Jair Bolsonaro e o entorno de seu desgoverno, pelas últimas informações sobre o caso das joias apreendidas pela Receita Federal, parecem que não tinham o que fazer pelo número de tentativas de se apossar do valioso e suspeito presente do governo da Arábia Saudita avaliado em 3 milhões de euros, ou seja, R$ 16,5 milhões, e retidos no Aeroporto de Guarulhos (SP) ainda em novembro 2021.
A apreensão envolveu um conjunto de peças de diamantes, incluindo colar, um par de brincos, anel e relógio.
Pois bem, Bolsonaro e alguns de seus auxiliares mais próximos passaram o último ano de seu desastroso governo tentando recuperar presentes que seriam endereçados à então primeira-dama, Michele Bolsonaro, ou, na versão duvidosa do ex-ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao Estado brasileiro.
Ao todo, foram 8 as tentativas de recuperar as joias apreendidas da mochila de um assessor do ex-ministro, quando foram mobilizados os ministérios de Minas e Energia, da Economia e das Relações Exteriores, além do Palácio do Planalto e a Receita Federal.
O plano para incorporar os “presentes” ao patrimônio pessoal de Jair Bolsonaro e de sua esposa foi frustrado pela resistência e profissionalismo dos servidores da Receita.
O órgão, por meio de nota, neste sábado (4), reiterou que a incorporação ao patrimônio público, no caso dos presentes serem destinados ao Estado brasileiro, exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo, a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante, que possam ser enviadas para um museu.
“Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, informou a instituição, explicitando novamente que o governo não apresentou pedido para que as joias fossem tratadas como bem da União.
É simples de entender o fato de não ter sido apresentado o pedido oficial. O intento de Bolsonaro era incorporar ao seu patrimônio pessoal as joias daquele que ele considerou “quase irmão”, o príncipe da Arábia Saudita, Moahmmed bin Salman – monarca reconhecido pela sua extensa folha corrida de violação dos direitos humanos, com quem esteve em outubro de 2019, em Riad, na conferência conhecida como “Davos no Deserto”.
Como a opção foi considerar os presentes como pessoais, os bens deveriam entrar no Brasil pela alfândega e seus donos deveriam pagar as taxas exigidas pela legislação. Essas taxas equivalem a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de 25% pela tentativa de entrar no país de forma ilegal. No caso, a retirada formal e correta das joias apreendidas, estimadas em R$ 16,5 milhões, custaria R$ 12,3 milhões.
A lei determina que, para entrar no país com mercadorias acima de US$ 1 mil, o passageiro precisa pagar imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto; quando o passageiro omite o item — como foi o caso do assessor do governo — tem que pagar ainda uma multa adicional de 25% do valor. Ou seja, se quisesse reaver as joias, Bolsonaro teria que pagar cerca de R$ 12 milhões, o que, obviamente, se recusou a fazer, preferindo mobilizar parte de seu governo para se apossar do valioso presente.
OITO TENTATIVAS DE BURLAR A LEI PARA SE ENRIQUECER
A primeira tentativa de recuperar as joias foi em novembro de 2021. O Ministério de Minas e Energia acionou, em 3 de novembro daquele ano, o Itamaraty para reforçar a pressão sobre a Receita e pediu “providências necessárias para liberação dos bens retidos”. A solicitação foi negada pela Receita.
O comando da Receita Federal à época também pressionou pela liberação das joias, mas os servidores do órgão, novamente, impediram, por se tratar de uma operação ilegal.
Segundo o jornal “Estado de S. Paulo”, o Ministério da Economia chegou a ser acionado e as tentativas continuaram até o final de 2022.
De acordo com a mesma reportagem, no dia 28 de dezembro de 2022, portanto, a três dias de deixar a Presidência da República e refugiar-se nos Estados Unidos e mais de um ano após a viagem à Arábia Saudita -, Bolsonaro enviou um ofício ao gabinete da Receita para solicitar que os bens fossem destinados à Presidência da República.
Um funcionário do governo, em 29 de dezembro, identificado apenas como “Jairo”, teria utilizado um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e desembarcado no aeroporto de Guarulhos dizendo que estava ali para retirar as joias. Argumentou, à época, que “não pode ter nada do antigo para o próximo [governo], tem que tirar tudo e levar”, conforme relatos colhidos pelo jornal.
RECEITA DESMENTE VERSÃO DE BOLSONARO
Nesta sábado (4), a Receita Federal desmentiu a versão apresentada por Bolsonaro e aliados de que as joias enviadas pelo regime da Arábia Saudita ao Brasil seriam para o patrimônio público da Presidência. O órgão afirmou que, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pelos servidores do Fisco de que o bem poderia ser regularizado caso essa fosse a justificativa, “isso não aconteceu no caso em análise”.
O ex-presidente, na tentativa de tirar a sua responsabilidade sobre uma operação ilegal que estava em curso e que tinha por objetivo incorporar ao seu patrimônio pessoal o valioso presente do governo saudita, negou que tenha havido irregularidades na tentativa de trazer joias de valor milionário da Arábia Saudita.
Em uma entrevista a jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), um dos maiores eventos conservadores dos Estados Unidos, Bolsonaro se defendeu do caso revelado pelo Estadão, afirmando que não pediu, nem recebeu o presente. “A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora eu estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso”, desconversou.
A nota da Receita afirma, categoricamente, que, mesmo após orientações, o governo de Bolsonaro não tentou regularizar nem apresentou um pedido fundamentado para incorporar ao patrimônio público as referidas joias.
“A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso”, diz a Receita.
“Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo”, continua a nota divulgada pelo órgão.
A Receita diz, ainda, que o prazo para recursos nesse caso terminou em julho de 2022. “Todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública”, afirmou o órgão.
TRÊS VERSÕES DO EX-MINISTRO BOLSONARISTA PARA O MESMO FATO
O ex-ministro Bento Albuquerque, diante da repercussão do fato, também divulgou uma nota informando que “encaminhou solicitação para que o acervo recebido tivesse o seu adequado destino legal”. Essa versão também foi contestada pela Receita.
Albuquerque afirmou, ainda, que a Receita foi informada sobre o “desembarque da comitiva no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), ocasião que o Ministério esclareceu a procedência dos itens, sem nenhuma tentativa de induzir, influenciar ou interferir nas ações adotadas por representantes do fisco”.
O fato é que, desde que o caso foi revelado pelo jornal “Estado de S. Paulo”, na sexta-feira (3), o ex-ministro de Bolsonaro deu versões diferentes sobre as joias. Veja abaixo:
- primeiro, ao jornal o “Estado de S. Paulo”, disse que não sabia o que havia na mochila e que, quando viu o conteúdo, afirmou que as joias deveriam ser para a primeira-dama;
- ao jornal “O Globo”, disse que as joias foram devidamente incorporadas ao acervo brasileiro;
- em entrevista ao repórter Nilson Klava, da GloboNews, afirmou que o presente era para o Estado brasileiro e que Bolsonaro e Michelle não sabiam das joias.
MPF E PF VÃO INVESTIGAR O CASO
A Receita Federal já acionou o Ministério Público Federal (MPF) em Guarulhos para apurar o caso. Informações e imagens dos bens já foram enviadas para o MPF.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, também afirmou na sexta-feira (3) que pedirá para a Polícia Federal (PF) investigar a tentativa do governo Bolsonaro de trazer ilegalmente as joias para Michelle Bolsonaro. Segundo Dino, o ofício com as informações deverá ser apresentado à PF na segunda-feira (6).
PRESENTE OU PROPINA?
O economista Eduardo Moreira se revoltou com o tratamento dado por alguns setores da mídia ao comportamento considerado criminoso de Jair Bolsonaro no caso dos presentes sauditas avaliados em quase R$ 17 milhões.
“Presente?!?!? Presente é caixa de chocolates. 17 milhões de reais em jóias é PROPINA! CORRUPÇÃO!”, sentenciou em seu twiter.
Moreira se refere ao fato de que, em 30 de novembro de 2021, um mês após a comitiva presidencial viajar para o Oriente Médio, o governo Bolsonaro promoveu a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia e seus ativos logísticos associados. A venda foi realizada para o Mubadala Capital, um fundo árabe dos Emirados Árabes Unidos, pelo valor de US$ 1,8 bilhão.
No entanto, cálculos estimados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) indicam que a refinaria valia entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões.
Em tempo: a RLAM, privatizada sob o comando da dupla Bolsonaro-Guedes, foi a refinaria que praticou, durante o governo anterior, os preços mais abusivos dos combustíveis no país, em prejuízo do consumidor e da economia nacional.
Bem, quanto isso, Bolsonaro não tinha um pingo de preocupação, afinal, havia mais com que se ocupar na prosaica e criminosa tentativa de açambarcar as joias apreendidas do “quase irmão” príncipe saudita.
MC
Bolsonaro também conhecido por cavalão está encurralado com outro cavalo de ouro saudita.