Jair Bolsonaro jogou todas (ou quase todas) suas fichas nas manifestações de hoje (7) contra a democracia e os demais poderes republicanos, especialmente o Supremo Tribunal Federal.
A pauta dos atos foi uma só: exigir do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Fux, o “enquadramento” de outros dois ministros da Corte: Alexandre de Moraes, que segue sua cruzada constitucional no encalço dos fake news, tendo colocado alguns dos principais próceres bolsonaristas atrás das grades, e Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cujo posicionamento respaldou decisão do Congresso Nacional pela manutenção do sistema baseado na urna eletrônica, defenestrando, de vez, o decantado “voto impresso e auditável” pelo bolsonarismo.
Os dados mais otimistas – para Bolsonaro – indicam que ele e sua horda conseguiram mobilizar, às custas da oferta gratuita de transporte, alimentação e hospedagem, algo em torno de 5% dos manifestantes que eram esperados em Brasília na manhã de hoje.
Fonte ouvida pela imprensa confidenciou a frustração do presidente assim que ele sobrevoou a Esplanada, chegando a levar um susto diante da quantidade de pessoas muito inferior à expectativa inicial.
“Cadê o pessoal?”, bradou Bolsonaro, ao que seu assessor mais próximo, para evitar o mau humor costumeiro do presidente, mentiu, afirmando que muitas caravanas estavam a caminho do ato em que o alucinado esperava reunir, pasmem, seis milhões de pessoas.
Restou um Bolsonaro estressado, pois não havia mais nenhuma caravana para chegar.
Numa hipótese bem vantajosa para ele, Brasília reuniu entre 100 a 150 mil pessoas.
Em São Paulo, a situação não foi diferente.
O atual ocupante do Palácio Planalto saiu de Brasília na expectativa de aplacar sua frustração no ato realizado na Avenida Paulista, mas as projeções ficaram muito longe da realidade: uma avaliação realista mostra que os bolsonaristas conseguiram mobilizar algo em torno de 6% do público esperado inicialmente.
Estimavam reunir dois milhões nos conhecidos quarteirões da Avenida Paulista, mas a Polícia Militar de São Paulo, ao apresentar as informações sobre o ato, aguou o chope bolsonarista: apenas 125 mil manifestantes atenderam ao chamado, vindos não somente de São Paulo, mas do Sul e de Minas, o que torna ainda menos significativo o público que conseguiram reunir.
Entretanto, nada disso é muito importante. Porque é evidente que essas manifestações foram estritamente minoritárias. Nada representaram, senão uma minoria, serviçal, pela estupidez, de uma minoria ainda menor – o círculo de Bolsonaro.
Seria razoável ou lógico pensar na possibilidade de um governo de viés fascista, com milhões de desempregados, subempregados e miseráveis que se multiplicam a cada dia, sob uma carestia infernal, mobilizar 6 milhões de brasileiros em Brasília e outros 2 milhões em São Paulo para apoiar sua pauta insana, lastreada no impeachment de ministros do STF e na introdução do voto impresso já sepultado pelo Parlamento – ou seja, em passar por cima do Judiciário e do Legislativo para implantar uma ditadura fascista?
Nada lógico, muito menos razoável, até porque a pauta de Bolsonaro tem apenas dois objetivos muito claros: dar um golpe de Estado, com a ditadura de uma minoria contra a maioria – até porque a reeleição é cada vez mais distante e difícil – e a proteção dele, de seus filhos e de seus acólitos mais próximos.
Bolsonaro representa um segmento cada vez mais minoritário da população, afrontando a maioria, que sofre com seu desastrado desgoverno.
Quem ele conseguiu reunir nessas manifestações de 7 de setembro, além de sua própria bolha de alucinados?
Enquanto isso, a sua rejeição, apontada por pesquisas de opinião, já está em 63% da população, sendo que 78% repudiam uma ditadura no país, segundo a última apuração do Datafolha.
O que vimos nos atos de Brasília e São Paulo foi um presidente rosnando para o mundo. Rosnando para a Justiça. Rosnando para o sistema eleitoral vigente. Rosnando para o Estado Democrático de Direito, sustentado constitucionalmente pela independência e harmonia entre os poderes da República.
Um presidente que comete crime de responsabilidade – o motivo para o impeachment – publicamente, como em sua afronta ao ministro Moraes: “Digo a vocês que qualquer decisão do ministro Alexandre de Moraes esse presidente não mais cumprirá”, revelando que não cumprirá decisões judiciais, ainda que avalizadas pela Corte e baseadas na Constituição Federal, como as que tem sido desferidas contra seus sequazes.
Estridência foi o que não faltou nos discursos do esgarniçado e na postura de seus seguidores, mesmo quando passou recibo sobre o estado emocional que o acomete no momento ao dizer que só sairá do poder “morto” e que jamais será “preso” – limiar de um quadro de desespero.
A postura e os pronunciamentos de Bolsonaro, por outro lado, realçaram sua total incapacidade de conviver com o sistema democrático, com as leis e, mais ainda, com a lei maior, a Constituição da República.
Nesse ponto, ele é absolutamente incorrigível e coerente com seu histórico medíocre, mesmo depois de ter assumido, por um acidente político, a suprema magistratura do país.
Sua vida pregressa, desde os tempos das Forças Armadas, é um rosário de desrespeito às leis, normas e regulamentos, pois pretende impor os seus e os de sua milícia ao país, como o faz, agora, através de sucessivos decretos e medidas provisórias, flagrantemente inconstitucionais, com o único propósito de driblar a Justiça e as leis em vigor.
Canhestramente, chegou a convocar, no ato da Capital Federal, uma reunião do Conselho da República, integrado pelos presidentes dos demais poderes, para esta quarta-feira (8), em Brasília, na qual exibiria a fotografia das manifestações para que fossem tomadas as providências no sentido de “enquadrar” ou exigir “que saia (m)” os ministros Moraes e Barroso.
Parece que a convocação evaporou no trajeto de Brasília para São Paulo. Não se falou mais no assunto, depois que os presidentes do STF e do Senado, respectivamente, ministro Luís Fux (que sequer integra o colegiado) e senador Rodrigo Pacheco, informaram desconhecer tal reunião, sinalizando que não compareceriam.
Enfim, as manifestações de hoje mostraram que Bolsonaro não apenas não conseguiu furar a sua própria bolha, mas tornou-a ainda menor e mais isolada no mundo político e social.
Afinal, no 7 de Setembro, data de nossa quase bicentenária Independência, nenhuma palavra sobre a situação econômica e social do país, muito menos sobre os preços cada vez mais extorsivos dos alimentos, do gás de cozinha, da conta de luz, da gasolina, entre outros gêneros e serviços de primeira necessidade, que atormentam o dia-a-dia dos brasileiros, sobre a falta de emprego e oportunidades de trabalho para outros milhões, ou ainda sobre as vacinas que faltam para concluir a imunização da população brasileira.
A Independência de José de Bonifácio, há quase dois séculos atrás, já tinha como premissa a busca da necessária soberania política para promover o desenvolvimento político e social do país.
Bolsonaro, seguramente, faltou a essa aula como a tantas outras que fornecem ensinamentos cívicos básicos aos brasileiros.
Preferiu comemorar o Dia da Independência com a sua trupe cada vez mais reduzida, insuflando o ódio e a divisão do país.
Felizmente, a resistência oferecida a essa insanidade cresceu muito nos últimos tempos e uma forte baliza está se erguendo para conter e derrotar o bolsonarismo.
As sinalizações do PSDB, PSD e do MDB, entre outros partidos, em favor do impeachment em face das renitentes e mais graves ameaças à democracia e o firme manifesto de entidades como a CNBB, a ABI e a OAB são os exemplos mais recentes dos deslocamentos e posicionamentos políticos e sociais que podem fazer a diferença nessa hora. Representam, enfim, um sinal agudo desse maior isolamento após as manifestações.
Bolsonaro, rigorosamente, sai deste 7 de Setembro menor, muito menor e mais isolado do que se encontrava, embora tenha revelado sua disposição de continuar açulando uma minoria para dar um golpe de Estado contra a maioria – uma rota sem retorno para o bolsonarismo e algo cada vez mais inverossímil.
Antes de terminar, apenas uma pergunta que não quer calar: cadê o Sergio Reis que prometeu entregar hoje ao presidente do Senado um ultimato exigindo o impeachment dos ministros do Supremo, sob pena de destituir no ato os senadores de seus mandatos e mandá-los para casa?
MAC