Tem algo de muito tenebroso a esconder
Após bater continência à bandeira americana, adotou o lema da CIA
O candidato Bolsonaro consegue dar entrevistas na TV; consegue gravar vídeos (após o primeiro turno, no último domingo, nós assistimos a cinco, um dos quais, de Bolsonaro com aquele senhor de escravos da Havan, com 1 hora e 59 minutos de duração); consegue ficar em pé muito bem – e também consegue ficar sentado.
Bolsonaro consegue tudo isso. Mas não consegue ir a um debate. No único em que apareceu, apanhou como boi ladrão, para usar uma expressão adequada. Tentou folgar com Marina Silva e esta, com sua verve amazônica e conhecimento bíblico, desmontou-o.
Com dúvidas sobre o estado de saúde de Bolsonaro, nós recorremos a uma consultoria médica, composta por competentes e renomados profissionais. Todos, depois de ver o desempenho de Bolsonaro nos vídeos, deram seu parecer de que ele poderia perfeitamente ir ao debate. No máximo, poderiam ser tomados alguns cuidados – todos perfeitamente possíveis.
No último debate do primeiro turno, na TV Globo, Bolsonaro não foi – mas fez um programa eleitoral de 26 minutos (aliás, totalmente ilegal), preparado e veiculado pela Record, levado ao ar no horário em que começava o debate da Globo (v. Bolsonaro desrespeita a lei e faz encenação na TV).
Bolsonaro foi esfaqueado em Juiz de Fora no dia 6 de setembro. Portanto, há mais de um mês.
No momento, se esconde atrás do esfaqueamento, para não comparecer ao debate da Band.
O problema é que nenhuma posição sua resiste a debate. A nenhum debate. Além do fato, até por isso mesmo, de que ele não quer debater nada.
Por exemplo, publicou, em uma “rede social”, na quarta-feira: “Em eu chegando lá, daí eu vou procurar o Governo para gente aprovar uma Reforma da Previdência, que tenha aceitação do Parlamento e a população entende como sendo justa e necessária. Eu acredito que a proposta do Temer, como está, se bem que ela mudou dia após dia, dificilmente ela vai ser aprovada. Seria bom nós contermos aqui os ralos, acabar com as incorporações. Quem sabe aumentar mais um ano o tempo de serviço para o trabalhador do serviço público. Eu acho que seria um grande passo no final do governo Temer”.
Ele não tem problemas em procurar o governo – um governo corrupto até o último fio de cabelo do Temer – para fazer o mal. Não tem, em relação a Temer, qualquer prurido – moral ou de outra espécie.
Sua primeira preocupação, se for eleito, é, portanto, atacar as aposentadorias.
O país cheio de problemas – mas ele acha que a prioridade é atacar as aposentadorias para encher mais ainda os cofres dos bancos, fundos e outros rentistas.
Quanto ao jeito de apresentar a proposta, ele é, em uma palavra, mentiroso. Mais mentiroso do que Collor falando que ia combater os “marajás” (por sinal, até hoje não apareceu um que ele tenha caçado).
O que está em seu programa, registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é o seguinte: “A grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuais de capitalização”.
O que significaria o fim da Previdência Social, da Previdência pública, tal como a ditadura de Pinochet fez no Chile, com um resultado trágico (v. Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos).
No programa de Bolsonaro, quem decide se o trabalhador continua no regime anterior de Previdência, ou vai para a “capitalização”, é o patrão: “aqueles que optarem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas”.
Portanto, a suposta suavidade da “reforma da Previdência” de Bolsonaro, que seria (segundo suas palavras) mais leve que a de Temer, é outra impostura.
Para completar, a “reforma da Previdência” de Bolsonaro é cópia de uma das versões do Banco Mundial – aliás, uma das piores.
A ideia é entregar a Previdência ao setor financeiro, aos rentistas, e colocar os proventos dos aposentados abaixo do salário mínimo (v. o documento do Banco Mundial, A Fair Adjustment: Efficiency and Equity of Public Spending in Brazil, World Bank, November, 2017).
PROPOSTAS
Bolsonaro não quer ir a debates porque teria (ou poderia ter) de explicar questões desse tipo.
Explicar suas propostas para o país é tudo o que ele não quer. É, também, tudo o que ele não sabe explicar.
Aqui, temos outro aspecto de Bolsonaro: o sujeito é uma besta, exceto por alguma capacidade de manipulação dos incautos – embora, somente dos mais grosseiros, dos mais toscos, dos mais obtusos.
Ele não consegue explicar nada mais complexo do que “filho precisa de tapa no bumbum” (disse ele, sobre a ordem da ditadura para matar oposicionistas: “Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho?”).
Assim, por exemplo, adotou como lema o mesmo da CIA, retirado do Evangelho Segundo João: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (v. Bolsonaro usa a Bíblia para mentir na TV).
Como Bolsonaro não parece chegado à leitura, muito menos do Evangelho (talvez tenha lido, quando era jovem, o Almanaque do Capivarol ou alguns dos Catecismos de Carlos Zéfiro), é lícito indagar: onde será que ele leu isso? Teria sido no saguão da CIA, em Langley, Virginia?
Não estamos insinuando nada. Apenas perguntando, como cabe ao bom jornalismo.
Mas, como Bolsonaro arranjou um atestado médico para não ir ao debate, essa e outras perguntas possíveis, ficarão em suspenso.
BENEFICIADO
O estranho – talvez nem tanto – em toda essa história é a insistência de Bolsonaro em que seu esfaqueamento foi devido a uma conspiração, com acusações ao delegado da PF que conduziu o inquérito, concluindo que o esfaqueador agiu sozinho.
A presepada é o terreno de Bolsonaro. É claro que ele iria aproveitar esse ato insano para fazer propaganda e incitar sequazes à violência.
No entanto, o principal beneficiado, até agora, do esfaqueamento, foi Bolsonaro, que conseguiu fugir dos debates e de qualquer discussão sobre o que pretende para o Brasil.
Antes que algum espiroqueta apareça para dizer que nós estamos sugerindo que foi Bolsonaro que armou seu próprio esfaqueamento, esclarecemos que não. Embora coisas assim já tenham acontecido, nesse caso específico esse tipo de raciocínio seria apenas a versão de Bolsonaro invertida. Portanto, coisa de fascistas ou imbecis.
Aqui, estamos apenas registrando que Bolsonaro está usando o esfaqueamento para fugir de qualquer discussão sobre qualquer coisa.
Nesse sentido, ele foi o maior beneficiado, pois é claro que ele não sustenta qualquer discussão séria.
Mas o problema, é claro, não é, mais de um mês depois, a facada que levou, mas o uso que Bolsonaro faz dela para fugir ao escrutínio das suas propostas.
No fundo, a questão se resume a que, além de instalar uma ditadura para reprimir o povo, em benefício da oligarquia financeira externa, ele não tem mais proposta alguma.
C.L.