Quem desbaratou a quadrilha foi o MP/RJ e a Polícia Federal, mas Bolsonaro culpa a Globo por supostos “vazamentos seletivos” do inquérito que investiga o escândalo Queiroz/Flávio/Milícias
Nas duas aparições que fez em programas de TV na terça-feira (24), Jair Bolsonaro, mais uma vez desrespeitou a inteligência dos brasileiros.
Culpar a TV Globo pela descoberta do esquema de lavagem de dinheiro no gabinete do filho, Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio, quando este era deputado estadual, parece coisa de quem está querendo zombar do país.
“Isso é um crime, o que eles estão fazendo. Querem me atingir”, disse ele. Para Bolsonaro é crime contra ele a TV noticiar roubo do dinheiro público envolvendo seus familiares.
Entretanto, não foi a TV Globo que desbaratou a quadrilha. Foi a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio, ajudados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que identificou uma movimentação financeira suspeita, inicialmente de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, amigo íntimo de Jair Bolsonaro e motorista de Flávio, entre 2016 e 2017, mas que chegou a R$ 7 milhões quando a análise retrocedeu a 2014.
Hoje já se sabe que Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões através de 400 depósitos feitos por funcionários fantasmas do gabinete. Sabe-se ainda que Queiroz fez depósitos no valor total de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, primeira dama. Segundo, Bolsonaro, seria ressarcimento de empréstimos que ele teria feito a Queiroz.
O presidente nunca apresentou comprovantes desses empréstimos e, quando foi perguntado, recentemente, por um jornalista, mandou que o repórter perguntasse à mãe dele [repórter].
Hoje já se sabe também que Adriano Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio, e responsável pelo Escritório do Crime, central de assassinatos de aluguel, que teve um de seus membros – Ronnie Lessa – contratado para matar a vereadora Marielle Franco, mantinha a mulher e a mãe como funcionários fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Mais do que isso, hoje sabe-se que integrantes da milícia participavam da lavagem de dinheiro através do gabinete de Flávio. Adriano Nóbrega, atualmente foragido da polícia, recebia parte do salário de sua mulher, Daniele Nóbrega, que era lotada no gabinete do deputado. Detectou-se também que um restaurante do Rio Comprido, região central do Rio, de propriedade da mãe de Adriano, era ligado às milícias e também fez depósitos na conta de Queiroz.
Também não foi a Globo que descobriu outros dois esquemas usados por Flávio Bolsonaro para lavar dinheiro. Um foi a compra e venda de imóveis com preços adulterados (leia mais detalhes abaixo) e o outro foi a fraude na contabilidade de uma loja de chocolate franqueada da Kopenhagen, localizada na Barra da Tijuca, pertencente a Flávio. Foi a polícia e o MP/RJ que desvendaram todos esses crimes.
Portanto, atacar a Globo, como Bolsonaro fez na terça-feira, dizendo que os vazamentos visam prejudicá-lo, é apenas a velha repetição feita por outros corruptos, que, ao invés de explicar o que foi descoberto, fica reclamando de vazamentos seletivos.
Depois ele insinuou ainda que a Globo também estaria preparando uma operação de busca e apreensão na casa de outro filho, desta vez do vereador Carlos Bolsonaro, que até hoje não explicou se estava em casa ou no gabinete da Câmara quando Ronnie Lessa esteve em seu condomínio no dia do assassinato de Marielle.
“Tentaram armar para mim colocando o caso Marielle no meu colo. A nova intenção deles, não tenho como comprovar, é fazer busca e apreensão na casa de um outro filho meu. Já, pelo que tudo indica, fraudando provas! É o inferno da grande mídia”, criticou.
Mas quem faz operação de busca e apreensão contra um suspeito de qualquer crime, quando há fortes evidências contra ele, é a polícia, com pedido feito pelo MP e autorização da Justiça. Culpar a Globo por isso é ridículo. O fato é que o Escritório do Crime, contratado para matar Marielle, tem ligações tanto com Flávio quanto com Carlos, e com o próprio Jair, através de seu antigo “parceiro de pescaria”, Fabrício Queiroz.
Já na segunda aparição de Bolsonaro, na mensagem de Natal em cadeia de TV, a sensação é de que a amnésia parcial, que ele disse que teve depois da queda no banheiro, não era parcial, mas sim seletiva.
Ele disse que seu governo termina o primeiro ano de mandato sem nenhuma notícia de corrupção. Esqueceu-se “seletivamente” de que não se fala em outra coisa nas últimas semanas a não ser no escândalo de corrupção, desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha envolvendo seu filho, Flávio.
Esqueceu-se também que seu ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi denunciado pelo Ministério Público por roubar dinheiro público através do chamado laranjal de Minas. Ou que seu ministro do meio Ambiente, Ricardo Sales, é réu por fraude ambiental e que teve seus bens investigados por suspeita de enriquecimento ilícito.
E por aí vai.
S.C.
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