
Após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, episódios de vandalismo e violência por parte dos seus apoiadores que não aceitam o resultado das eleições, se espalharam pelo país. Entre os atos antidemocráticos e golpistas, houve bloqueio de estradas, enfrentamento da polícia a tiros, concentração em frentes a quartéis do Exército, intimidações e ameaças, entre outros.
Em Casca, pequena cidade do Rio Grande do Sul, de 9 mil habitantes, um grupo de eleitores do presidente adotou táticas semelhantes às usadas pelo regime nazista para perseguir comerciantes petistas.
Inconformados com a derrota de Bolsonaro, que perdeu a eleição para Lula (PT), bolsonaristas espalharam mensagens nas redes sociais e em grupos de WhatsApp pedindo a comerciantes locais que colocassem adesivos com a estrela vermelha do PT na frente de seus estabelecimentos.
A prática é parecida com a dos nazistas alemães, que obrigaram comerciantes judeus a colocar a estrela de Davi em suas lojas na década de 1930.
Uma lista que circula em redes sociais pedia o boicote a 20 comércios identificados como sendo de petistas. No segundo turno, 72,3% dos eleitores (4.557) de Casca votaram em Bolsonaro, contra 27,7% (1.748) de Lula.
“Estariam circulando em redes sociais com nomes de comerciantes e pessoas que teriam votado no Lula”, diz em nota o Ministério Público, mas o texto não faz menção ao pedido de incluir a estrela vermelha.
LINGUAGEM NAZISTA
“O boicote aos comércios e a ideia de marcar as pessoas que votaram no PT é a reprodução da linguagem nazista, que é típica do bolsonarismo”, diz Michel Gherman, coordenador do núcleo de estudos judaicos do departamento de sociologia da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Gherman, a relação entre nazismo e bolsonarismo não é uma novidade, mas ele identifica uma escalada nos episódios. “O bolsonarismo é letrado politicamente pelo nazismo. Mas os episódios estão cada vez mais explícitos. Assim como os nazistas isolaram os judeus, os bolsonaristas agora querem isolar os petistas”, compara.
No começo da década de 1930, quando o regime nazista se ergueu na Alemanha, foram elaboradas listas para boicote de comércios de propriedade de judeus. Os nazistas grafitaram vitrines dessas lojas e difundiam avisos pelas cidades, pedindo para que a população não comprasse produtos nesses estabelecimentos.
Mensagens atribuídas a bolsonaristas da cidade gaúcha foram direcionadas aos próprios eleitores do PT, com uma ameaça em tom irônico: “Atenção petistas, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu.”
Por conta das ameaças, mais de 120 comércios fecharam as portas nesta terça-feira (8). A advogada Janaíra Ramos denunciou casos de assédio eleitoral ao Ministério Público. Ela teve o interfone do seu escritório depredado.
As câmeras do circuito interno registraram as imagens de um homem danificando o portão do estabelecimento. No vídeo, um vândalo, que aparenta usar um soco inglês, arma branca de ferro com orifícios para encaixar os dedos, desfere quatro golpes no interfone e deixa o local caminhando.
A defensora está coletando as imagens em uma mídia e deverá registrar ocorrência do caso ainda hoje junto à Polícia Civil pelo crime de dano.
“As pessoas perderam a racionalidade, e as coisas aqui estão fugindo do controle. Estamos tomando as medidas cabíveis para que as agressões parem”, diz a advogada.
Para ela, esses atos de violência partem de uma “minoria extremista”, que não aceita o resultado das urnas. “O bolsonarismo aqui virou uma seita. É um grupo minoritário, que está colocando em risco a própria convivência das pessoas em uma cidade pacata por causa de uma incitação ao ódio criminosa”, analisa.
“Primeiro, eles (bolsonaristas) fazem listas para perseguir pessoas e comerciantes. Depois, organizam uma greve no comércio. Agora, começam a depredar o patrimônio. São recados para intimidar as pessoas?”, questiona. “Os líderes desses movimentos precisam ser identificados e responsabilizados”, defende Ramos.
Outros ataques ocorreram em Casca. Um petista que comemorava a vitória de Lula nas urnas teve o carro depredado por bolsonaristas. Uma mulher parou em frente ao veículo, identificado com bandeiras do PT, e começou a chamá-lo de “bandido e ladrão”, aponta a denúncia. Em seguida, outros vândalos, apoiadores de Bolsonaro, atiraram garrafas na direção do carro, que ficou danificado. A agressão só foi interrompida porque havia policiais militares nas imediações.
Outro ato de vandalismo teve uma mulher como vítima. Ela sofreu ferimentos ao ter uma bandeira do PT arrancada da sua mão. Em seguida, relatou, os agressores atearam fogo no material. “Nenhum petista pôde comemorar a vitória de Lula em Casca”, informou a advogada Janaíra Ramos.