“[…] vejo que se pode estar diante de fatos que podem comprovar que a definição da taxa básica de juros do país em níveis estratosféricos não possui o efeito de controlar a inflação, conforme alega o Bacen, mas sim o de quebrar o país, enriquecendo alguns aplicadores do mercado”, segundo documento do MP que pede apuração
O subprocurador-geral do Ministério Público, Lucas Furtado, quer que o Tribunal de Contas da União (TCU) apure a possível manipulação nos indicadores do Boletim Focus do Banco Central (BC), por parte de bancos e instituições financeiras.
Na representação, protocolada no TCU na sexta-feira (14), Furtado afirma estar muito preocupado com “o fato de tal relatório estar divulgando tais projeções do mercado fazendo uso de dados de entidades privadas e de grandes instituições financeiras”, diz trecho do documento
O Boletim Focus traz as expectativas do mercado sobre a taxa básica de juros da economia (Selic), inflação, câmbio e Produto Interno Bruto (PIB). Para isto, o BC consulta mais de 100 instituições financeiras.
Nesta terça-feira (18), tem início a reunião do Comitê de Política Monetária que vai definir a taxa básica de juros da economia (Selic) e, segundo as “expectativas” e “previsões” de analistas do mercado financeiro, com aval do presidente do BC, Campos Neto, o Copom vai manter o juro na lua, com a redução da taxa básica a conta-gotas e a Selic em 10,50% a.a. até o fim de 2024.
O subprocurador-geral do Ministério Público considera um possível “risco moral” por parte dos efeitos do Focus nas previsões, que deveriam ser elaboradas pela autoridade monetária.
“Ora, se a taxa de juros básica que conduzirá relações financeiras no país é definida levando em consideração previsões dos próprios agentes que irão reger tais relações, vejo que se pode estar diante de uma gama de possibilidades de manipulação de índices por essas instituições”, diz outro trecho do documento.
Há um “constante aumento dos indícios de que pode estar havendo manipulação de índices macroeconômicos por parte de grandes bancos e instituições financeiras, sobretudo por meio do denominado Boletim Focus e do seu efeito nas decisões tomadas pelo Copom”, escreveu o procurador.
“Ademais, vejo que se pode estar diante de fatos que podem comprovar que a definição da taxa básica de juros do país em níveis estratosféricos não possui o efeito de controlar a inflação, conforme alega o Bacen [Banco Central], mas sim o de quebrar o país, enriquecendo alguns aplicadores do mercado”, criticou.
Furtado também quer que o tribunal passe a vigiar a atuação dos membros do Copom, após o fim de seus mandatos, “de modo a evitar possíveis danos à política monetária e o enriquecimento desses agentes em decorrência do exercício de suas funções públicas” no BC. Hoje, o TCU acompanha a atuação dos ex-diretores do BC apenas durante o período de quarentena.
A representação tem como base denúncias feitas pelo portal ICL Notícias, apresentado pelo economista Eduardo Moreira, “ICL protocola no Banco Central pedido de informações sobre Relatório Focus”, que trata sobre a suposta manipulação do Focus.
No dia 24 de maio deste ano, Eduardo Moreira abordou uma reportagem feita pelo Metrópoles, intitulada “Piorou geral: Focus detona projeção para Selic, inflação, dólar e PIB”, como exemplo da manipulação sobre a Selic.
A reportagem afirma que “os cerca de 150 analistas consultados semanalmente em pesquisa realizada pelo BC pioraram as projeções para os principais indicadores econômicos do país”. No entanto, segundo Eduardo, não foram 150 analistas, mas algumas instituições financeiras, que fizeram o cenário geral piorar.
“Olha o escândalo: algum ou alguns bancos pegaram e meteram 8% de inflação só para puxar a média para cima e fazer confusão no mercado”, denunciou Eduardo Moreira.
“Analista de banco nunca muda tanto, normalmente vai de 3% para 3,1%, para 3,2%. De 4% para 3,8%”, explicou o economista, que seguiu. “Mudanças de uma semana para outra costumam ser pequenas. O que fizeram agora para manipular a opinião pública, aparentemente em combinação com os veículos de imprensa, para gerar a notícia que os meios de comunicação usariam? Como é anônimo, colocaram uma expectativa de 8%”, afirmou Eduardo Moreira.
A elevação da média das projeções serviu para enfraquecer o governo Lula, segundo avaliação do economista.
“O Broadcast faz uma pesquisa parecida com a Focus e pede para os bancos darem os nomes. Nessa versão, a expectativa de inflação para 2026 está em torno de 3% e não passa de 4,03%. No boletim Focus, botaram o 8% para poder manipular as notícias e queimar o filme do governo na economia. E forçar o BC a tomar decisão em cima de uma mentira, em cima de um respondente, que é anônimo”, denunciou.
O portal ICL Notícias afirma que já encaminhou os devidos questionamentos ao Banco Central, via Lei de Acesso à Informação (LAI), sobre a suspeita de manipulação do Relatório Focus.