Artistas, técnicos e produtores de cinema foram agredidos por bolsonaristas na última noite da 47ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Entre os dias 16 e 24 de agosto, semana de realização de um dos mais importantes festivais de cinema do país, foram realizadas diversas manifestações de artistas que estão preocupados com o cinema brasileiro. Os profissionais do audiovisual denunciam que o setor vem enfrentando cortes de verbas, desmanche da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e censura de produções, que estão sendo julgadas como impróprias pelo governo Bolsonaro.
Os ataques ocorreram antes da cerimônia de premiação do evento no sábado (24), por volta da 20h30min, quando as categorias realizavam um ato de protesto em defesa do cinema e contra a censura.
Os artistas protestavam pacificamente com cartazes e faixas, com dizeres “pelo cinema” e “contra a censura”, e enunciavam em alto tom a palavras de ordem “pelo cinema, pela cultura, por uma arte livre e sem censura”.
A manifestação foi alvo de aplausos de parte dos espectadores, muitos destes moradores de Gramado – cidade que há quase 50 anos é destino de diversos artistas e cineastas de correntes ideológicas diversas, que buscam celebrar e premiar obras do cinema brasileiro. Entretanto, a categoria foi alvo de vais de algumas pessoas, que freqüentavam os bares e cafés caríssimos que existem no espaço do tapete vermelho, na Rua Coberta de Gramado, que atiraram contra os manifestantes restos de comida e gelos em baldes.
Segundo Emiliano Cunha, que foi três vezes premiado no festival pelo filme Raia 4, os agressores não respeitaram nem pais com filhos de colo.
“Estou tremendo aqui não pela emoção de receber um kikito, mas porque agora há pouco eu estava passando com minha filha de dois anos no colo e um cara nos jogou pedras de gelo. Quando eu me virei para ele mostrando que eu estava com minha filha, ele voltou a jogar. Só quando eu apontei a câmera aí ele se escondeu, como costumam fazer os covardes que realizam esse tipo de agressão, relatou Cunha no palco do festival.
O diretor de filmes e professor de cinema da PUC/RS, Carlos Gerbase, que há 47 anos prestigia o festival, criticou a ação dos bárbaros, destacando que estes, provavelmente seriam turistas, em sua maioria.
“… Não foi um bêbado isolado. Foram muitas pessoas covardes, demonstrando sua incapacidade de debater sobre a cultura de nosso País. Nesse momento, contudo, acho importante não confundir algumas dezenas de pessoas – que pouco ligam para o cinema brasileiro, mas estão interessadíssimas em drinques coloridos – com a maioria da população de Gramado, cidade que abriga o Festival há 47 anos. É injusto dizer que Gramado e os gramadenses não curtem cinema e arte. Vou no Festival desde 1978 e nunca tinha visto nada parecido. De modo geral, os gramadenses, mesmo os que têm uma relação distante com os filmes, sabem a importância do Festival para a comunidade e demonstram carinho com os participantes do evento”, declarou Gerbase, em sua rede social.
Na noite quinta-feira (22), o ator e diretor Miguel Falabella subiu ao palco do Palácio dos Festivais para ler a Carta de Gramado – manifesto assinado por 63 entidades, que declaram em apoio à manutenção e ao fortalecimento das políticas públicas para o desenvolvimento do setor.
As entidades declaram na carta aberta que repudiam “qualquer ataque a qualquer tipo de censura que atenta à liberdade de expressão e fere os preceitos constitucionais garantidos pelo Art. 5º da Constituição”.
Os artistas concluem o documento afirmando que o audiovisual brasileiro vive o seu melhor momento, com reconhecimento dentro e fora do país.
“A nossa cadeia produtiva é dinâmica e movimenta mais de 25 bilhões de reais por ano, representando 0,46% do PIB brasileiro, tem uma taxa de crescimento de 8,8% ao ano e é responsável por mais de 330 mil empregos. O audiovisual fortalecido e livre é fundamental para a soberania nacional”.
A íntegra do documento segue abaixo:
Profissionais e entidades representativas do Audiovisual Brasileiro vêm se manifestar em apoio à manutenção e ao fortalecimento das políticas públicas para o desenvolvimento do setor.
Apoiamos a permanência e independência da Ancine, agência responsável pelas políticas públicas de fomento e regulamentação, cada vez mais ativa, livre e desburocratizada, com foco no desenvolvimento de uma cinematografia forte, capaz de representar o Brasil em toda a sua diversidade.
Apoiamos o Fundo Setorial do Audiovisual, a sua vinculação à Ancine e a nomeação do Comitê Gestor. Seus recursos são gerados pelo próprio setor de forma autossustentável.
Apoiamos a Lei da TV Paga (12.485), pelo seu papel decisivo no crescimento do setor e por facilitar o acesso da população ao conteúdo nacional independente.
Reivindicamos a renovação da Cota de Tela cujo decreto para o ano de 2019 ainda não foi assinado pelo governo brasileiro.
Reivindicamos a renovação do RECINE e da Lei do Audiovisual, antes da sua expiração em dezembro deste ano.
Apoiamos a regulação do VOD, que precisa estabelecer as bases deste novo mercado e integrar este segmento às políticas de estímulo à produção nacional.
Contestamos a Portaria 1.576, de 20 de agosto, que suspende os termos do Edital de Chamamento das TVs Públicas publicada ontem (21 de agosto).
Repudiamos qualquer ataque a qualquer tipo de censura que atenta à liberdade de expressão e fere os preceitos constitucionais garantidos pelo Art. 5º da Constituição.
O audiovisual brasileiro vive o seu melhor momento, com reconhecimento dentro e fora do país. A nossa cadeia produtiva é dinâmica e movimenta mais de 25 bilhões de reais por ano, representando 0,46% do PIB brasileiro, tem uma taxa de crescimento de 8,8% ao ano e é responsável por mais de 330 mil empregos.
Garantir o audiovisual fortalecido e livre é fundamental para a soberania nacional.
Gramado, 22 de agosto de 2019.