O empresário Mario Bernardini afirma que os dados de geração de emprego do país “refletem a crescente primarização da economia brasileira, reflexo do longo processo de desindustrialização do país, iniciado há mais de três décadas, e que reduziu à metade a participação da indústria no PIB neste período”.
“Ainda que a agropecuária e a indústria extrativa tenham crescido nestes 30 anos, são setores que geram poucas vagas e, nem de longe, compensam os empregos industriais em quantidade e muito menos em qualidade”, afirmou o ex-dirigente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) e da Fiesp no artigo publicado no site A Revolução Industrial Brasileira, que reproduzimos, na íntegra, a seguir.
Empregos e… empregos
Por Mario Bernardini*
Em 2020 o Brasil teve um saldo positivo no emprego com carteira assinada. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, foram criadas mais de 142 mil vagas. Ou seja, no ano, tivemos mais contratações do que demissões no mercado de trabalho formal. É um resultado até certo ponto surpreendente, se consideramos que foi um ano impactado pela pandemia, com paralização de empresas, fechamento de lojas e forte queda na demanda de serviços.
Entretanto, olhando os dados mais de perto, os números não são tão entusiasmantes. Apesar da forte recuperação econômica, que começou na metade do ano, os empregos gerados a partir de junho não foram suficientes para repor o 1,6 milhão de postos de trabalho perdidos na pandemia. O resultado positivo é devido, na realidade, ao saldo das mais de 340 mil vagas criadas nos dois primeiros meses do ano, antes, portanto, da chegada do vírus.
O saldo positivo foi gerado, pela ordem, pelo setor de construção civil, favorecido pelo baixo nível dos juros que aumentou a demanda pela casa própria, pela indústria que teve uma forte recuperação no segundo semestre, e pela agropecuária. O comércio praticamente não criou vagas e o setor de serviços fechou o ano ainda fortemente negativo. Em termos de regiões, com exceção do sudeste, todas as demais tiveram saldos positivos, com destaque para o sul.
Parte deste resultado positivo foi, sem dúvida, devido aos programas de garantia de empregos. Os trabalhadores beneficiados pela suspensão do trabalho ou pela redução de jornada sem perda de salários tiveram, como contrapartida do empregador, assegurada a estabilidade no emprego pelo tempo do benefício, o que deve se estender além do primeiro trimestre de 2021. Falta saber, caso a economia não se recupere, o que poderá ocorrer no fim deste prazo.
Outro problema, igualmente preocupante, é a constatação de que mais da metade do saldo líquido de vagas geradas no ano passado foram contratações feitas na modalidade de trabalho intermitente, ou seja, sem garantia de salário fixo e sem definição de jornada. Claro que isto é melhor do que nada, mas mostra uma certa perda de qualidade nos empregos gerados em 2020, o que se soma ao, ainda muito elevado, índice de desemprego.
Uma análise mais detalhada das vagas perdidas e das vagas criadas mostra ainda mais claramente esta perda de qualidade. Boa parte das vagas fechadas foi de profissões mais qualificadas enquanto que a grande maioria das novas vagas, principalmente na área de serviços, está ligada à embalagem e distribuição das encomendas on line e ao forte aumento dos serviços de entregas rápidas, turbinados pelo isolamento causado pela pandemia.
Estes dados refletem a crescente primarização da economia brasileira, reflexo do longo processo de desindustrialização do país, iniciado há mais de três décadas, e que reduziu à metade a participação da indústria no PIB neste período. Ainda que a agropecuária e a indústria extrativa tenham crescido nestes 30 anos, são setores que geram poucas vagas e, nem de longe, compensam os empregos industriais em quantidade e muito menos em qualidade.
*Mario Bernardini foi empresário industrial do ramo de máquinas e equipamentos, e participou de diretorias da ABIMAQ e FIESP.