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“O Banco Central precisa ser um instrumento do Estado a que serve para beneficiar sua gente”, afirmou o presidente do Partido Comunista Colombiano, Jaime Caicedo, condenando o fato da instituição, “independente do governo”, permanecer atuando contra os interesses nacionais. Em entrevista exclusiva à ComunicaSul, o dirigente comunista denunciou a política de “juros altos” imposta pela submissão à política do grande capital transnacional, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial que domina o BC, e defendeu o Plano Nacional de Desenvolvimento – sabotado pelo corte de US$ 1,6 bilhões – promovido pela Corte Constitucional “dominada pela direita”, para que o governo não realize o projeto de transformações para o qual foi eleito.
Caicedo destacou os avanços obtidos pelo governo de Gustavo Petro e Francia Márquez com as reformas trabalhista e previdenciária, e valorizou as conquistas obtidas na área rural em benefício dos camponeses frente aos interesses dos grandes latifundiários. Finalmente, defendeu a veterana liderança comunista Gloria Inés Ramírez, expondo a divergência sobre ter sido demitida como uma das “contradições no seio do povo”. A força popular nas eleições de 2026 para a presidência, a Câmara e o Senado, enfatizou, “precisa vir da organização, da consciência e da coerência, mas sobretudo da consequência política deste governo com as necessidades do povo”.
LEONARDO WEXELL SEVERO – Bogotá, Colômbia
Leonardo Severo – Qual a importância do Plano Nacional de Desenvolvimento para a Colômbia?
Jaime Caicedo – Nossa avaliação é que pela primeira vez se conseguiu implementar um Plano Nacional de Desenvolvimento com participação social e popular. O presidente fez um grande esforço, que se traduziu em pontos chaves do programa do Pacto Histórico e da plataforma de governo que foi bandeira de Gustavo Petro e Francia Márquez. É claro que nem tudo o que queríamos ficou suficientemente contemplado.
Houve uma participação das organizações sociais e populares na configuração das propostas e projetos mais importantes. E tanto o governo como o Pacto Histórico e a coalizão que se formou introduziram alguns elementos.
Em primeiro lugar, uma reforma tributária. Conseguimos aprovar o Plano Nacional de Desenvolvimento e foram enviados os principais projetos ao Congresso: a reforma da Saúde, Trabalhista – ampliando direitos aos trabalhadores e ao sindicalismo -, da Aposentadoria e, também, outros mecanismos de jurisdição legal própria que beneficiam os camponeses nas relações do campo, sobretudo frente aos interesses dos grandes proprietários rurais, por meio da legalidade da terra.
De tudo isso, conseguimos aprovar a reforma da Aposentadoria e alguns elementos importantes da reforma Trabalhista, que todavia ainda estão em debate, havendo avanços que permitiram recuperar direitos perdidos ao longo de 15-20 anos de governos neoliberais.
LWS – Cite algumas destas perdas
JC – Aponto o direito à jornada de trabalho de oito horas, conquistada pela classe operária colombiana há cerca de um século e que o governo de Álvaro Uribe, em 2002, transformou em letra morta. Foi implementada então a jornada diurna de trabalho até às dez da noite, prejudicando o recebimento de salário nos horários noturnos, que as empresas necessitariam pagar mais. Só agora conseguimos fazer com que a jornada noturna seja reconhecida e remunerada a partir das 19 horas.
Aumentamos substancialmente o salário mínimo nos últimos anos, não apenas em termos de volume absoluto, de montante, mas suprimindo mecanismos que jogavam contra o ganho do trabalhador, pois ao subir o mínimo se elevava uma série de bens e produtos a ele indexados sem qualquer cabimento. Assim, ao ser reajustado, na mesma percentagem, se aumentavam automaticamente os pedágios nas rodovias ou os custos dos cartórios, sem haver relação. Ao suprimir a indexação, o custo de vida não é mais afetado para cima, como anteriormente. Houve um crescimento real do salário, percebido pelas pessoas.
Há um outro efeito que não tem a ver diretamente com a reforma laboral, mas com dois fatores muito importantes: a política agrária, de fomento à produção e redistribuição da propriedade em várias regiões do país. Ou seja, o tema da terra para os camponeses e de estímulo à produção alimentar. Isso significou uma baixa no custo dos alimentos, um declínio dos gastos com a cesta básica. Desta forma, a inflação para os produtos alimentares na Colômbia se deteve e, em alguns momentos, teve uma tendência de queda, o que se comprova ao irmos a qualquer mercado.
LWS – Podemos dizer que é um fenômeno que já reflete a política de redistribuição de terra e apoio ao agricultor familiar?
JC – Em parte, mas também pelo fomento aos projetos produtivos, especialmente agroalimentícios e pecuários. Além disso, pelo aumento do poder de compra dos salários que eram gastos em grande medida com a alimentação. Agora também há um maior respiro com a queda da inflação. Existem elementos, portanto, que mostram uma melhoria nas condições gerais de vida das pessoas. Reitero, obviamente, a melhoria do ingresso dos trabalhadores, do salário digno, da jornada de trabalho e das condições laborais em geral.
LWS – E onde ainda persistem os problemas, quais os nós a serem desatados?
JC – Persistem problemas, como na política de crédito. O Banco da República, que é o nosso Banco Central, embora venha baixando, não reduziu as taxas de juros como deveria.
LWS – Como o governo tem encarado o problema da baixa industrialização do país?
JC – O avanço no setor industrial não é o que mais tem se destacado. Os indicadores do Produto Interno Bruto (PIB), tanto de 2023 como de 2024, apontam que é a agricultura o que segue à frente, não a produção industrial, que tem manifestado tendência ao estancamento, da mesma forma que o setor habitacional, que demonstra dificuldades pelas taxas de juros.
No entanto, há outros fatores que influem nisso. Recebemos uma remessa muito alta de colombianos que trabalham nos Estados Unidos e na União Europeia. A entrada mais significativa de recursos que recebemos é a fração do salário de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão fora do país.
Há um desequilíbrio na balança em relação ao papel das exportações, estamos sujeitos a Tratados de Livre Comércio (TLC) com a Europa e os Estados Unidos, o que têm se convertido em freio à possibilidade de incrementar e melhorar nossas condições de comércio exterior.
LWS – Foram décadas atrelados a esta lógica.
JC – Agora estão acabando com os TLCs, o que implica que aqui se desenvolva uma política de proteção e fomento à produção nacional, criando as condições de exportação de produtos não-convencionais, de poder jogar no campo da inovação e de ir reduzindo o papel do extrativismo.
Exportamos petróleo cru, energia elétrica, níquel… Tudo isso se exporta como produto bruto, o que representa uma dependência.
No último período melhorou um pouco a exportação de café, pois subiu o preço no mercado internacional e estamos exportando café processado, o que é uma vantagem ainda relativa em relação a vender grãos.
“A Corte Constitucional tomou a decisão de dizer que as transnacionais têm o direito de deduzir os impostos dos royalties, o que representou um enorme impacto, um corte imenso de mais de US$ 1,4 bilhões, atuando contra os interesses nacionais”
Portanto, neste campo, não podemos falar que estejamos frente a uma grande transformação. Esta é a realidade. Também há o problema de que o país está atado ao fato de seu orçamento não ser o que deveria. Por exemplo: a Corte Constitucional retrocedeu um artigo da reforma tributária de 2022 que estabelecia que as empresas extrativistas, sobretudo as de petróleo, tivessem que pagar royalties e um imposto de exportação deste bem não-renovável. A Corte Constitucional tomou a decisão de dizer que as empresas transnacionais têm o direito de deduzir os impostos dos royalties, o que representou um enorme impacto, um corte imenso de mais de US$ 1,4 bilhões, atuando contra os interesses nacionais.
LWS – E quem indicou os membros desta Corte Constitucional?
JC – Bom, além da Corte Constitucional temos também problemas com o Conselho de Estado e a Corte Suprema de Justiça, que seguem controladas por setores da direita. Aqui vigora muito a compra de decisões legais por parte do grande capital transnacional, o que explica o fato de terem saído sentenças completamente contrárias às decisões do governo.
O Conselho de Estado anulou medidas de emergência econômica e social tomadas em 2022 diante de uma situação de calamidade e de fome em La Guajira [onde foi comprovada a desnutrição aguda e a morte de crianças] com o pretexto de que necessitava ser uma situação mais grave, como se todos aqueles cadáveres não bastassem.
A composição destas estruturas é mesclada, sendo nomeadas apenas em parte pelo atual governo, com o Congresso nomeando outra parte e havendo indicações entre as próprias cortes, acabando ficar circunscritas a um grupo muito fechado, controlado pelos partidos da direita tradicional.
LWS – E na direção do Banco da República?
Da mesma forma, a direção do Banco da República, nosso Banco Central, que poderia acelerar a redução das taxas de juros, freia essa baixa. É um Banco Central independente do governo, mas não do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, aplicando somente suas políticas neoliberais. Por isso tem sido tão difícil a redução dos juros.
“Nosso Banco Central, que poderia acelerar a redução das taxas de juros, freia essa baixa. É um BC independente do governo, mas não do FMI e do Banco Mundial, aplicando somente suas políticas neoliberais”
Agora foram nomeadas pessoas bastante progressistas para a sua direção, mas que ainda não começaram a atuar. Estamos aguardando que se posicionem. Porque o BC não pode ser um instrumento do grande capital transnacional, do FMI ou do Banco Mundial. O Banco Central tem que ser um instrumento do Estado a que serve para o desenvolvimento, para beneficiar sua gente. Este é um debate muito sério, que tem a ver com a Constituição vigente, ainda muito amarrada à lógica neoliberal.
LWS – E a luta pela democratização da comunicação na Colômbia, o confronto às mentiras e à desinformação dos monopólios privados?
JC – Há uma influência muito grande dos meios de comunicação, especialmente das rádios, com muita audiência na Colômbia. Claro, as pessoas igualmente se orientam pela televisão e as redes sociais também entram na jogada e não são instrumentos mais democráticos, seguindo como um espaço bastante controlado.
São grandes matrizes de opinião e a tendência principal do campo midiático, completamente monopolizado pelo grande capital, tem sido de oposição ao governo. Não representam uma oposição racional, razoável, mas destrutiva, fazendo parte da guerra híbrida contra o presidente Petro, fazendo uma individualização do ataque, aproveitando obviamente erros e falhas, e problemas como o do caudilhismo, fenômeno político e social. São questões que incidem em muitos setores da sociedade. O senso comum está afetado por uma mídia que põe o foco em um panorama obscuro, negro e calamitoso, como se aqui não houvesse nada, como se tudo estivesse terrível, como se estivéssemos melhor com Ivan Duque (2018-2022) ou seja lá quem, o que não é verdade.
Aqui então há dois elementos que consideramos significativos. Em primeiro lugar, o que as pessoas estão vendo e sentindo: a melhoria de certas condições de vida, que ficou mais barato sobreviver, o aumento da renda, ainda que de forma leve, mas favorável ao trabalhador, e que passaram a ser reconhecidos direitos. Por outro lado, também existe a necessidade de uma pedagogia do governo, uma pedagogia do Pacto Histórico para demonstrar os avanços obtidos e conquistas, explicar que tal benefício neste e naquele ponto, seja no campo trabalhista, previdenciário ou agrário, é resultado de uma política e de uma vontade de transformação. Que não apareceram do nada, que foram resultados da luta e continuaram sendo.
O que vale também para a perspectiva do que vem nas eleições de 2026. Por isso estamos nos esforçando para unificar forças ao redor do Pacto Histórico, o apoio ao governo, a cobrança de que se cumpra o Plano Nacional de Desenvolvimento, de que se combata a corrupção existente entre funcionários do próprio governo, de nunca perdermos a iniciativa. Tudo isso levando em conta que o peso da narrativa inventada pela mídia é muito forte.
LWS – Qual a perspectiva de conformar uma frente ampla para derrotar os vende pátria?
JC – Estamos priorizando a conformação dos pilares de unidade, um deles é o Pacto Histórico que representa a aproximação de cinco ou seis partidos e movimentos com personalidade jurídica. Vamos nos integrar, seremos um único movimento político, mantendo nossas identidades e formas de organização, mas ao mesmo tempo construindo espaços de convergência, de consultas populares para a conformação das diversas candidaturas para a Câmara e o Senado. E, também, com a perspectiva mais ampla, de uma convergência maior, para a composição de uma chapa presidencial focada em um programa de continuidade e aprofundamento das mudanças em curso. A construção deste programa do futuro governo não será para fazer concessões à direita, a setores sociais-democratas, mas para radicalizar as transformações em benefício das maiorias.
A força do processo de 2026 precisa vir de baixo, da organização, da consciência e da coerência, mas sobretudo da consequência política deste governo com as necessidades do povo. A capacidade de aglutinar novas organizações de base, como faz a Frente Ampla do Uruguai. Não será sacrificando a esquerda, como foi feito recentemente com o afastamento da companheira [comunista] Gloria Inés Ramírez do Ministério do Trabalho. Não estamos convencidos de que este seja o caminho, mas estas são parte das contradições no seio do povo, como diria Mao Tsé-Tung.
Temos uma visão distinta sobre o conceito de unidade. Com a experiência de décadas de luta revolucionária, precisamos agora investir em novos quadros e enfrentar o oportunismo, não podemos ser ingênuos. A tendência geral do crescimento da votação da esquerda nos últimos anos é clara e mostra que estamos em condições muito diferentes, abrindo perspectiva de seguirmos avançando com o apoio dos jovens, dos movimentos sociais, no campo e nas periferias das grandes cidades. Esta é a nossa trajetória e o nosso compromisso.
Reportagem da Agência ComunicaSul de Comunicação Colaborativa com o apoio do jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul Global, Barão de Itararé, Vermelho, Agência Sindical, Correio da Cidadania e gabinete do vereador Gilmar Lima Martins (Alegrete-RS)