O presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, divulgou na terça feira (11) carta pública ao ministro da Economia dando explicações sobre a alta da taxa de inflação, conforme previsto no Decreto 3.088, de 21 de junho de 1999, caso a inflação fique fora do intervalo de tolerância da meta em determinado ano-calendário.
A inflação de 2021, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), resultou numa variação de 10,06%, superando em 6,31% (10,06%–3,75% = 6,31%) a meta de inflação.
Os 3,75% foram estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 26 de junho de 2018. A tolerância de 1,5% a mais prevista na resolução também foi rompida, exigindo a carta agora publicada.
Começando pelas “Providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos”, respectivamente o segundo, do total de três capítulos obrigatórios que a carta precisa se manifestar, a receita para conter a inflação está assim expressa.
“O Copom considera que, diante do aumento de suas projeções (inflação) e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista. O Comitê irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”
“De acordo com o Comunicado e a Ata da reunião de dezembro de 2021 (243ª reunião), para sua próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude (1,5%). O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária”.
Para o BC, portanto, para conter a inflação tem que aumentar a taxa básica de juros (Selic). Na atual situação, mantê-la em 9,25% ao ano com a previsão de um novo aumento de 1,5%, conforme Ata do Copom de dezembro passado.
O aumento da Selic, no entanto, não controla os preços dos produtos e serviços que determinaram a disparada da inflação.
O preço da gasolina aumentou 47,49% em 2021, e é responsável por 2,23 pontos percentuais (p.p.) dos 10,06% a.a.do IPCA de 2021. Seus preços estão vinculados à política de preços da direção da Petrobrás, que toma como base para cálculo do preço do produto os preços do barril de petróleo no mercado internacional.
Esses preços têm variado de 70 a 80 dólares o barril do petróleo. No entanto, o custo de produção da Petrobrás é muito menor e, no PréSal, que já responde por dois terços da produção da companhia, o custo conforme especialistas é de US$ 13 por barril.
Há uma evidente margem para a que a empresa mantenha um lucro expressivo mesmo estabelecendo um preço de venda para o mercado interno bem menor do que o dos praticados na especulação das bolsas internacionais.
Ao invés de distribuir estupendos dividendos, que hoje em dia mais favorecem investidores estrangeiros que já detém 38% das ações da Petrobrás, a companhia deveria repassar parte da sua eficiência técnico operacional e de preço aos brasileiros.
O gás de cozinha teve um aumento em 2021 de 36,99%. Tem os preços submetidos à mesma lógica do cálculo para a gasolina e sozinho acrescentou 0,41 p.p ao IPCA
Mas Bolsonaro repetiu na quarta-feira (12) que quer se livrar da Petrobrás, ou seja, que essa política de lucros máximos no menor prazo de tempo deve permanecer e que o governo deve sair da companhia ao invés de exercer sua condição de sócio majoritário para mudar a política de paridade aos preços internacionais (PPI) e, entre outros benefícios, conter a inflação.
A energia elétrica foi outro fator que impulsionou a inflação em 2021. As tarifas aumentaram 21,21% no período. O país vive um estrangulamento no setor estratégico da energia elétrica. A política de privatizações do setor que seriam capazes, conforme seus formuladores, de alavancar o setor seja para atender a demanda vigente, seja para capacitar o país para seu desenvolvimento futuro, não atingiram nem de longe esses fins.
O governo Bolsonaro impediu a expansão da Eletrobrás visto que quer privatizá-la. O país tem hoje grande parte da infraestrutura de usinas hidrelétricas, que respondem por pelo menos 70% da geração de energia, construídas no século passado.
A ampliação da infraestrutura do setor ficou à mercê do mercado. Os capitais, em sua maioria estrangeiros, que entraram nas privatizações, não “disseram” a que vieram e o desastre é o que estamos vivendo.
No meio dessa confusão contra o país, a crise hídrica mais grave em 90 anos causou estragos sem fim, com as tarifas subindo até a nova modalidade de bandeira da crise.
Quanto à crise hídrica especificamente, para os técnicos do TCU, em estudo preliminar que circula na imprensa, o governo tomou medidas de “maneira açodada e com pouca previsibilidade” porque não teve um plano de contingência para enfrentar o problema.
Os aumentos da energia elétrica bateram firme no IPCA respondendo por 0,98 p.p. do índice.
Os preços administrados, que tratamos até agora, responderam com 3,72 p.p do total de 4,34 p.p. do grupo. Dos 10,06% do IPCA, os preços administrados responderam por 43,14% do total.
Portanto, o aumento da Selic não controla os preços dos produtos e serviços que determinaram a disparada da inflação.
Entre os preços chamados livres, as commodities de alimentos: soja, carne bovina, suína e de frango, arroz, óleo de soja, trigo, açúcar, café, entre outros, tiveram do final de 2020 até o primeiro semestre de 2021 forte aumento de preços sob a influência dos preços em alta no mercado internacional.
Com o preço no exterior muito elevado, os produtores e em especial os exportadores, buscando maiores lucros, venderam tudo o que podiam e mais um pouco, deixando o mercado interno desabastecido.
O que o governo devia fazer, mas não fez para que os recentes aumentos dos preços internacionais não provocassem uma subida de preços sem precedentes, seria uma política de estoques reguladores que garantissem uma oferta mais estável dos produtos para o mercado interno.
Como não fez e não vai fazer, os aumentos de preços das commodities alimentícias vão continuar ao bel prazer das regras do mercado, ou seja, mais forte, a despeito da segurança alimentar da população nacional.
Mais uma vez, o aumento da taxa Selic em nada vai atuar sobre os fatores que estão determinando a inflação.
O que é consenso geral e completo dos economistas de todas os matizes e interessados no assunto é que os aumentos da Selic vão conter o crédito ao consumidor, que ficará mais caro, ao invés de estimular as vendas vai derrubá-las.
E o que é igual ou mais grave, os empresários da indústria, comércio e dos serviços não bancários ficaram ainda mais desestimulados em fazer novos investimentos na conjuntura já bastante conturbada. Para que investir se nas aplicações financeiras, com alguns telefonemas ou cliques, pode-se obter ganhos mais vantajosos.
A recessão que o país vive, depois de dois trimestres seguidos com crescimento negativo do Produto Interno Bruto (PIB), vai se aprofundar e mesmo os agentes que defendem também o aumento da Selic falam até no cuidado para a dose não ser mortal.
Há, contudo, na sociedade, alguns que não só concordam com os aumentos da Selic, como ganham muito dinheiro com isso, em resumo, os rentistas com os bancos à frente.
Como a esmagadora maioria da sociedade, incluindo o governo, deve a eles, a razão que predomina é a deles, qual seja, em momento de crise é preciso gastar menos e pagar as dívidas. Quanto aos que vão contrair novas dívidas, terão que pagar juros maiores, pelo aumento de risco dos negócios.
Certamente, não interessa a esses setores se essas dívidas foram criadas e cevadas pelos juros mais altos do planeta, entre outros fatores que as favoreceram, nem mesmo que a manutenção dessas condições estão levando o país para a maior crise econômica e social que o Brasil já viveu.
J.AMARO