
Em média, 112 crianças palestinas são internadas diariamente – no que sobrou dos hospitais atacados – com desnutrição grave, estágio mais mortal
Em pronunciamento conjunto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertaram que em média 112 crianças palestinas são internadas – no que sobrou dos hospitais – a cada dia na Faixa de Gaza com desnutrição grave. Desde o início de 2025, 18.809 crianças menores de cinco anos foram admitidos para tratamento por desnutrição aguda, incluindo 5.486 apenas em maio. Destes, 2.258 padeciam de desnutrição aguda grave (SAM), a forma mais mortal da enfermidade.
A situação humanitária em Gaza superou os níveis catastróficos”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que há meses vem denunciando que a rede hospitalar havia sido alvo dos ataques israelenses e de que “o sistema de saúde se encontrava sob grave ameaça”. “Repetimos: parem os ataques a hospitais. As pessoas em Gaza precisam de acesso a cuidados de saúde. Os humanitários precisam de acesso para fornecer assistência médica. Cessar-fogo!”, clamava.
Conforme a Unicef, todos estes casos são completamente previsíveis, porém contínuo bloqueio imposto pelo Exército de Israel às pessoas em Gaza torna impossível às crianças que se aproximem de alimentos, água ou dos tratamentos nutricionais. Isso faz com que a maioria das famílias palestinas sobrevivam com uma única e escassa refeição ao dia, um terço delas passando dias inteiros sem comer, informaram as autoridades sanitárias. Como se não bastasse, alertam, as comidas disponíveis são nutricionalmente pobres, consistindo em caldos escassos, lentilhas ou arroz com sal, macarrão, latas de feijão ou legumes fervidos.
15% DA POPULAÇÃO RECORRE À COMIDA NO LIXO OU NOS ESCOMBROS
Um relatório recente das Nações Unidas revela que parcela expressiva da população – qu encontra-se sem renda – ou os fisicamente impossibilitados de acessar alimentos dependem de pequenas quantidades de alimentos básicos doados por parentes e vizinhos; e cerca de 15% da população recorre à busca por comida no lixo ou em escombros.
Essa crise humanitária é agravada pela insegurança que obriga os moradores da Palestina ocupada a arriscar suas vidas diariamente para ter acesso a pequenas quantidades de alimentos. Diante disso, esclarece a OMS, pelo menos 500 palestinos foram assassinados enquanto tentavam obter alimentos em pontos de distribuição de ajuda controlados pelos Estados Unidos e Israel.
Como está comprovado, a maioria das vítimas foram baleadas ou bombardeadas enquanto tentava chegar aos pontos de distribuição, deliberadamente estabelecidos em zonas militarizadas.
“Não queremos estar lá fora. Mas que escolha temos? Nossos filhos choram por comida. Não dormimos à noite. Caminhamos, esperamos e torcemos para voltar”, relatou um palestino ao Programa Mundial de Alimentos (PMA).
O pesquisador Yaakov Garb, da Universidade Ben-Gurion, alertou que “não é tranquilizador o fato de quatro dos cinco complexos estarem ao sul do corredor Morag – repetidamente indicado por autoridades israelenses como o destino pretendido para a concentração de palestinos que serão deslocados do restante de Gaza em uma intensificação iminente dos ataques militares não é tranquilizador”.
Na avaliação do pesquisador israelense, o fato é que “pouca ou nenhuma medida foi tomada para proteger a dignidade e a segurança dos civis que buscavam ajuda”. “Os locais careciam de instalações básicas, como sombra, água, banheiros, postos de primeiros socorros ou acesso exclusivo para grupos vulneráveis. Normalmente, havia apenas um ponto de entrada e saída, não havia controle de multidões e cenas de caos eram comuns”, revelou.
Yaakov Garb condenou a própria “arquitetura” dessas estruturas de distribuição ter sido projetada de forma a criar o risco de repetidos surtos de desordem, condições que foram usadas para justificar a violência contra civis. No geral, denunciou, “esses complexos parecem refletir uma lógica de controle, não de assistência, e seria um equívoco chamá-los de centros de distribuição de ajuda humanitária”. “Eles não aderem aos princípios humanitários, e grande parte de seu projeto e operação é guiada por outros objetivos, que minam seu propósito declarado”, conclui seu estudo.
TIROS E BOMBAS PARA AGRAVAR A FOME NA “ZONA RESTRITA”
O eco da fome é reverberado, e não o único que resta é correr em busca de alimento, reforça o coordenador da organização Médicos Sem Fronteiras, denunciando a armadilha nazi-israelense. “Se as pessoas chegam muito cedo e se aproximam dos postos de controle, atiram nelas. Se chegam sem horário, mas há muita gente e elas pulam os montes de terra e as cercas, atiram nelas. E se chegam tarde, não deveriam estar lá porque é uma ‘zona restrita’ – e atiram nelas”, alertou.
Enquanto isso, após quase 80 dias de bloqueio total de ajuda humanitária e outros suprimentos até 24 de junho, a maioria dos comboios de alimentos da ONU foi descarregada por pessoas desesperadas ao longo do caminho ou saqueada por delinquentes armados.
A escassez de combustível é urgente, afetando a coleta de cargas nas travessias de fronteira e a capacidade das cozinhas comunitárias, que diminuiu 76% nos últimos dois meses, reduzindo a distribuição diária de refeições em quase 83%.
Embora a OMS tenha entregue recentemente uma remessa limitada de suprimentos médicos, retomando as entregas pela primeira vez desde 2 de março, a organização reiterou que esses suprimentos são “apenas uma gota no oceano”.
Diante desta crise devastadora, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) enfatizou a urgência de aumentar massivamente o fornecimento de alimentos e outros itens humanitários e comerciais essenciais, bem como facilitar sua distribuição segura por toda a Faixa de Gaza, a fim de evitar um novo colapso da saúde pública e estabilizar a situação.