Enquanto todos os setores perdem, bancos têm lucros exorbitantes, mas o Banco Central responsabiliza “inadimplentes” por juros acima dos 300%
O Relatório de Economia Bancária, divulgado pela diretoria do Banco Central (BC) na terça-feira, dia 12, é, em poucas palavras, uma fraude.
Algo muito sintomático é que até mesmo alguns comentaristas econômicos que não são avessos ao setor financeiro – pelo contrário – ou à política do sr. Ilan Goldfajn no BC, registraram que o relatório é “um alinhamento” com o que dizem os bancos. Por exemplo:
“… chama atenção o elevado grau de alinhamento entre o tom do documento (…) com o normalmente empregado pelos bancos sobre as causas do spread bancário elevado no Brasil” (Fábio Graner, Valor Econômico, 13/06/2018).
O “spread”, que é embutido na taxa de juros, é a diferença entre o custo dos bancos para captar dinheiro e aquele que impõem aos seus clientes, para emprestá-lo. Seu principal componente, há muito, é o lucro extorsivo dos bancos.
[UMA NOTA: na decomposição do “spread”, o que é causa aparece como consequência; evidentemente, os altos “spreads” – isto é, juros – são causa do lucro, mas, aqui, o lucro aparece como “componente” do spread”.]
Apesar de já um tanto subestimado, os sucessivos relatórios do BC sempre registraram o peso do lucro dos bancos como a principal razão pela qual os “spreads” no Brasil – ou seja, os juros – são tão altos.
Em 2014, quando foi publicado o último Relatório de Economia Bancária antes do atual, o lucro dos bancos (“margem líquida”) era responsável por 37,75% do “spread”.
Agora, no relatório de 2017, pela mágica metodologia de Goldfajn, o peso do lucro dos bancos caiu para 14,9%.
Para que o leitor tenha uma ideia, o lucro dos bancos passou de primeiro para quarto – e último – componente do “spread” (portanto, dos juros).
Do seguinte modo:
A) Em 2014 – componentes do “spread”:
1) lucro dos bancos: 37,75%;
2) impostos + FGC: 28,28%;
3) inadimplência: 24,73%;
4) custo administrativo: 9,23%.
Agora, vejamos a mesma coisa no relatório que acaba de sair:
B) Em 2017 – componentes do “spread”:
1) inadimplência: 37,4%;
2) custo administrativo: 25,0%;
3) impostos + FGC: 22,8%;
4) lucro dos bancos: 14,9%.
Assim, o lucro dos bancos saiu do primeiro para o quarto lugar como componente dos juros altos.
Passaram, como dissemos acima, de um peso proporcional de 37,75% para apenas 14,9%.
Aconteceu algo que justificasse essa redução do peso do lucro dos bancos como componente dos juros altos?
Pelo contrário, o lucro líquido dos bancos aumentou perto de 20% em menos de um ano, considerando o acumulado de 12 meses (cf. BC, Relatório de Economia Bancária 2017, gráfico 4.1, p. 83).
Aconteceu, também, que, de 2016 para 2017, a inadimplência das empresas (“pessoas jurídicas”) nas operações bancárias diminuiu de 3,5% para 2,9% (cf. idem, p. 131).
Do mesmo modo, a inadimplência das pessoas (“pessoas físicas”) nas operações bancárias diminuiu de 4% para 3,6% (cf. idem, p. 129).
Então, como os lucros dos bancos foram de primeiro para quarto lugar, como componente do “spread”?
Como a inadimplência foi de terceiro para primeiro lugar?
Como o peso dos lucros dos bancos diminuiu de 37,75% para 14,9% e o da inadimplência aumentou de 24,73% para 37,4%?
Aqui, realmente, só se pode falar em “alinhamento com o discurso dos bancos”. Pois somente os porta-vozes dos bancos tiveram, até hoje, o cinismo de dizer que os lucros nada têm a ver com os altos “spreads” que cobram dos clientes.
Os bancos sempre disseram que os altos “spreads” que eles cobram devem-se a que os clientes são muito caloteiros… É essa versão que o sr. Goldfajn resolveu adotar – não fosse ele, até há pouco tempo, economista-chefe (e sócio) do Itaú Unibanco.
Segundo ele, “a metodologia de cálculo do spread foi aperfeiçoada, de forma a captar melhor os seus componentes” (BC, rel. cit., p. 9).
Na verdade, ela se tornou tão arbitrária – não importam as equações apresentadas para justificá-la – quanto a cobrança de “spreads” pelos bancos, catapultando os juros para o espaço.
Como disse um economista norte-americano, a matemática-lixo consegue justificar qualquer absurdo ganancioso, sob fantasia supostamente “metodológica”.
Em uma situação econômica em que as empresas estão afundando desde o final de 2014, as pessoas estão sendo desempregadas por atacado, os bancos no Brasil têm uma rentabilidade – vale dizer, um lucro – que não existe noutra parte ou quase em nenhuma parte.
Quem diz isso é o próprio relatório do BC. O retorno dos bancos no Brasil, é maior que nos EUA, na Inglaterra, na França, na Alemanha, na Itália, na Espanha ou na Suíça. Mais especificamente:
Rentabilidade dos bancos
(Média de retorno sobre o patrimônio líquido):
a) Suíça: 3,2%;
b) EUA: 3,4%;
c) Itália: 4,7%;
d) Inglaterra: 4,9%/
e) Alemanha: 6,6%;
f) Espanha: 7,8%;
g) Brasil: 13,8% (cf. BC, Relatório de Economia Bancária 2017, p. 84, gráfico 4.4).
Reparemos que esta lista do que os bancos obtêm de retorno sobre o seu patrimônio, em vários países, é uma média geral. Os grandes bancos, diz o relatório do BC, no Brasil, têm uma rentabilidade média de 15,1%.
Mais ainda: a rentabilidade média do conjunto de bancos, em 2016, estava em 11,6%. Portanto, em um ano, essa rentabilidade média aumentou para 13,8%.
Mas a culpa, leitores, segundo Goldfajn, é do povo, que é muito mau pagador…
C.L.