A exibição, na manifestação em apoio a Bolsonaro na Avenida Paulista, da bandeira do grupo neonazista ucraniano “Pravii Sektor” (Setor Direita), surgido do denominado Partido Popular Ucraniano, “constituiu mais um terrível evento na longa esteira de declarações golpistas e inconstitucionais tanto por parte de membros do governo quanto por parte de seus apoiadores”, denuncia o artigo “Bandeira neonazista expõe ação estrangeira na organização de manifestação”, publicado pela Equipe Sputnik Consulting*
Segue a matéria na íntegra:
A organização da manifestação em apoio ao presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo dia 24 de maio exibiu publicamente uma bandeira neonazista. Isso constituiu mais um terrível evento na longa esteira de declarações golpistas e inconstitucionais tanto por parte de membros do governo quanto por parte de seus apoiadores. Trata-se da bandeira do grupo de extrema direita ucraniano Pravii Sektor (Setor Direita) saído do Partido Popular Ucraniano, cujo grupo paramilitar Exército Insurrecional Ucraniano, e diversos grupos associados, tem origens que remontam aos colaboracionistas ucranianos, que se aliaram aos nazistas no extermínio de judeus, poloneses, ciganos, grupos minoritários e opositores políticos.
Durante a invasão nazi-fascista à União Soviética, grupos de fascistas ucranianos juntaram-se ao invasor para realizar o trabalho mais sujo, massacrando civis e servindo como capatazes para os nazistas. Duas das lideranças mais destacadas dentre os colaboracionistas foram Stepan Bandera e Roman Shukhevych, que já eram agentes do III Reich antes da guerra com o objetivo de auxiliar a invasão e ocupação da Ucrânia, e que ordenaram e perpetraram diversos massacres durante a ocupação nazista. Shukhevych foi um dos líderes do Exército Insurrecional Ucraniano, que perpetrou o massacre da Volhynia, e participou pessoalmente do massacre de Khatyn, na Polônia.
Ao que tudo indica, a organização desta passeata está ligada ao acampamento de paramilitares bolsonaristas em Brasília, na praça dos três poderes, e em São Paulo, em frente à Assembléia Legislativa paulista. Sua porta-voz, Sara Winter, pseudônimo adotado por Sara Fernanda Giromini, que ficou famosa nas redes sociais por sua fervorosa militância de extrema direita, empresta o rosto à organização para ocultar os verdadeiros organizadores dos grupos e ações criminosas a que está ligada, que, suspeita-se sejam políticos, empresários e militares aposentados ligados ao governo. Contudo, a orientação suprema destas ações pode estar em organizações estrangeiras.
A bandeira de neonazistas ucranianos e o histórico da porta-voz do grupo convergem em circunstâncias comprometedoras: Antes de se converter a militante neoconservadora antifeminista, ela militava agremiação extremista Femen e como integrante deste grupo foi à Ucrânia e participou de atividades em parceria com os grupos neonazistas que tinham organizado as violentas manifestações na praça da Independência, que culminaram com a destituição do então presidente Viktor Yanukovich.
Os mesmos grupos neonazistas atacaram e incendiaram a Casa dos Sindicatos em Odessa em um massacre que vitimou 116 pessoas, entre mortos pelo incêndio e assassinados pelos atacantes. Dentre esses grupos está o infame batalhão Azov, um destacamento do exército ucraniano abertamente nazista e com ligações estreitas com os referidos grupos políticos de extrema-direita. Infelizmente muitas das críticas e análises dos eventos relacionados a grupos paramilitares e grupos neonazistas no Brasil concentram-se na figura já mencionada de Sarah Winter, cuja alcunha adotada é a mesma alcunha da líder da União Britânica dos Fascistas (a original nasceu com o nome Sarah Domville-Taylor), que claramente serve apenas para tirar o foco daquilo que realmente importa, a origem dos movimentos, a fonte do dinheiro e o centro do comando.
Os eventos que desestabilizaram a Ucrânia, posteriormente denominados Euromaidan, especialmente os protestos na Praça da Independência (Kiev) e em Odessa, o aumento da atividade de grupos neonazistas e a ameaça a russófonos na Criméia e no leste do país – em resposta à qual o parlamento da então República Autônoma da Crimeia votou por sair da Ucrânia e depois solicitou seu reingresso na Federação Russa – têm uma ligação bastante forte, ainda que ocultada com muito esmero, com diversos outros eventos de desestabilização política, conflito social ou conflagração militar em outros países: o Centro para Aplicação de Estratégias e Ações Não-Violentas, cuja sigla em inglês é CANVAS (Centre for Applied Non-Violent Action and Strategies), do ativista profissional Srdja Popovic. Essa instituição surgiu a partir profissionalização do grupo Otpor!, criado pelo mesmo ativista na Sérvia no fim dos anos 1990, e, após a atuação em seu país, cresceu rapidamente a passou a atuar em vários países apresentando-se como instrutora para grupos que buscam mudanças políticas e sociais por meios não-violentos.
Contudo, a atuação direta ou indireta da organização CANVAS e de organizações inspiradas por ela geralmente conduziu os países alvo a conflitos internos, em escala variada, ou externos ou apenas a mudanças para regimes pró-ocidentais ou abertamente pró-EUA, como são exemplos a Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Quirguistão, Irã, Myanmar, Líbia, Síria, Egito, Iraque e Iêmen; todos estes países passaram pelas chamadas revoluções coloridas – aqui é interessante observar que o acrônimo CANVAS significa lona ou tela para pintura, em inglês – ou pela chamada primavera árabe. Entre os casos mais emblemáticos está o da Ucrânia, onde as tensões provocadas pelos protestos organizados pelas organizações orientadas pela CANVAS e por diversas outras organizações sustentadas por dinheiro de fundações dirigidas a partir dos EUA levaram a um violento conflito civil nas regiões de Donetsk e Lugansk com mais de dez mil civis mortos e um milhão e meio de deslocados. Outros casos dramáticos de conflitos organizados por grupos estrangeiros foram os da Líbia, que virtualmente destruíram o país e acabaram com qualquer possibilidade de organização real do povo, imerso em uma guerra civil sem fim e com dois governos reclamando autoridade legal, e o da Síria, que passou por uma guerra civil envolvendo grupos terroristas com as práticas mais cruéis e bárbaras que se possam imaginar, e que só conseguiu se manter unificada e com um governos funcional graças ao auxílio russo e iraniano. Por outro lado, em Belarus a tentativa de interferência estrangeira foi logo descoberta e as manifestações foram bastante limitadas, um dos poucos casos onde a situação não degringolou para confrontos internos. Já na Geórgia, o governo pró-ocidental instaurado após a revolução laranja avançou sobre regiões autônomas de maioria russa e provocou uma guerra contra a Rússia em 2018 e o então presidente georgiano, Mikheil Saakashvili, depois se tornou governador de Odessa (na Ucrânia) onde mais tarde foi acusado em um processo judicial e terminou fugindo da polícia pelo telhado de um prédio em Kiev em uma cena transmitida pela televisão.
No Brasil proliferam-se discursos anti-Rússia, anti-China e anti-comunismo, que estão sendo conduzidos em diversas frentes e por vários meios, enquanto o discurso pró-EUA é reforçado pelo governo e por seus apoiadores, concomitantemente à atuação de organizações estrangeiras envolvidas em episódios de radicalização e fomento de conflito social. Essa estranha convergência de fatos faz parte de uma estratégia ampla de erosão das instituições da República e de enfraquecimento do país, em um roteiro já conhecido por todos os estudiosos de geopolítica e de ciências militares; estas ocorrências são parte das doutrinas de guerra não-convencional, ou guerras híbridas, como são denominadas no ocidente, cuja essência é utilizar meios não militares associados a meios militares para atingir objetivos políticos, econômicos, sociais ou militares. A cisão social, o permanente estado de crise institucional e política, o isolamento diplomático do Brasil em relação aos parceiros estratégicos de quem se aproximou nas últimas décadas e a desestruturação da capacidade econômica que conduz à uma maior dependência nacional em termos financeiros, econômicos e políticos indicam que estamos em um processo avançado de sujeição a interesses imperialistas que vêm agindo sub-repticiamente há anos. Há muito tempo estudiosos e analistas já perceberam este movimento, e agora a utilização pública de uma bandeira neonazista por manifestantes é mais uma etapa desse processo, etapa que serve para testar a reação da sociedade e das instituições.
*A Sputnik Consulting é uma entidade sediada em São Paulo, que trata da aproximação entre empresas e pessoas físicas do Brasil, América Latina, Leste Europeu e Ásia Central