A integrante da tropa de choque de Bolsonaro tentou associar um surto psicótico do soldado baiano às críticas dos bolsonaristas às medidas sanitárias tomadas para evitar a maior circulação do vírus
A deputada Bia Kicis (PSL-DF), que teve o apoio de Jair Bolsonaro para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), incentivou, na madrugada desta segunda-feira (29), um motim armado de policiais da Bahia contra o governador do Estado, Rui Costa (PT). Ela estimulou a quebra de hierarquia aproveitando-se de um episódio dramático envolvendo um soldado em surto psicótico que foi morto após atirar contra colegas.
O episódio a que a deputada da tropa de choque de Bolsonaro se refere ocorreu no domingo (28) quando um militar, de nome Wesley Soares Góes, chegou armado com fuzil e pistola, no Farol da Barra, em Salvador. Imediatamente ele iniciou disparos de fuzil para o alto. O soldado foi cercado por unidades policiais do CPR Atlântico e especializadas, que isolaram o local.
A deputada Bia Kicis tentou associar o surto do soldado às críticas dos bolsonaristas às medidas sanitárias tomadas para evitar a maior circulação do vírus. “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a aprender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora, a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal”, escreveu Kicis. Ela simplesmente inventou que o soldado foi morto por se recusar a “prender trabalhadores”.
A provocação foi imediatamente condenada por vários parlamentares. O deputado Rodrigo Maia ( DEM-RJ), ex-presidente da Câmara criticou a provocação da deputada. “Sobre o episódio da presidente da CCJ. De onde você menos espera é que não sai nada mesmo. Não se pode esperar nada de uma pessoa desequilibrada. Como já disse: viramos um hospício”, disse ele.
O deputado Marcelo Ramos (PP-AM), vice-presidente da Câmara, foi outro que condenou a atitude de Bia Kicis. “A Deputada Bia Kicis, na condição de parlamentar não nos permite incitar o cometimento de crimes. A condição de presidente da CCJ, menos ainda. O respeito a hierarquia é elemento essencial para as PMs e um parlamentar estimular motins é algo muito grave”, afirmou.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) também lamentou o ocorrido e criticou a deputada. “Dramático e triste o fato ocorrido na Bahia, que resultou na morte de policial militar. Inexplicável a postura da presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, dep. Bia Kicis, que, na prática, estimula insurreição da PM contra o governador”, disse ele.
Outros bolsonaristas também estimularam o motim
O deputado Marcelo Freixo (Psol- RJ), líder da Minoria na Câmara, também condenou a provocação da deputada. “A extremista Bia Kicis, presidente da CCJ, que já discursou a favor da intervenção militar dentro do parlamento, agora estimula um motim da PM na Bahia. Mais uma vez utiliza o cargo p/ pregar a violência contra o Estado de Direito e a Democracia. É um crime contra a Constituição”, denunciou Freixo.
“Lamentável a atitude da deputada Bia Kicis que politizou a morte de policial na Bahia. A parlamentar ataca de forma frontal a democracia ao incentivar motim da PM-BA contra o governador Rui Costa e disseminar fake news sobre o caso. Tem que sair imediatamente do comando da CCJ!”, afirmou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
Ante a repercussão negativa de sua mensagem, a deputada correu para apagar o post feito ainda na madrugada. Horas depois, após apagar a publicação, ela admitiu que o PM morto estava em surto e que aguarda investigações para se pronunciar sobre o caso, “inclusive diante do reconhecimento da fundamental hierarquia militar”. Em entrevista ao jornal Metrópole na manhã da segunda, a deputada se esquivou. “Não existe nenhum motim. Que ideia!”, assinalou. “As redes ficaram emocionadas com a morte do soldado. Mas refletindo melhor prefiro aguardar os rumos da investigação”, prosseguiu.
A negociações com o soldado em surto começaram às 15 h. Uma equipe do Bope iniciou a negociação. O soldado alternava momentos de lucidez com acessos de raiva, seguidos de disparos. De acordo com o órgão de segurança pública, além dos tiros de fuzil, o soldado arremessou grades, isopores e bicicletas ao mar. O soldado teria falado que havia chegado o momento, fez uma contagem regressiva e iniciou os disparos contra as equipes do Bope. Após pelo menos 10 tiros, o soldado foi neutralizado e socorrido no Hospital Geral do Estado (HGE), onde morreu na sequência.
O capitão Luiz Henrique, que agiu como negociador, deu detalhes do episódio. “No momento que caiu ao chão ele iniciou uma série de disparos contra os policiais, que novamente tiveram a necessidade de realizar disparos, e, quando ele cessou a agressão, os policiais chegaram perto para utilizar o resgate”, contou.
O comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), major Clédson Conceição, afirmou que os policiais buscaram utilizar técnicas de negociação e impedir um confronto, mas que Weslei “atacou as equipes”.
“Além de colocar em risco os militares, estávamos em uma área residencial, expondo também os moradores”, justificou. Conceição disse que tentaram fazer com que Weslei se estregasse, mas que “essa negociação alternava em picos de lucidez com loucura. Ele não falava coisas com sentido, estava bastante transtornado”.
NOTA DA POLÍCIA MILITAR DA BAHIA
“A Polícia Militar lamenta profundamente o episódio que ocorreu neste domingo (28), no Farol da Barra, quando todos os esforços foram feitos por um final pacífico durante um possível surto de um PM. O Batalhão de Operações Policiais Especiais adotou protocolos de segurança e o policial militar ferido foi socorrido imediatamente pelo SAMU. A corporação tomou conhecimento ainda de um vídeo do momento em que a imprensa acompanha o fato e é interpelada por um policial militar. A instituição ressalta o respeito à liberdade de expressão e ao trabalho dos jornalistas. O fato será devidamente apurado”.