Disse o candidato Bolsonaro, em uma rede social, que “a questão ideológica é tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil. São dois males a ser combatido” (sic).
Bolsonaro não domina muito bem a língua pátria, pelo menos em sua modalidade escrita. O pensamento, também, não é o seu elemento. Portanto, resta saber o que significa tal declaração.
Pois, sem dúvida, a ideologia de que, em política, é lícito roubar o povo, é algo quase tão grave quanto roubar, pois essa ideologia acaba por fazer o sujeito passar do pensamento ao ato.
Mas ninguém é condenado por pensar em roubar; pode-se e deve-se condenar quem organiza e pratica o roubo – ou quem, como dizia Ulysses Guimarães, deixa roubar.
Por falar nisso, também é grave a ideologia daqueles que acham que, para ganhar uma eleição, deve-se mentir para o povo, e, depois, fazer o contrário daquilo que foi prometido – e às vezes, até jurado ao pé do altar.
Não estamos, aqui, nos referindo ao PT – cujo estelionato eleitoral (e o repúdio a ele) acabou provocando a queda de Dilma.
Ou ao PSDB, onde, segundo um de seus gurus, “do ponto de vista das regras de funcionamento da democracia, não há problemas. Estelionato faz parte do jogo” (cf. Samuel Pessôa, “A conta do estelionato”, FSP, 29/03/2015).
Na verdade, estamos nos referindo ao próprio Bolsonaro, cujo lema de campanha é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
O que é uma declaração ideológica.
Mas veja o leitor a foto acima. Ela foi extraída de um vídeo, gravado no dia 08/10/2017 – portanto, há um ano. A imagem é o momento em que Bolsonaro, num restaurante de Deerfield Beach, Flórida, EUA, uma localidade a 45 km de Miami, prestava continência à bandeira norte-americana.
O momento, provavelmente já conhecido de muitos leitores, condensa a ideologia subserviente de Bolsonaro, em relação aos EUA.
Alguém pode imaginar Caxias, Osório ou Tamandaré fazendo continência para a bandeira da Inglaterra ou dos EUA?
Não, pois todos sabem qual era a ideologia deles – ou que ideologia representavam. Esses grandes homens só admitiam fazer continência para a bandeira de seu país – o Brasil. Jamais para a bandeira de outro país, muito menos para a de um país imperialista que espolia o nosso país.
[Alguns bolsonaristas poderão lembrar que um decreto de nove anos atrás, o Decreto nº 6.806/2009, abre exceções em que se presta continência a uma bandeira estrangeira durante determinadas solenidades. É verdade. Mas Bolsonaro não estava em uma dessas solenidades. E o decreto citado é de autoria do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva…]
Mas a ideologia de Bolsonaro é diferente. Agachada, acoelhada, castrada. Ideologia, aliás, que permeia, de fio a pavio, o seu programa de governo (uma síntese desse programa está em: Guru de Bolsonaro cria crise ao propor fim da Previdência e subir Imposto de Renda).
Porém, a ideologia de Bolsonaro tem outro aspecto: exatamente, o de apresentar a mais quadrúpede das submissões como se fosse “Brasil acima de tudo”.
Nisso ele não se distingue de Dilma ou de qualquer outro estelionatário. Aliás, como já notamos em outro lugar, Bolsonaro é muito parecido com Lula – a desinibição em mentir e dizer coisas que são o contrário da realidade, além da falta de verticalidade de ambos, coberta por arrogância, são uma espécie de selo da má qualidade humana.
Quanto a “Deus acima de todos”, convenhamos que não se sabe – e é pouco provável que algum dia se saiba – que o Todo-Poderoso tenha aprovado as torturas e assassinatos do lixo da ditadura. O quinto mandamento (“Não matarás”) não foi revogado pelo Altíssimo. Nem o sétimo (“Não furtarás”).
Por isso, é duvidoso que, para Bolsonaro, Deus esteja “acima de todos”. Pelo menos não está acima do falecido Brilhante Ustra, heroi de Bolsonaro, sob cujos cuidados morreram, no DOI-CODI, 47 presos, sob tortura.
Com certeza, é mais uma fraude ideológica – e desta vez contra o segundo mandamento: “Não usar o Santo Nome de Deus em vão”.
Diga-se de passagem, Bolsonaro não está apenas usando o Santo Nome em vão, mas está usando o Nome de Deus contra os próprios Mandamentos divinos.
Então, se é assim, se tudo em Bolsonaro não é mais que ideologia reacionária e sacrílega, por que ele fala que “a questão ideológica é tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil”?
Porque ele não acha a corrupção tão grave. Se achasse, não faria esse sinal de igualdade entre a gravidade da “questão ideológica” e da corrupção.
Aliás, não é um sinal de igualdade, o que já seria uma cumplicidade com a corrupção.
Ele considerou que a ideologia é “um mal tão, ou mais grave, que a corrupção no Brasil”. Portanto, a ideologia está acima da corrupção, em termos de gravidade, segundo Bolsonaro.
Naturalmente, só não tem ideologia quem não tem ideias. Aliás, até quem não tem ideias próprias tem ideologia, por absorção das ideias alheias.
Bolsonaro apoia a ditadura – e quer restaurá-la, 33 anos depois de sua derrubada – por ideologia, e apenas por ideologia, pois é evidente que a ditadura, ao fim e ao cabo, levou o Brasil a uma catástrofe.
Mas, obviamente, Bolsonaro quer banir apenas a ideologia dos outros – mais precisamente, a que se opõe à sua – e não a que se hospeda em sua cabeça.
Mais uma vez, o que isso mostra é que ele não acha a corrupção um grande problema.
A ditadura, em 1964, dizia que o golpe de Estado, a supressão da Constituição de 1946 e os “atos institucionais” eram para combater “a subversão e a corrupção”.
Com o tempo, a ditadura passou a achar que a corrupção era apenas um problema a ser abafado, sobretudo através da repressão de quem a denunciava.
Bolsonaro, no entanto, quer saltar a primeira fase e ir direto para a segunda…
C.L.