
“Inacreditável termos um elemento na presidência da República que sai dizendo estultices e idiotices como essa”, escreveu o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire
Jair Bolsonaro parou no cercadinho no Palácio do Alvorada nesta sexta-feira (27) e, diante de meia dúzia de seguidores, chamou de “idiota” quem diz que precisa comprar feijão. Para ele, “tem que todo mundo comprar fuzil”. A ofensa ao povo, que hoje está passando fome e vê a inflação piorar ainda mais a sua vida, se deu quando um de seus apoiadores perguntou se havia novidades para os caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados de CAC.
“O CAC está podendo comprar fuzil. O CAC que é fazendeiro compra fuzil 762. Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, afirmou Bolsonaro, numa clara demonstração de que são a violência e o apoio às milícias, e não a alimentação da população, as suas principais prioridades.
EXPLOSÃO INFLACIONÁRIA
Isso foi dito no mesmo dia em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a inflação para a alimentação em domicílio mais que dobrou entre os meses de junho e julho, passando de 0,33% para 0,78%. De acordo com IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do país – registrou alta de 0,96% em julho, chegando a 8,99% no acumulado dos últimos 12 meses, maior percentual desde maio de 2016, quando estava em 9,32%. Em 2021, o IPCA acumula alta de 4,76%.
Para Bolsonaro todos, menos ele, são idiotas. Em março ele já tinha acusado a população brasileira de ser idiota por querer tomar vacina contra a Covid-19. Agora ele volta a ofender quem quer ter o direito de se alimentar. Foi também numa conversa com apoiadores que ele atacou as vacinas: “tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, [dizendo] ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe. Não tem [vacina] para vender no mundo”, disse Bolsonaro à época, quando era cobrado por sua criminosa sabotagem à compra de vacinas.
Bolsonaro também chamou um jornalista de “idiota” durante uma entrevista na Bahia. A repórter Driele Veiga, da TV Aratu, afiliada local do SBT, questionou o presidente sobre as críticas de que foi alvo após ter posado para uma foto em Manaus com o apresentador Sikêra Júnior, da RedeTV!, e uma placa onde estava escrito “CPF cancelado”, que faz referência a pessoas que foram mortas. “Não tem o que perguntar, não? Deixa de ser idiota”, disse o presidente ao tentar desconversar sobre seu apoio aberto aos grupos de extermínio.
“NÃO TEVE AUMENTO DE NADA NO MEU GOVERNO“
Na mesma conversa desta sexta-feira (27), o capitão cloroquina disse, mais uma vez, que não quer inflação alta, mas que isso não depende de seu governo. “Não teve aumento de nada no meu governo”, declarou o chefe do Executivo a apoiadores, embora os números da inflação mostrem que alimentos, energia elétrica, combustíveis e outros itens tiveram os preços acelerados nos últimos meses pela ação ou omissão do governo.
Diante dos indicadores inquestionáveis do IBGE, que desmentem seu discurso irresponsável, ele insiste em tentar tirar o corpo fora sobre o desastre que seu governo está provocando no país. Além de não governar, de não combater a Covid-19, de agredir ministros do Supremo, de ameaçar a democracia, de brigar com governadores e só pensar em fazer confusão, Bolsonaro tenta agora deturpar e esconder a realidade dramática vivida pela população que está submetida ao seu desgoverno.
A conversa revelou também sua obsessão em armar as milícias que estão subordinadas a ele. Em seu governo, uma série de decretos foram editados para facilitar o acesso às armas e munições. As milícias de todo o país aplaudiram a iniciativa. Em setembro de 2019, por exemplo, ele sancionou uma lei que ampliou a posse de arma dentro de propriedade rural. Pelas regras anteriores do Estatuto do Desarmamento, o dono de uma fazenda só poderia manter uma arma dentro da sede da propriedade. Com a nova norma, ele pode andar armado em toda a extensão do imóvel rural. Uma clara intenção de criar as milícias rurais e jogá-las contra os camponeses sem terra.
“Estão dizendo que quero dar golpe. São idiotas, já sou presidente”, declarou Bolsonaro, mais uma vez acusando toda a população, já que ela o vê o tempo todo falando e ameaçando dar um golpe. Aliás, nos últimos dias, com as derrotas que sofreu no Senado, na Câmara e no STF, ele dorme e acorda tramando o golpe. Tanto que está convocando um para o dia 7 de Setembro. Bolsonaro também sentiu também a necessidade de lembrar que ele é presidente da República. Por que será? Faz isso exatamente porque não governa, não resolve problema algum do país, em suma, não faz nada. Não é presidente coisa nenhuma. E, além do mais, é fixado em arma e golpe, quando reitera que as eleições de 2022 poderiam não ocorrer sem a adoção do voto impresso – proposta do governo derrotada na Câmara.
REPERCUSSÕES
A declaração absurda de Bolsonaro repercutiu rapidamente, especialmente entre setores da oposição. O assunto era um dos mais comentados no início da tarde desta sexta-feira. “Inacreditável termos um elemento na presidência da República que sai dizendo estultices e idiotices como essa”, escreveu o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos, disse que “é muito irresponsável” o falar de fuzil para os brasileiros, desconsiderando que a população brasileira vive uma crise econômica, com desemprego, alta na inflação e em diversos setores. Para o deputado, enquanto Bolsonaro não falar sobre o que importa, “vai ficar falando só”. “A conversa atual com Bolsonaro é sobre 15 milhões de desempregados, 19 milhões com fome, inflação de 30% na cesta básica, gasolina, energia e gás de cozinha, juros futuros já acima de dois dígitos. É sobre isso que ele tem que falar. No mais, vai ficar falando só”, disse o deputado.
O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), definiu a fala como “covardia” as palavras de Bolsonaro em razão do atual momento inflacionário do país. “Quanta covardia! No país onde o povo faz fila para conseguir o osso para a sopa, a pauta de Bolsonaro é mais fuzil”, protestou Molon. O líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), também criticou a fala do presidente. Para ele, “quem sugere que os brasileiros comprem fuzis, esquece os problemas reais do país”.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) condenou a fala insana do presidente. “Bolsonaro chama de idiota quem está preocupado em comprar feijão. Paulo Guedes diz que não tem problema o preço da energia subir. Vivem na bolha do cercadinho e dos bajuladores. Fiquem tranquilos, não tem fuzil que livre vocês da surra nas urnas. Aí, Bolsonaro, é Haia!”, denunciou.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) ironizou a declaração: “Daí tem um idiota que diz ‘ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco. Quem você acha que disse isso, um miliciano ou o presidente da República?”