
Tentando achar uma saída do escândalo em que está metida com o 737 Max, a Boeing tornou públicas centenas de mensagens internas que expressam a percepção de seus funcionários sobre o desastre em andamento. “Projetado por palhaços que, por sua vez, são supervisionados por macacos”, resumia um e-mail, sobre a pífia engenharia do projeto e a regulação meia-sola da FAA, a autoridade de aviação civil norte-americana.
Em uma troca de mensagens instantâneas em fevereiro de 2018 – com o avião já em operação comercial e oito meses antes do primeiro dos dois acidentes fatais -, um funcionário da Boeing indaga a outro: “você colocaria sua família em uma aeronave treinada no simulador Max? Eu Não”.
A resposta, sucinta, do outro funcionário: “não”.
O Departamento de Controle de Danos e Maquiagem da Boeing, após a divulgação dos desabafos de seus funcionários, na maior cara de pau disse que essas mensagens “não refletem a empresa que somos e precisamos ser, e são completamente inaceitáveis”.
Já a FAA admitiu que “o tom e o conteúdo de algumas das palavras contidas nos documentos são decepcionantes”, mas achou que, quanto às preocupações com segurança, nada trazem de novo.
Na sexta-feira, a Boeing foi multada em US$ 5,4 milhões pelas autoridades norte-americanas pela divulgação de informações deturpadas sobre os 737. Em dezembro, a gigante aeroespacial já havia sido multada em US$ 3,9 milhões pela FAA, pelos mesmos problemas registrados nas asas dos aviões 737. O órgão regulador acusa a empresa de não ter supervisionado as peças de maneira adequada.
“CULTURA AGRESSIVA”
Verdadeiro frankenstein voador, o 737 Max está proibido de voar no mundo inteiro, depois que duas aeronaves em cinco meses mergulharam de nariz minutos após a decolagem, apesar dos esforços desesperados dos pilotos, matando todos a bordo, 346 passageiros e tripulantes.
Várias mensagens revelaram as manobras da direção da Boeing para manter a ficção de que não era preciso treinamento adicional em simulador para pilotar o novo 737 Max. O subterfúgio só foi encerrado nesta semana, com a Boeing dizendo que passaria a recomendar aos pilotos treinamento em simulador.
Segundo a Reuters, a divulgação das mensagens revela “uma cultura agressiva de corte de custos e desrespeito à FAA” e deve “aprofundar a crise na Boeing”.
As novas mensagens atestam “como seus próprios funcionários estavam, soando alarmes internamente”, afirmou o presidente do Comitê de Transporte da Câmara dos deputados, Peter DeFazio. Os documentos mais recentes “levantam questões sobre a eficácia da supervisão do processo de certificação pela FAA” (os “macacos” do irônico e-mail), acrescentou o senador Roger Wicker, cujo comitê de comércio encabeça a investigação do Senado.
Agora a Boeing afirma estar “confiante” de que todos os simuladores Max estão “funcionando efetivamente” após repetidos testes.
SIMULADOR? “NÃO PRECISA”.
Mas o que não falta são e-mails que comprovam que a Boeing, antes, fez todo o possível para evitar que os órgãos reguladores obrigassem as companhias aéreas a treinar os pilotos em simulador sobre as diferença entre o 737 Max e o 737 NG, o antecessor.
“A Boeing não permitirá que isso aconteça”, afirmou de forma arrogante em e-mail a órgãos reguladores o então piloto-chefe de testes do 737 Max. “Não haverá nenhum tipo de treinamento em simulador necessário para fazer a transição” de um modelo para outro, asseverava. Acrescentou ainda: “[a Boeing] vai ficar cara a cara com qualquer regulador que tentar fazer disso uma exigência”.
Foi assim que todo o treinamento de piloto sobre as diferenças consistia em uma aula de uma hora em um iPad e pouco tempo no simulador, segundo denúncia do sindicato dos pilotos da American Airlines.
A Boeing também escondeu dos pilotos e das companhias aéreas a introdução do dispositivo anti-estolagem [o que quando dava defeito fazia o avião mergulhar de bico e dependia de só um sensor], e o alarme era vendido como “opcional”.
Sobre o que ocorria na gigante aeronáutica na corrida desenfreada por mais lucros e mais alta nas ações, é emblemática a mensagem de maio de 2018 de um funcionário da Boeing não identificado: “eu ainda não fui perdoado por Deus pelo encobrimento que fiz no ano passado”.
Em tempo: após empurrar a Boeing para o escândalo e a crise, e 346 pessoas para a morte a bordo do 737 Max remendado com cuspe, o executivo Dennis Muilenburg foi demitido pouco antes do Natal, mas levou como consolação US$ 80 milhões de dólares. No mês passado, a Boeing suspendeu a produção do modelo, após 400 aviões se apinharem nos pátios da fábrica. Nos últimos dez meses, a corporação aeronáutica perdeu 25% do seu valor na bolsa de Wall Street, e a sangria continua.
A.P.