A Boeing anunciou que vai cortar em quase 20% a produção do seu Boeing 737 Max, avião que está sendo mantido no solo no mundo inteiro após dois acidentes envolvendo erro de projeto, que matou 346 pessoas em cinco meses. A montagem será reduzida de 52 para 42 ao mês – quando o plano inicial era aumentar para 57.
O cancelamento de encomendas do 737 Max já começou: a empresa de aviação indonésia Garuda – país em que o primeiro Boeing desse modelo se esborrachou -, cancelou a compra de 49 aviões, dizendo que os passageiros “tinham perdido a confiança” no avião. Uma encomenda de US$ 6 bilhões.
Uma subsidiária da estatal chinesa Everbright Group suspendeu a entrega de 100 aeronaves 737 Max, embora decisão final sobre o contrato ainda não haja sido tomada. Ainda mais, em meio às delicadas negociações entre Washington e Pequim sobre a guerra comercial.
Os aviões sinistrados eram novinhos em folha. A Boeing confirmou que, desde o acidente na Etiópia, não há nenhuma nova encomenda. Os modelos vinham se amontoando no estacionamento da fábrica em Renton, no estado de Washington.
No domingo, a maior empresa aérea norte-americana, a American Airlines, anunciou que estava estendendo até 5 de junho a suspensão em vigor dos vôos com o 737 Max.
A Boeing considerava o 737 Max seu passaporte para o futuro. Era a aeronave que mais rápido estava se vendendo no segmento de curto e médio alcance da aviação civil, que corresponde à maior parte da demanda mundial.
O modelo representa a terça parte dos US$ 101 bilhões de receita que o conglomerado aeroespacial faturou em 2018.
O setor de aviões de passageiros gera 60% das receitas da Boeing, sendo que a metade é devida ao 737, cujo valor unitário é de US$ 120 milhões. A carteira de encomendas do modelo chega a 5 mil unidades e ocupa a capacidade de produção nos próximos anos.
O que levou as autoridades da aviação aérea a ordenar que os 737 Max pousassem imediatamente foi a percepção de que nos dois acidentes, o na Indonésia e o na Etiópia, em que não houve sobreviventes, os pilotos lutaram contra um sistema automatizado de estabilização que, apesar de seus esforços desesperados, insistia em redirecionar o bico da aeronave para baixo, com base em sensores defeituosos ou interpretados erroneamente.
Sistema cuja existência sequer havia sido informada aos pilotos. Para facilitar a venda do novo modelo, a Boeing cometeu a propaganda enganosa de que não havia necessidade de retreinamento dos pilotos, por se tratar de desenvolvimento do 737, já “conhecido de todos”. Sequer um manual de verdade foi providenciado, e o simulador só ficou pronto depois que o avião já estava no ar.
Como essas coisas aconteceram talvez possa ser retroativamente detectado no discurso de 27 de abril de 2017 do diretor-executivo da Boeing, Dennis Muilenberg, em videoconferência para Wall Street, em que este elogiou a rapidez com que a empresa colocou o 737 Max no mercado e também o processo simplificado de certificação da FAA, a agência federal dos EUA de aviação civil.
Apesar de Trump estar no posto de presidente só há um ano e quatro meses, Muilemberg atribuiu – talvez de forma injusta com Obama – todo esse sucesso à filosofia do novo governo, pró-negócios.
Agora, já se sabe que a ligeireza se devia a que a FAA deixava para a Boeing a fiscalização do que a própria Boeing projetava e fabricava.
Um analista considerou “uma coisa nunca vista” a rebelião de outras agências estatais de fiscalização da aviação em março – iniciativa que começou com a China e se propagou como um rastilho – proibindo a entrada do Boeing 737 Max em seus espaços aéreos poucas horas depois de a FAA asseverar que o modelo “era seguro”.
O simples fato de o secretário em exercício do Pentágono, Patrick Shanahan, ser um ex-executivo da Boeing, por si só mostra que não se trata de um monopólio qualquer, mas de um dos mais importantes para Washington e no complexo industrial-militar.
O que faz da atual crise da Boeing a maior em um século de história da empresa: foi atingida a própria reputação. O que já saíra um pouco chamuscada no episódio das baterias que pegavam fogo do novo 787 Dreamliner. Especialistas têm advertido sobre o envelhecimento da equipe de engenharia da Boeing.
Desde o início do escândalo do software que joga o avião ao chão, ignorando as tentativas dos pilotos de controlar a situação, a Boeing já perdeu US$ 27 bilhões em valor na Bolsa. As ações da Boeing são o componente de mais peso do índice de especulação Dow Jones de Wall Street. Valor inflado dois anos antes em 40%, em grande parte com base na crença do sucesso que esperava o 737 Max. Também os fornecedores da Boeing com ações na bolsa foram arrastados no vermelho.
A.P.