No último dia seis (06/09), no encontro da Lide, um grupo de empresários, João Doria disse que “Jair Bolsonaro está no segundo turno das eleições”. O encontro foi no Hotel Grand Mercure, em São Paulo, e o vídeo do discurso de Doria, gravado em celular por um dos presentes, foi publicado algumas horas depois do encontro.
A data é importante: no dia seis havia, ainda, um mês e um dia até as eleições.
Doria, que é candidato a governador de São Paulo pelo PSDB, enterrava por antecipação a candidatura de seu partido a presidente da República – isto é, a candidatura de Geraldo Alckmin.
Pois Alckmin, para ter alguma chance de chegar ao segundo turno, depende da votação do Estado de São Paulo. Contudo, o candidato a governador de seu próprio partido está fazendo campanha para Bolsonaro, em uma escandalosa punhalada pelas costas.
Isso explica – pelo menos em parte – porque 45% dos eleitores que preferem Doria nas pesquisas estão com Bolsonaro e somente 19% deles estão com Alckmin.
Apesar dos problemas enfrentados por Alckmin na campanha eleitoral, Doria nada fez para ajudá-lo, no próprio Estado de ambos, que tem o maior eleitorado do país (nada menos que 22,43% dos eleitores do Brasil estão em São Paulo).
Ou, colocando a questão em outros termos, Doria nada fez para ser leal ao candidato de seu partido – e a alguém a quem deve toda a sua carreira política.
Pelo contrário, tudo fez para afundá-lo. A declaração do Hotel Grand Mercure é apenas um exemplo mais explícito.
Foi com a permissão – senão estímulo – de Doria, que seções do PSDB paulista passaram abertamente a apoiar Bolsonaro, tirando votos de Alckmin (por exemplo, a região em torno do município de Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo; mas é de justiça frisar que não se trata de caso único).
Há dois anos e meio, João Doria, do ponto de vista político, era um zero à esquerda. Seu negócio era alugar horários na TV, promover encontros de endinheirados em Comandatuba, paraíso visual baiano – e puxar o saco de grã-finos.
Tudo era uma farsa – inclusive as revistas que publicava – apesar dos ganhos que obtinha, que não eram poucos, embora aparentemente inexplicáveis.
Um dia, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, resolveu lançá-lo a prefeito de São Paulo. Não analisaremos aqui os motivos de Alckmin para essa ideia que, ao lado de uma série de escândalos estaduais e federais – o caso Aécio, por exemplo – tornou a sua atual candidatura bastante frágil, apesar dos 40% de tempo do horário eleitoral.
Basta dizer, quanto a Doria, que para tê-lo como candidato do PSDB à Prefeitura da maior cidade do país, Alckmin foi contra a cúpula do PSDB – inclusive Fernando Henrique e Serra, além de outros (por exemplo, disse Alberto Goldman, ex-presidente nacional do PSDB: “Doria é um sujeito com ambições sem limites e conduta reprovável. Um cidadão sem escrúpulo. Quem conhece João Doria não vota nele. Para o Doria não importa se é amigo, não é amigo. Importa o interesse dele”; e nem podemos publicar as considerações de Aloysio Nunes, senador pelo PSDB, agora ministro das Relações Exteriores).
O que Alckmin fez por Doria, portanto, não foi pouca coisa. Sem Alckmin, Doria estaria até hoje puxando o saco de grã-finos na TV – ou em Comandatuba.
Devido ao apoio de Alckmin – e somente ao apoio de Alckmin – Doria foi candidato. Ele não tinha apoio algum no PSDB, exceto aquele que foi aportado pelo então governador. E devido ao repúdio da população pelo PT, Doria acabou por vencer Haddad, na eleição de 2016, para prefeito de São Paulo.
Não é necessário comentar sua administração em São Paulo, além daquilo que disse Alberto Goldman: “Uma caminhada de algumas horas pela cidade de São Paulo é suficiente para ver a diferença entre a realidade e a propaganda de João Doria. Buracos, sujeira, lixo, calçadas em mau estado são o legado de quem dizia governar a cidade à distância”.
Realmente, o mais difícil era encontrar Doria em São Paulo.
Mas seu principal defeito não é a incompetência ou o horror ao trabalho.
Muito pior é o mau caráter – a traição como sistema (?) de subir na vida.
Por exemplo, diz que Alckmin é o seu candidato, ao mesmo tempo que seu esquema, formado pela compra de pequenos próceres do PSDB, faz campanha para Bolsonaro – e ele próprio diz, mais de um mês antes da eleição, que “Bolsonaro está no segundo turno das eleições”.
Perguntado sobre essa declaração, Doria nem piscou: “Bolsonaro vai estar no segundo turno com Geraldo Alckmin”.
Como todo traíra, Doria é um cínico.
C.L.