
Ela usava credenciais adulteradas para se apresentar como autoridade. Afirmava ser “guardiã da democracia”. Chegou a pedir “SOS às Forças Armadas” para “livrar o Brasil do comunismo”
Uma mulher que se apresentava como “desembargadora”, “juíza”, “promotora”, “advogada” e até “chefe da Interpol” foi presa em Mossoró (RN) na última quarta-feira (20). Estas informações são do portal Metrópoles.
Trata-se de Célia Soares de Brito, de 46 anos, que utilizava documentos adulterados ou falsos e chegou a se autoproclamar “guardiã da democracia”.
O episódio expôs mais um desdobramento do universo bolsonarista, com personagens e narrativas cada vez mais delirantes, em todo o Brasil.
Segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal), a prisão ocorreu depois que motorista de aplicativo desconfiou da história contada por Célia e decidiu levá-la a um posto policial. Ela estaria na cidade potiguar para tomar posse em suposto cargo na prefeitura, mas carregava bagagens incompatíveis e apresentava versões desencontradas.
“DESEMBARGADORA”
No local, a bolsonarista exibiu “certificado de posse” como desembargadora e carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que acabou levantando suspeitas imediatas: não havia chip de segurança, nome dos pais não coincidia com o da RG e o número de registro, após consulta, pertencia a advogado do Paraná.
A Polícia Civil confirmou o uso de documento falso, apreendeu o celular dela e a conduziu à delegacia. No carro, estavam também a mãe e filha dela, ambas liberadas após depoimento.
Célia passou por audiência de custódia no dia seguinte e obteve liberdade provisória mediante o pagamento de fiança de 2 salários mínimos.
REPRESENTANTE DO “POVO BRASILEIRO”
A trajetória da falsa advogada não começou em Mossoró. Em dezembro de 2022, logo após o resultado das eleições presidenciais, ela integrou o acampamento bolsonarista montado em frente ao Tiro de Guerra de Juazeiro do Norte (CE).
Fantasiada de verde e amarelo e empunhando a bandeira nacional, Célia gravava vídeos para o YouTube em que se apresentava como representante do “povo brasileiro”.
“Dra. Célia Soares. Estou aqui representando meu povo brasileiro. Lutei pela minha cidade e hoje estou lutando pelo meu País”, declarou em vídeo publicado, em 3 de dezembro de 2022. Em meio às tendas, faixas pediam “SOS Exército Brasileiro” e clamavam para que o País fosse “livre do comunismo”.
PROTESTOS GOLPISTAS
Assim como em diversas cidades, o acampamento de Juazeiro do Norte reproduzia a lógica dos protestos golpistas que se espalharam pelo País após a vitória de Lula (PT).
Durante 59 dias, os golpistas permaneceram diante do quartel, chegando até a organizar churrascos no local. O grupo só se dispersou em 31 de dezembro de 2022.
O ápice da mobilização ocorreu dia 8 de janeiro de 2023, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, instigados pelo seu guru.
CONSEQUÊNCIAS DO 8 DE JANEIRO
A tentativa de golpe de Estado deixou marcas profundas. Vidraças quebradas, obras de arte vandalizadas, móveis destruídos e gabinetes devastados simbolizaram o ataque ao patrimônio público e à democracia.
O prejuízo material é avaliado em R$ 30 milhões, a ser pago solidariamente pelos condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Até 12 de agosto deste ano, o Supremo contabilizava 1.628 ações penais abertas contra envolvidos. 141 pessoas permaneciam presas, enquanto 44 estavam em regime domiciliar. No total, 638 condenações já haviam sido proferidas — 279 por crimes graves e 359 por infrações menores.
Além disso, 552 acordos de não persecução penal foram firmados, o que resultou em quase R$ 3 milhões em indenizações e medidas reparatórias.
QUEM É CÉLIA SOARES
Em 2020, Célia Soares de Brito chegou a disputar vaga na Câmara Municipal de Juazeiro do Norte pelo Partido Verde. Obteve apenas 19 votos.
Na época, declarou à Justiça Eleitoral que era empresária e tinha ensino superior incompleto.
Reapareceu, 3 anos depois, nos acampamentos bolsonaristas e, agora, envolvida em episódio de falsificação, que mistura delírio de grandeza e oportunismo político.
A “guardiã da democracia”, como ela própria se intitulava, acabou flagrada justamente por atentar novamente contra a lei.