Bolsonaro comemorou os 0,4% de suposto (já veremos por que suposto) crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em relação ao trimestre anterior, como se fosse uma taxa digna da época dos governos Getúlio ou Juscelino, ou tivesse patamares chineses.
Com absoluta certeza, até Médici, que chefiou o governo mais sangrento da ditadura, teria razão para rir dessas comemorações.
Com esses 0,4% do segundo trimestre, em relação ao resultado do primeiro trimestre, o acumulado do ano foi de 0,5% para 0,7%.
Portanto, abaixo até mesmo da expectativa de crescimento do PIB divulgada pelo Banco Central na última segunda-feira, para este ano (0,8%).
Já abordamos, antes, a queda dessas expectativas, devido à destruição econômica e à loucura do governo Bolsonaro (v. HP 17/05/2019, Desatinos de Bolsonaro recolocam o Brasil na rota da recessão e HP 04/06/2019, Como Guedes e Bolsonaro afundaram a economia).
Resumiremos, aqui, rapidamente, a questão:
A expectativa de crescimento do PIB, divulgada pelo BC três dias após a posse de Bolsonaro, era de 2,53% (cf. Focus – Relatório de Mercado, 04/01/2019).
Bolsonaro e Guedes derrubaram essa expectativa até os 0,8% da última divulgação (cf. Focus – Relatório de Mercado, 23/08/2019).
Uma queda de 1,73 pontos percentuais ou –68,38% em oito meses.
O PIB acumulado do ano (a comparação entre o primeiro semestre deste ano com o primeiro semestre do ano passado), após a divulgação de quinta-feira, entretanto, foi ainda menor: 0,7%.
Esse crescimento da economia é inferior à baixa taxa de crescimento da população brasileira, calculada pelo IBGE, para 2019, em 0,79%.
Trata-se de algo tão medíocre – se mantido até o final do ano, e, até agora, não há perspectivas de algo melhor, pelo contrário – que rebaixaria o PIB per capita (o Produto Interno Bruto dividido pelo número de habitantes do país).
Se, depois dessa desgraça toda, Bolsonaro aparece comemorando, só pode confirmar sua ignorância, maluquice – mas, também, sua falta de escrúpulos.
O que vale, para ele e Guedes, é a encenação. A realidade – isto é, o país – que se dane. Houve, na década de 30 do século passado, uns sujeitos que eram assim. Na Alemanha.
Não por acaso, mesmo com esse resultado medíocre, temos uma novidade quanto ao PIB divulgado pelo IBGE: economistas desconfiando dos números.
Até hoje, em nenhum governo, alguém desconfiou de que houvesse algo errado, algo malévolo, com o resultado do PIB pelo IBGE, aliás, uma das instituições de maior credibilidade do país.
Já houve discordâncias, inclusive metodológicas – mas desconfianças de uma possível fraude, somente agora.
Por quê?
Porque o IBGE está debaixo de um sujeito que não inspira confiança – Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro, que fez carreira através dos golpes na praça, das manipulações, da mentira.
Portanto, não é à toa que apareceram as desconfianças.
Por exemplo, em texto intitulado “Tem algo de podre no Reino da Dinamarca”, diz o economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília:
“O IBGE acaba de divulgar os dados do PIB do segundo trimestre de 2019, apontando uma elevação de 0,4% com respeito ao primeiro trimestre do corrente ano. Trata-se de uma dupla surpresa. Em primeiro lugar, a mediana das projeções de mercado apontavam para uma expansão de apenas 0,2%, ou seja, um resultado 50% menor do que o divulgado hoje pelo IBGE. Em segundo lugar, o resultado do IBGE diverge totalmente do comportamento do IBC-Br, o índice de atividade econômica calculado pelo Banco Central do Brasil, que mostrou um recuo de 0,13% no segundo trimestre na comparação com o primeiro trimestre de 2019. Mais intrigante ainda é o fato de que os dados do IBGE e do IBC-Br para o primeiro trimestre de 2019 foram idênticos, ou seja, ambos mostraram uma queda de 0,2% na atividade econômica no primeiro trimestre de 2019 na comparação com o ultimo trimestre de 2018.”
O economista indaga: “Por que razão o PIB do IBGE e o IBC-Br do Banco Central apresentaram comportamentos tão diferentes no segundo trimestre de 2019? (…) Parece que o BCB e o IBGE estão mostrando países diferentes. Me parece que há algo de podre no Reino da Dinamarca…”.
Realmente, com Paulo Guedes e Bolsonaro, o mínimo que se pode fazer é desconfiar. Se até os dados de desmatamento da Amazônia, advindos dos satélites usados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), são chamados de “mentirosos”, por que não seria saudável desconfiar de algo saído da aba de Paulo Guedes?
Aqui, não há desconfiança dos sérios profissionais do IBGE. Que Guedes não se atreva a jogar sobre eles uma desconfiança que é sobre ele mesmo.
Sobretudo quando o resultado de 0,4% foi obtido com um pulinho da construção civil, setor que está caindo desde o segundo trimestre de 2014:
Variações do PIB do setor da construção civil:
- 2014.II: -2,9%;
- 2014.III: -9,0%;
- 2014.IV: -3,8%;
- 2015.I: -9,6%;
- 2015.II: -10,7%;
- 2015.III: -6,8%;
- 2015.IV: -8,9%;
- 2016.I: -9,6%;
- 2016.II: -8,6%;
- 2016.III: -10,0%;
- 2016.IV: -11,8%;
- 2017.I: -10,4%;
- 2017.II: -9,4%;
- 2017.III: -7,6%;
- 2017.IV: -2,3%;
- 2018.I: -4,2%;
- 2018.II: -2,7%;
- 2018.III: -1,0%;
- 2018.IV: -2,2%;
- 2019.I: -2,2%;
- 2019.II: 2,0%.
Para justificar essa mudança, alguns falaram em “grandes lançamentos” no setor de habitação em São Paulo. Seria bom que se indicasse onde – pois teriam que ser tantos, a ponto de puxar o PIB para cima. Portanto, não podem ser invisíveis. Até agora, não vimos esses lançamentos (e nem gente com dinheiro para comprá-los, ou algum frenesi no crédito imobiliário).
A outra coisa notável (quer dizer, apenas porque chama atenção) é o resultado da indústria de transformação. Como diz o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI): “Que o PIB da indústria de transformação pudesse crescer na margem no 2º trim/19, já era algo que o desempenho positivo de sua produção física apontava. O que surpreendeu foi a magnitude da alta” (cf. Análise IEDI, 29/08/2019, grifo nosso).
Mas… “frente ao mesmo período de 2018, contudo, o setor ficou em linha com resultados positivos anteriores, registrando +1,6% no 2º trimestre, suficiente apenas para compensar a queda do 1º trimestre do ano (-1,7%)”.
Entretanto, o resultado geral da indústria foi ruim (0,7%).
Para que o leitor tenha ideia dos outros setores:
- Indústria extrativa: -9,4%;
- Agropecuária: -0,4%;
- Serviços: 0,3%.
Todos os números acima são em comparação com o trimestre anterior.
Há uma estranha anomalia no crescimento de 3,2% no investimento, isto é, na Formação Bruta de Capital Fixo (fundamentalmente, a compra de máquinas e equipamentos pelas empresas), ao mesmo tempo que o consumo das famílias cresceu apenas 0,3% e o consumo do governo caiu 1%.
Organizando esses dados:
- Despesa de Consumo das Famílias: 0,3%;
- Despesa de Consumo do Governo: -1%;
- Formação Bruta de Capital Fixo: 3,2%;
- Exportações: -1,6%.
O aumento do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) não parece coerente com uma variação tão baixa (ou mesmo negativa) do consumo e das exportações.
A primeira ideia que vem a alguém é: qual o empresário que está investindo, comprando máquinas e equipamentos para expandir a capacidade de produzir de sua empresa, sem que exista consumo, ou seja, compradores para as suas mercadorias?
Mas a verdade é que esse aumento de 3,2%, em boa parte, não é expansão da capacidade, mas apenas substituição dos meios de produção desgastados.
Porém, mais importante, depois desse pequeno aumento, “seu patamar atual está 26% abaixo daquele do 2º trim/13”, ou seja, mais de ¼ abaixo do nível de cinco anos atrás. “O mesmo comentário vale para a indústria de transformação e a construção, respectivamente 15% e 30% abaixo de suas melhores marcas anteriores” (v. IEDI, op. cit.).
E não há nada à vista, nesse governo, que possa melhorar a situação. Mas há várias que podem piorar. E muito.
Encenações fascistas podem enganar alguns tolos.
Mas não fazem a economia crescer.
C.L.