A Campanha da Fraternidade de 2023, lançada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na quarta-feira (22), começou sob ataques de grupos bolsonaristas.
Liderada por influenciadores bolsonaristas, a cruzada da extrema-direita nas redes sociais busca relacionar a campanha – que tem como intuito combater a fome – como uma “conspiração comunista”.
Tradição católica desde a década de 1960, a campanha é promovida anualmente no período da quaresma, começando na Quarta-feira de Cinzas e terminando no Domingo de Ramos.
Segundo o site Metrópoles, a abordagem crítica dos extremistas à Campanha da Fraternidade e à própria CNBB não é novidade, mas, neste ano – com o início do terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas últimas eleições, os ataques estão mais intensos.
Uma reportagem publicada na plataforma aponta que cristãos de extrema-direita veem na ação uma espécie de crítica oculta ao governo Bolsonaro e convocam outros fiéis a não se envolver nem doar para a campanha.
O texto assinado por Raphael Veleda informa que os bolsonaristas “acusam os bispos da CNBB de distorcer citações bíblicas e manipular a comunidade católica para atacar ideais caros à direita e promover ideias de esquerda, no que seria uma trama para promover a doutrina da Teologia da Libertação, abordagem cristã que enfatiza a defesa dos oprimidos e tem inspiração marxista/comunista”.
O jornalista relata, por exemplo, que o youtuber bolsonarista Bernardo Pires Küster, investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news e que tem quase um milhão de inscritos em seu canal, está fazendo uma série de vídeos contra a campanha da CNBB.
Os vídeos, gravados em um cenário que tem ao fundo um quadro do guru extremista Olavo de Carvalho, morto em 2022, acusam a CNBB de veicular conteúdo “revolucionário” e usar dados falsos sobre o tamanho do drama da fome no Brasil.
“Apesar de admitir, em certo momento, que ‘toda pessoa [com fome] é importante”, ele questiona pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) que apontou que o número de brasileiros que não têm o que comer passou de 19,1 milhões no fim de 2020 para 33,1 milhões em 2022. Ignorando a volta do país ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas, Küster escolhe em que dados acreditar e prefere citar uma projeção do Banco Mundial, que indicou uma suposta redução da extrema pobreza no Brasil em 2022, observa o Metrópoles.
Bernardo Küster também ataca a Campanha da Fraternidade da CNBB pela menção, nos textos de apresentação e apoio à ação, dos atos de distribuição de comida aos mais necessitados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ao longo da pandemia e de uma frase do sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, que foi referência no combate à fome no Brasil e defendia que quem não tem o que comer “tem pressa” e precisa ser ajudado imediatamente.
Ainda segundo o site, nos vídeos publicados pelo youtuber há a conclusão de que o objetivo da CNBB com sua Campanha da Fraternidade é criticar políticas do governo de Bolsonaro e promover uma visão esquerdista de mundo, defendendo projetos do governo Lula.
É a terceira vez que a fome é tema da campanha promovida pela Igreja Católica desde 1964. A escolha, realizada via consulta pública entre os católicos, foi feita depois de, após uma década, o Brasil ter voltado a aparecer no Mapa da Fome divulgado pela ONU.
Segundo a CNBB, um dos objetivos deste ano é “propor aos fiéis um caminho de conversão para não ceder à cultura da indiferença frente ao sofrimento humano”.
“Se a fome de uma única pessoa já nos deve incomodar, como nos tornarmos indiferentes diante da fome de inúmeros irmãos e irmãs?”, questionou o secretário-geral da CNBB, Dom Joel Portella Amado, no lançamento da campanha deste ano.
BOLSONARO NEGOU FOME NO BRASIL
Em agosto do ano passado, durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PL), então candidato à reeleição, disse que não existe “fome pra valer” no Brasil, em entrevista ao Ironberg Podcast, comandado pelo fisiculturista Renato Cariani.
Antes, em entrevista ao programa “Pânico”, ele negou haver fome no país ao dizer que inexistiam pessoas “pedindo pão no caixa da padaria”.
“Fome no Brasil, fome para valer, não existe como é falado. O que é extrema pobreza? É você ganhar até US$ 1,9 dólar por dia, isso dá R$ 10. O auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Então, porventura, quem porventura está no mapa da fome pode se cadastrar [no programa]”, declarou.