Decreto foi divulgado na quarta e revogado na quinta. O que Bolsonaro diz num dia, não se sabe se está valendo no dia seguinte
Tanto o governador Flávio Dino, do Maranhão, quanto João Doria, de São Paulo, apontaram, na quarta-feira (28), em resposta às provocações de Bolsonaro, que o presidente deveria aproveitar melhor o seu tempo trabalhando mais.
O episódio do decreto publicado na quarta-feira (28), autorizando estudos para a privatização dos postos de saúde, e a sua revogação no dia seguinte, realmente, revelam bem a desordem que impera no Planalto.
E o pior é que o presidente voltou atrás novamente. Anunciou, durante sua live com apoiadores, na quinta-feira (29), que vai reeditar o mesmo decreto que ele revogou. Um verdadeiro bate-cabeça na administração pública.
“Ontem, tivemos um probleminha em relação a um decreto sobre o SUS, que não tinha nada a ver com privatização, mas lamentavelmente, grande parte da mídia fez um carnaval em cima disso. [A mídia disse] ‘vai privatizar o SUS’, ‘o pobre não vai poder ser atendido pelo SUS’. Revoguei o decreto, mas fiz uma nota dizendo que nos próximos dias poderemos reeditá-lo, o que deve acontecer na semana que vem”, afirmou ele.
A “experiência” de entrega da gestão de unidades de saúde pública para grupos privados, entre eles as chamadas Organizações Sociais (OSs), tem se revelado desastrosa. Além da fragmentação do Sistema Único de Saúde (SUS) provocada pelos interesses mais diversos desses “gestores” privados, estão vindo à tona escândalos de desvios de recursos públicos por essas mesmas “OSs”. Isso tudo em plena pandemia da Covid-19. No Rio de Janeiro, por exemplo, até o governador caiu por conta disso.
O que Bolsonaro quer com seu decreto é poder entregar as 44 mil unidades de saúde, não só às OSs, mas também às empresas privadas. Seriam criadas as tais “unidades de negócio” nas UBS. A proposta está descrita no decreto 10.530, que foi revogado.
Jair Bolsonaro tentou justificar sua intenção privatista, mostrando uma proposta no mesmo sentido da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Em 23 de setembro de 2010, Dilma era a presidente, né? ‘Dilma Rousseff defende parceria com iniciativa privada para melhorar o SUS’. Exatamente o que foi proposto agora, ela propôs atrás, não teve sucesso, para variar nada dava certo no governo dela. Mas exatamente o mesmo decreto. Mudança de uma palavra ou outra perdida, nós apresentamos”, ressaltou, Bolsonaro, fazendo mais uma confusão, porque Dilma Rousseff não era presidente nesta data.
“Agora ela critica”, acrescentou, referindo-se a uma entrevista feita com a ex-presidente esta semana. “Então, senhora Dilma Rousseff, até estou dando muito cartaz para ela, vamos reapresentar o decreto nos próximos dias. O que a senhora não conseguiu fazer lá atrás, vamos conseguir fazer agora.” Na verdade, o texto da proposta de Dilma, que ela defendeu durante sua campanha em 2010, foram as parcerias público-privadas para o “atendimento especializado”. Ou seja, o projeto de Dilma era dirigido para o nível secundário de atenção médica do SUS.
O que a realidade tem demonstrado sobejamente é que, nenhuma das duas propostas é aceitável. Os objetivos de obtenção de lucro da iniciativa privada não se coadunam nem um pouco com as obrigações do Sistema Público de Saúde e com as necessidades da população. Isso não ocorre no nível primário, nem no secundário, ou em qualquer área da saúde pública.
Das duas uma, ou as unidades de saúde privatizadas pelo decreto vão receber a verba pública e geri-la como bem entenderem – e os escândalos, que estão vindo à publico na pandemia, vão continuar se repetindo – ou as “unidades de negócio” vão passar a cobrar da população pelo atendimento.
O engraçado é que nessa data citada pelo Bolsonaro quem estava na presidência era Lula, Dilma assumiu em 2011.