Ao apoiar e participar das jornadas pelos direitos civis dos negros norte-americanos, Belafonte tornou-se colaborador e amigo de Martin Luther King
Faleceu, nesta terça-feira (25), aos 96 anos de idade, o primeiro artista norte-americano a vender um milhão de cópias de seu álbum: Harry Belafonte. Quando passou a lotar estádios nos anos 1950 e, saltar para a fama, iniciou sua participação na luta contra o racismo.
Ele foi adquirindo destaque cada vez maior como um dos artistas negros mais atuantes nos Estados Unidos nas jornadas de lutas pelos direitos civis encabeçadas por Martin Luther King, de quem se tornou amigo desde os primeiros encontros, já em 1956.
Em uma das faixas do seu primeiro álbum de grande sucesso, “Calypso”, ele canta a Day-O (mais conhecida como Banana Boat Song). A canção ganhou fama mundial depois que o disco ficou 31 semanas consecutivas como o mais tocado nas rádios dos Estados Unidos.
Dono de uma voz singular, fazia ecoar seu canto por justiça como nesta música- Day-O – que conta a superexploração de um operário que vê o dia amanhecer enquanto trabalha carregando seis, sete, oito pesados cachos de banana às costas, para o embarque em navios na Jamaica. Quando vinha a luz do dia, era chegada a hora do patrão contar o serviço e pagar, de forma que o estivador pudesse retornar a sua casa, operação sempre muito demorada (Daylight come and me wan’ go home/Day, me say day, me say day, me say day/ Me say day, me say day-o).
Filho de pais jamaicanos, nasceu no Harlem, Nova Iorque, e cresceu na ilha, onde travou contato com a música caribenha, particularmente o Calipso que fez dele um dos primeiros a trazer o ritmo da região para o entretenimento norte-americano.
Voltou ao Harlem no início da juventude em um período em que havia ali movimentações sindicais, antirracistas, socialistas e comunistas, em meio às quais artistas jovens escreviam peças de teatro, cantavam em bares e escreviam literatura política.
Foi daí que Belafonte, primeiro cantando em casas noturnas, foi se afirmando. Antes de Elvis, foi quem lotou estádios e casas de show de Las Vegas a Nova Iorque.
Ator de cinema, teve seu maior sucesso em uma adaptação da ópera Carmen, no filme “Carmem Jones”, ao lado da atriz, também negra, Dorothy Dandridge.
Sua determinação e atração pela arte o possibilitaram se desenvolver neste terreno como cantor, ator e diretor de programas de TV. Ao longo de sua carreira recebeu premiações em todas as áreas em que atuou. Foi premiado nos Estados Unidos e na Europa.
O primeiro contato de Belafonte com a arte foi em uma peça, que assistiu após ganhar convite de uma inquilina, quando ainda muito jovem trabalhava como zelador de prédio.
A peça que o marcou para o resto da vida era encenada no American Negro Theater do Harlem, ao qual ele imediatamente se voluntariou. Foram nestes trabalhos amadores iniciais que entrou em contato com um outro artista negro, do qual se tornaria um amigo de toda a vida: Sidney Poitier. A peça narrava a conflituosa relação de um reservista simpatizante do fascismo e sua esposa ativista no movimento sindical.
Depois de servir na Marinha durante a Segunda Guerra, Belafonte usou benefícios concedidos a reservistas que lutaram no conflito para se inscrever na Nova Escola de Teatro de Nova Iorque,onde teve classes com futuras celebridades, a exemplo de Marlon Brando, Walter Matthau e Tony Curtis.
Aliás, o futuro cantor ficou pouco tempo no serviço militar. No seu livro de memórias “My Song”, publicado em 2011, explicou os motivos de seu afastamento: “Para mim bastava do serviço militar: não apenas pela entorpecente rotina e os riscos mortais com o manejo de munição, mas as demasiado frequentes manifestações de preconceito que me mantinham em um quase constante estado de raiva fervente”.
Os contatos que teve na juventude, Belafonte usou a favor da luta contra a segregação. Foi ele que trouxe Marlon Brando, Paul Newman e Tony Curtis para se somarem na marcha pelo direito ao voto no Alabama, de Selma a Montgomery, em março de 1965, algumas semanas depois do espancamento brutal dos líderes da luta pelos Direitos Civis por forças militares em Selma, no que ficou conhecido como o “Domingo Sangrento”.
Já em 1963, o destacado cantor foi um dos oradores na Marcha a Washington, quando Luther King fez seu histórico pronunciamento “Eu Tenho um Sonho”. Também foi ele quem ajudou a reunir artistas como Poitier, Brando e Charlton Heston na caminhada ao Memorial Lincoln na capital dos Estados Unidos em um ponto alto da luta pelo fim do segregacionismo.
Belafonte foi também um dos principais financiadores das jornadas de Luther King e quem pagou a fiança do líder da luta pelos direitos civis, quando da sua prisão e também quem primeiro ajudou a família de King quando o líder foi assassinado.
Sua consciência antirracista que o aproximou da destacada cantora sul-africana Myriam Makeba, ao lado de quem fez campanha pelo boicote que ajudaria Nelson Mandela a liderar a luta pelo fim do apartheid na África do Sul. Uma de suas conquistas enquanto cantor foi o prêmio Grammy pelo álbum que produziu junto com Makeba.
Seu senso de justiça o levou a participar de eventos contra a guerra ao Vietnã e contra a invasão do Iraque. Com o país árabe já ocupado, Belafonte, em conversa com o líder venezuelano Hugo Chávez, declarou: “George W. Bush é o maior terrorista do mundo”.
Em 2017, o cantor jurou dedicar o que lhe restava de energias e “tempo nesta boa terra”, conclamando os “cidadãos da República para, com a nossa capacidade e responsabilidade, garantir que a filosofia e visão de Trump não prevaleçam”.
Na sua passagem pelo Brasil, Belafonte preferiu passear pela Bahia, onde dizia se sentir bem em meio à população com maioria negra. Esteve mais de uma vez na casa de Jorge Amado, no Rio Vermelho, onde lhe disse haver se apaixonado pela Bahia ao ler o seu livro “Jubiabá”.
Em Salvador, também teve contato com artistas como Carybé e Jener Augusto que o acompanharam na visita ao Mercado Modelo, onde lhe foi feita apresentação especial de capoeira.
A discriminação racial por aqui não passou desapercebida ao olhar crítico de Belafonte. Em uma de suas conversas, registrada pela revista Manchete, enfatizou: “Pelé é simplesmente o maior jogador de futebol do mundo e por que não se veem negros em papéis principais na TV brasileira? Vi televisão todos os dias aqui no Brasil; apareceu uma negra, mas no papel de empregada doméstica”.
Do Brasil levou roupas das quais apreciou o estilo e a cor e também embarcou de volta aos EUA com quatro berimbaus.