O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, nesta quarta-feira (16), aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 0,75 ponto percentual, de 3,50% para 4,25% ao ano, um aumento correspondente a 20%, que coloca o país na segunda posição mundial em juros reais, ou seja, descontada a inflação.
Este foi o terceiro aumento consecutivo da Selic. De agosto do ano passado até janeiro, a taxa manteve-se em 2% ao ano, como resposta à crise gerada pela pandemia da Covid-19.
Com a pressão inflacionária provocada pela alta dos alimentos e dos combustíveis e mais recentemente pela energia elétrica, o BC voltou a aumentar os juros e não só para o patamar anterior à pandemia e, na contramão do mundo, como colocou o Brasil de volta entre os países que têm as maiores taxas de juros reais (descontada a inflação).
Segundo o portal MoneYou e Infinity Asset Management, o juro real brasileiro está agora em +1,92% ao ano, atrás apenas da Turquia (+6,44%), campeã mundial de juro real, entre 40 países de economias, sendo que 34 países estão com os juros reais abaixo de zero.
Em maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial – ficou em 0,83%. Foi o maior resultado para um mês de maio desde 1996 (1,22%). No acumulado dos 12 meses, o IPCA atingiu 8,06%, bem acima do teto da meta (5,25%) do BC.
DESCALABRO
“A inflação de maio atingiu 0,83%. realmente muito alta. Mas somente energia elétrica, gasolina e etanol contribuíram com 0,50 pp nesta alta. Quem é o responsável? o governo ou a “demanda”? acho que está claro, não? E dá-lhe aumento da taxa de juros”, comentou o economista Nelson Marconi, professor de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Twitter.
“Quando avaliamos o comportamento da inflação de setembro até dezembro do ano passado, nota-se que houve uma pressão muito forte dos alimentos. Isso por conta tanto de uma alta mundial no preço dos alimentos, quanto pela depreciação da moeda durante a pandemia. Outra pressão forte veio pelo lado dos reajustes dos preços dos combustíveis”, disse Nelson Marconi, em entrevista ao site Mais Retorno.
Para Marconi, “o impacto da taxa de juros sobre essas variáveis, em um cenário que ainda está muito desaquecido, gera o aumento do custo da dívida pública, impede a economia de se recuperar e tenta atacar a inflação, sendo que um dos motivos que fizeram a inflação subir estão associados à demanda, ao que chamamos de choque de oferta. Para compensar isso, o governo aumentou a taxa de juros para ter um impacto maior sobre a demanda e tentar compensar esse choque de custos. Do ponto de vista de política econômica, para mim é um descalabro, pois está ajudando a piorar uma situação que já está muito ruim”.
NÍVEL DE ATIVIDADE ECONÔMICA ESTÁ MUITO BAIXO
Em entrevista ao HP, o economista José Luis Oreiro, ao condenar o aumento dos juros na reunião anterior, já assinalava que excluindo alimentos e eletricidade, os núcleos de inflação apontavam para uma inflação “confortavelmente dentro do regime de metas”. “Primeiro, o nível de atividade econômica está muito baixo. E segundo, a elevação do IPCA acumulado em 12 meses, desde o final do ano passado, foi devido a um choque de oferta e, como tal, é de natureza temporária”, disse Oreiro.
“Quais são os choques de oferta? Basicamente, o aumento do preço das commodities e dos alimentos nos mercados internacionais – devido em parte à recuperação da economia da China e, em parte, ao fato de que vários países, ao contrário do Brasil, constituíram estoques precaucionais de alimentos por conta do risco que a pandemia do Covid-19 teria sobre as cadeias globais de suprimentos e alimentos”, afirmou Oreiro.
“O dólar passou de R$ 4 em janeiro para mais de R$ 5,50 em dezembro. Foi uma desvalorização de mais de 40%. Aí a segunda causa desse choque de oferta. Além do aumento do preço das commodities agrícolas foi a desvalorização imensa da taxa de câmbio ocorrida no ano passado. O dólar passou de 4 reais em janeiro para mais de 5,50 em dezembro. Foi uma desvalorização de mais de 40%. Então você não combate um choque de oferta com elevação da taxa de juros. Por que? Porque a elevação da taxa de juros, ela vai agravar a queda de demanda que já é consequência do próprio choque de oferta, o choque de oferta negativo produz redução do nível de atividade econômica. Lembrando que, além desse choque de oferta, a gente tem a própria pandemia que reduz a interação entre as pessoas e afeta muito o setor de serviços”, argumentou o professor.
Com o aumento dos juros, o crédito fica mais caro, prejudicando os investimentos produtivos, assim como o consumo da população, que já enfrenta os preços abusivos nas contas de luz, nos alimentos, nos transportes e até no botijão de gás, em meio ao desemprego recorde, segundo o IBGE, assim como é recorde a queda na renda, de acordo com a FGV-Social.
Em nota, o BC sinalizou que vai continuar o arrocho monetário na mesma magnitude na próxima reunião em agosto, elevando a taxa para 5%.
“Esse ajuste é necessário para mitigar a disseminação dos atuais choques temporários sobre a inflação. O Comitê enfatiza, novamente, que não há compromisso com essa posição e que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação“, diz o comunicado do BC.
Mas o Copom não tratou apenas da inflação no seu comunicado. Sob a presidência de Roberto Campos Neto, o BC saiu em defesa do arrocho fiscal e das reformas desestruturantes de Paulo Guedes, no momento em que o país vive a mais grave fase da crise sanitária com quase meio milhão de vidas ceifadas pela Covid-19 e Jair Bolsonaro sabotando a vacinação.