O momento da posse, após a eleição de um presidente, é sempre, no eleitorado, mesmo entre muitos que não votaram nele, um momento de expectativa de que ele faça alguma coisa para melhorar a vida de todos e de cada um.
Daí os altos e esperançosos índices – de qualquer presidente eleito – no momento da posse, nas pesquisas de opinião.
Diante da pergunta “na sua opinião, o presidente fará um governo ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”, em março de 1990, quando Collor assumiu o governo, nada menos que 71% das pessoas consultadas respondeu “ótimo” ou “bom”.
Quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse, pela primeira vez, 70% das pessoas responderam à mesma pergunta com “ótimo” ou “bom”.
Quando Lula assumiu, no primeiro mandato, foram 76% as pessoas que disseram que ele faria um governo “ótimo” ou “bom”.
E até Dilma, ao entrar no Planalto para tomar posse na Presidência pela primeira vez, contava com 73% de “ótimo” ou “bom” nas expectativas para seu governo.
Não houve um presidente eleito diretamente, desde o final da ditadura, que, no momento de sua posse, tivesse menos que 70% de “ótimo” ou “bom”, diante da pergunta: “o presidente fará um governo ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”.
Mas agora temos um: segundo o Datafolha – instituto de pesquisas de onde extraímos os resultados acima – Bolsonaro assume com 65% de expectativas de que fará um governo “ótimo” ou “bom”.
Bolsonaro tomou posse, portanto, com 5 pontos percentuais abaixo de Fernando Henrique; 6 pontos abaixo de Collor; 8 pontos abaixo de Dilma; e 11 pontos abaixo de Lula, nas expectativas de que fará um “bom” ou “ótimo” governo.
Não é um julgamento do que foram esses governos (Collor, por exemplo, pelas pesquisas do mesmo instituto, saiu do governo com 9% de aprovação; e Dilma, já em agosto de 2015, foi ainda mais baixo: 8%).
Apenas, o momento da posse, geralmente, é aquele onde se concentram as esperanças mais gerais de todo o país (ou de quase todo o país).
Mas Bolsonaro – apesar de nunca, em nossa história, as condições de vida do povo assumirem tal gravidade – tem a menor expectativa positiva, desde que a ditadura acabou e as eleições diretas para presidente foram restabelecidas.
ESCASSEZ
Poderia ser algum acidente – político ou estatístico -, ainda que seja difícil.
Porém, a cerimônia de posse demonstrou que esses resultados das pesquisas são, nesse caso, congruentes com a realidade.
Segundo o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, estiveram na posse de Bolsonaro cerca de 115 mil pessoas. Para quem falou em comparecimento de 250 mil a 500 mil pessoas, deve ser uma decepção (v., p. ex., Expectativa para posse de Jair Bolsonaro é de meio milhão de pessoas em Brasília).
Sobretudo quando as pessoas que foram – obviamente, eleitores de Bolsonaro – saíram irritadas, após o cerco a que foram submetidas, não somente na entrada, mas, principalmente, para não irem embora antes do término das cerimônias de posse.
Alguns comentaristas destacaram que foi o menor comparecimento de chefes de Estado de outros países na posse de um presidente brasileiro, em 28 anos – ou seja, desde a primeira eleição direta após a derrubada da ditadura.
É verdade. Mas, pior que seu reduzido número, foram os “chefes de Estado” ou “de governo” que vieram. Com uma exceção (Evo Morales, da Bolívia – e, talvez, Tabaré Vázquez, do Uruguai), foi uma xepa sem nenhuma importância, alguns somente notórios por sua aversão genética à democracia (por exemplo, o húngaro Viktor Orbán ou o pinochetista Sebastián Piñera) ou por sua corrupção e crimes (o notório Benjamin Netanyahu).
LIMITE
A posse teve alguma utilidade.
Por exemplo, ficou explicado agora, por seus discursos na terça-feira, por que Bolsonaro prefere se comunicar pelo Twitter, essa “rede social” para tatibitates (antes que algum leitor reclame: não dissemos que todos os usuários do Twitter são tatibitates; apenas, que é um veículo próprio para tatibitates).
Sucintamente: qualquer coisa que, para ser expressa, necessite mais que 280 letras, é um suplício para Bolsonaro.
De preferência, que não passe de 140 letras (o limite antigo do Twitter).
Ele não consegue dominar ideias mais longas do que isso.
Portanto, não tem ideias.
O que Bolsonaro consegue dizer são chavões com a idade do Tiranossauro – e algumas, aliás, muitas, bobagens sem pedigree.
Dizer que os EUA ou Israel “encontraram o caminho da prosperidade por meio da educação” – e que por isso neles “temos que nos espelhar” – revela uma ignorância tão grande, que somente pode ser ideologia, a ideologia de que somos inferiores aos norte-americanos e israelenses, certamente por algum problema racial (a frase, na íntegra, de Bolsonaro, foi: “temos que nos espelhar em nações que são exemplos para o mundo que por meio da educação encontraram o caminho da prosperidade”, mas é evidente, até porque ele não esconde, a que nações estava se referindo).
Há poucas coisas mais imbecis – para não falar da maluquice – do que achar que o Brasil é um país socialista.
Porém, disse Bolsonaro que o dia de sua posse era “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”.
O país está arrasado pela adesão do PT ao neoliberalismo – isto é, por sua submissão aos bancos e multinacionais, sobretudo norte-americanos – e pela continuidade dessa política, no governo Temer.
Há 26 milhões de desempregados e subempregados, devido à mais agachada submissão a esses monopólios financeiros.
Lula colocou um ex-presidente do BankBoston, durante oito anos, na presidência do Banco Central.
Dilma entregou a economia a um Chicago boy, Joaquim Levy; Temer chamou o mesmo presidente do BankBoston que Lula exumou, para o Ministério da Fazenda.
Bolsonaro faz exatamente a mesma coisa: entregou a economia a outro Chicago boy, Paulo Guedes – aliás, conhecido, mesmo entre os Chicago boys, como um sujeito especialmente sem escrúpulos (v., p. ex., “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES e Os negócios do corrupto guru econômico de Bolsonaro).
A política de Bolsonaro – inclusive a que apresentou nos dois discursos da posse – não se distingue, qualitativamente, daquela de Dilma ou de Temer. Consiste em “ajuste”, “ajuste” e “ajuste” – em aumentar a participação do setor parasitário da economia, do setor financeiro, sobretudo do setor financeiro externo, no produto social, isto é, no resultado do trabalho dos brasileiros – pois é isso o que eles chamam de “ajuste”.
Essa escravidão do povo brasileiro por uma minoria ínfima – cuja parte principal nem mesmo mora, ou está, dentro do país – já resultou em uma catástrofe, a partir de 2015.
O que Bolsonaro quer fazer é, exatamente, continuar a política de Dilma e Temer, de modo piorado, com o país já sob hemorragia desatada há três anos.
Tanto isso é verdade que seu guru econômico manteve a maior parte da equipe econômica de Temer, inclusive a que vinha desde o governo Dilma (v. Equipe de Temer é mantida por Paulo Guedes).
Logo, falar em “se libertar do socialismo” é uma estupidez tão grande que somente pode ser demagogia: afinal, Hitler não prometeu uma mulher para cada homem e um homem para cada mulher?
Se tem algo que o PT não é – nem foi – é socialista. O país foi levado à terra arrasada, exatamente pela adesão e submissão aos mesmos parasitas que Bolsonaro quer servir (e servir o Brasil).
CORAÇÃO
Disse Bolsonaro que pretende “respeitar os princípios do Estado Democrático, guiados pela nossa Constituição e com Deus no coração”.
Toda a sua carreira, calcada na propaganda da ditadura – e, inclusive, da tortura – é uma demonstração de como a verdade não lhe importa.
Houve alguma autocrítica ou mudança de suas posições anteriores?
Não, não houve. Ele continua achando a mesma coisa da ditadura, da tortura – e da maldita democracia.
Esse desapego à verdade está até em coisas cotidianas, familiares, aparentemente pessoais: ele diz que quer governar “com Deus no coração”.
Mas, afinal, qual é a religião de Bolsonaro?
Pois ele se diz oficialmente católico, mas foi batizado por um picareta que se diz “evangélico” – e casou pela terceira vez (ou será quarta?) em uma certa Igreja Batista Atitude da Barra da Tijuca, cujo pastor é acusado de vários golpes na praça (v. Pastor que batizou Bolsonaro recebeu propina de R$ 6 milhões da Odebrecht e Fiel processa pastor e igreja de Michelle Bolsonaro no Rio pelo sumiço de R$ 700 mil).
Bolsonaro, portanto, é uma espécie de camaleão religioso – contanto que facilite sua chegada ao poder, vale tudo.
Nesse desprezo pela verdade e pela inteligência das pessoas, Bolsonaro não é muito diferente de Lula.
Assim, por exemplo, seu combate à corrupção é sui generis, pois se trata de um combate à corrupção através de corruptos, que constituem a sua base política, e estão, inclusive, dentro do Ministério.
Não há nomeação de Moro que possa escondê-lo.
Se alguns não conseguiram, ainda, realizar a grande corrupção, limitando-se a pequenos golpes, é apenas porque não tinham conseguido, até agora, colocar a mão nos grandes cofres, apenas nos pequenos (v., além dos artigos sobre os negócios de Paulo Guedes, citados acima, Sérgio Moro e o caso Onyx Lorenzoni/JBS, Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro e Lorenzoni confessa uso ilegal de verba, mas diz que tem “prerrogativa”).
EM PRIMEIRO
Está no mesmo campo da mentira, da demagogia desbragada, a afirmação de Bolsonaro de que, em seu governo, “os interesses dos brasileiros em primeiro lugar”.
Bolsonaro já manifestou bastante sua opinião sobre os negros – que são maioria da população, incluindo aqui os mulatos (e, sobretudo, claro, as mulatas) – para que não se saiba a sua opinião sobre o povo brasileiro.
Mas aqui há coisa pior ainda: Bolsonaro é um puxa-saco do que há de pior nos EUA – a começar por Trump –, capaz de bater continência para a bandeira dos EUA e até para um sub do sub do governo dos EUA. Ou de querer mudar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém somente para bajular Trump (v. Bolsonaro bate continência para conselheiro de segurança dos EUA).
No próprio dia da posse, Trump escreveu no Twitter (sempre o Twitter): “Congratulações ao Sr. presidente Jair Bolsonaro que acaba de fazer um grande discurso de posse – os EUA estão com você!” (“Congratulations to Mr. President Jair Bolsonaro who just made a great inauguration speech – the U.S.A. is with you!”).
Resposta de Bolsonaro, em inglês: “Caro senhor presidente Donald Trump, eu verdadeiramente aprecio suas palavras de encorajamento. Juntos, sob a proteção de Deus, iremos trazer prosperidade e progresso ao nosso povo!”
“Nosso povo”?
Trump passou a pertencer ao povo brasileiro?
A verdade, evidentemente, é a inversa: Bolsonaro, há muito, pertence, de alma, e talvez de corpo, a esse lixo da casta financeira dos EUA – obscurantista, fascista e absolutamente parasita – que é representado por Trump.
C.L.
Muito boa a avaliação da posse do Bolsonaro. Pela proporção esperada e a realidade. Só foram os fanáticos eleitores. E ainda foram achincalhados. Quiseram ir embora e não foi permitido. Kkkkkk
A cada dia vão aumentando os arrependimentos. Os canalhas gastaram tanto dinheiro público em segurança pra ficarem seguros de quem?
Do próprio filiado?
Quase nenhum líder ou autoridade de outros países vieram pra sua posse.
Parabéns, a Resistência já começou forte.
Para