“Não existe uma solução única para todos”, argumentou o ministro Ernesto Araújo, em reunião da ONU, ao defender a paralisia total do governo Bolsonaro diante da pandemia de Covid-19
O ministro da Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, defendeu, na quinta-feira (03), durante a sessão especial da Assembleia-Geral das Nações Unidas, com a presença de 192 ropresentantes de países e 90 chefes de Estado, sobre o coronavírus, que a pandemia mundial da Covid-19 não deve ser enfrentada multilateralmente. Para o representante de Bolsonaro, que não quis participar do evento, a crise deve ser enfrentada “por nações individuais”.
Araújo, ou “Beato Salu” – pela semelhança com o personagem de Roque Santeiro – achou conveniente defender o negacionismo adotado pelo governo Bolsonaro, que colocou o Brasil como segundo país do mundo em número absoluto de mortes, atrás apenas dos EUA de Donald Trump, atacando a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Embora reconheçamos o mandato da OMS na pandemia, também identificamos deficiências críticas nessa organização, que devem ser resolvidas o mais rápido possível. A Covid-19 deve levar a melhores instituições multilaterais”, disse ele.
Como na maioria absoluta dos países predominou o respeito à ciência na busca de soluções para a maior tragédia sanitária mundial, desde a pandemia de Influenza de 1918 (a chamada “Gripe Espanhola”), Ernesto Araújo preferiu advogar por “medidas individuais”. “Não existe uma solução única para todos”, argumentou. A “solução única” a que o ministro se refere, são as orientações gerais de uso de máscaras, distanciamento social, a higienização das mãos e a busca de uma vacina contra o vírus.
Em contraposição a isso, Bolsonaro advogou o não uso de máscaras, estimulou as aglomerações e seu próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, acaba de afirmar que, no futuro, “vai ficar provado que o distanciamento não funcionou”.
Ou seja, as “medidas individuais”, que Ernesto Araújo defendeu na sessão da ONU, é “não fazer nada” contra a Covd-19. E é isso exatamente o que o governo Bolsonaro está fazendo diante da pandemia. Aliás, não só não faz nada, como atrapalha quem está fazendo.
Este é o caso da sabotagem do governo federal às pesquisas da CoronaVac, uma vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a gigante chinesa Sinovac. A vacina do Butantan/Sinovac já está quase pronta, inclusive já começou a ser usada em larga escala em outros países, e o governo brasileiro atrasa a sua aprovação e ainda não apresentou nenhum plano nacional de imunização.
Não bastasse isso, quase sete milhões de testes diagnósticos de Covid-19, fundamentais para o combate à disseminação e o controle da doença, foram estocados e retidos pelo governo em depósitos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, perdendo a validade, enquanto governadores e prefeitos, que estão na frente de batalha contra o vírus, não tinham testes para identificarem a presença do vírus em suas comunidades. O número de testes no Brasil, que já era totalmente insuficiente, vem sendo reduzido nos últimos três meses de pandemia.
Para sustentar as teses absurdas e obscurantistas, defendidas pelo governo Bolsonaro, como, por exemplo, o negacionismo da gravidade da doença – apesar de mais de 175 mil brasileiros mortos – ou o desdém à importância das vacinas, ou mesmo o escandaloso incentivo ao uso de cloroquina, uma droga sem eficácia comprovada para tratamento de Covid-19, inclusive obrigando o Exército Brasileiro a comprar toneladas de insumos para a produção da droga, Ernesto Araújo combateu o que ele chamou de clichês da OMS.
O clichê a que ele se referiu é o de que “crises globais precisam de soluções globais” ou “o mundo precisa de mais multilateralismo”. “Clichês não vão ajudar a solucionar uma pandemia”, insistiu. Para o ministro, o papel dos organismos seria apenas de servir como “local de coordenação”.
A medida que Araújo enumerou como sendo tomada “individualmente” pelo Brasil para se contrapor à “medidas globais” da OMS, não foi, nem mesmo uma iniciativa do governo. Pelo contrário, foi tomada, apesar do governo.
A ajuda emergencial de R$ 600 para os desempregados foi um exemplo. A decisão foi do Congresso Nacional. O governo não queria adotá-la. Depois admitiu instituir uma ajuda, mas de apenas R$ 200. O Congresso rejeitou a “solução palaciana” e elevou o valor para R$ 600.
Ernesto disse que essa ajuda não foi iniciativa de organismos multilaterais. Não é verdade. Todos os órgãos multilaterais, até o FMI, alertaram para a necessidade de se socorrer as populações mais vulneráveis diante das consequências da pandemia na economia.
Contrariando seu próprio discurso, Araújo teve que falar da vacina, mas escondeu a cooperação do Brasil com a China para o seu desenvolvimento. A CoronaVac, vacina citada por ele, que está sendo produzida pelo Butantan, em São Paulo, e que está em fase final de testes, é uma cooperação internacional entre China e Brasil. Ela vai começar a ser aplicada já no início do ano.
Como o chanceler vem atacando a China, junto com o deputado e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, ele escondeu esse fato de seu discurso.
“O Ministério da Saúde estima que a Bio-Manguinhos/Fiocruz e o Instituto Butantan, duas das maiores instituições públicas de pesquisa do Brasil, junto com empresas farmacêuticas nacionais que possuem convênios específicos com laboratórios estrangeiros, terão capacidade para produzir de 600 milhões a 800 milhões de doses até meados de 2021”, disse.
A CoronaVac é sino-brasileira e é a mesma vacina que Jair Bolsonaro, há alguns, combateu violentamente, dizendo que não vai comprá-la de jeito nenhum, “porque ela é chinesa e é do Doria”.