Essa é a realidade do governo Bolsonaro”, avaliou o economista.
O choque dos juros altos não resolve o problema da inflação, mas agrava a crise econômica do país ao afastar os investimentos, aumenta o endividamento, encarece ainda mais o crédito às empresas, particularmente as micro e pequenas empresas, e aos consumidores e, por consequência, derruba o consumo – afetando diretamente os empregos e a renda.
No mês passado, em seu relatório de expectativas para a economia global, o FMI projetou uma alta de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil neste ano. Já as instituições financeiras apontam que a economia brasileira este ano deve crescer apenas 0,65%, segundo informações recentes do Boletim Focus do Banco Central (BC).
“A inflação mundial advém de choque de oferta e não de demanda. Logo, elevar juros não tem impacto algum para arrefecer preços”, afirmou o economista e professor da UFRGS Fernando Ferrari Filho ao Valor Econômico. “No contexto atual, a alta tende a postergar a recuperação da economia brasileira, seja a demanda de consumo, seja o nível de investimento. E contribui para aumentar o déficit do governo”, observou, ao destacar que o mercado exige juros elevados, porque os rentistas têm ganhos financeiros. “Se, todavia, inserirmos no conjunto do mercado os setores industriais e de serviços, a maioria demanda juros baixos”, frisou.
Ao criticar a decisão do BC de aumentar a taxa de juros, a senadora Zenaide Maia (PROS-RN) afirmou que “as famílias brasileiras estão extorquidas pelos juros, porque, ao mesmo tempo, aumentam os juros do cartão de crédito, do cheque especial que o povo está usando para pagar o botijão de gás, pagar os alimentos e abastecer os carros, quando ainda tem condição de fazer isso, observou a parlamentar na sessão da última terça-feira (3).
Fabio Bentes, que é economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), destaca que o consumo praticamente não deve aumentar neste ano, diante da “deterioração das condições econômicas”.
“O emprego tem recuado lentamente e o rendimento do trabalhador está caindo. Isso significa um estímulo a menos para a ampliação do consumo, que também se retrai diante de um cenário com juros cada vez mais altos”, disse o economista da CNC que esta semana divulgou número recorde de famílias endividadas no país.
“O Brasil tem hoje 8 famílias a cada 10 endividadas que transferem, em média, 30% do que ganham para juros e amortização aos credores. Mesmo assim o banco central independente do sofrimento dos brasileiros sobe, mais uma vez, os juros a engordar o rentismo, não a produção e o emprego”, escreveu no Twitter o economista Marcio Pochmann. “Regra do governo federal para o gasto público atualmente é limitado para saúde, educação e outros e ilimitado para despesas financeiras do Banco Central Independente. 1% de aumento na Selic custa R$ 35 bilhões no pagamento de juros anuais da dívida líquida do setor público”.