
Em mais uma ação contra o desenvolvimento brasileiro, Jair Bolsonaro (PL) publicou nesta segunda-feira (29) uma Medida Provisória (MP) que impõe cortes e limites para o uso dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de financiamento à inovação do Brasil e que, nos últimos anos, tem sido objeto de mobilização dos setores industrial e acadêmico do País para sua preservação.
Por meio de uma MP publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), Bolsonaro derrubou a proibição aprovada pelo Congresso Nacional de bloqueio de verbas do fundo e criou limites para a aplicação dos recursos. Para este ano, o valor a ser usado foi limitado a até R$ 5,555 bilhões.
A Lei Complementar 177, aprovada no ano passado, impedia a alocação orçamentária dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em reservas de contingência de natureza primária ou financeira.
A medida provisória em questão retira esse trecho da lei e, no lugar, estabelece que a aplicação dos recursos do FNDCT em despesas reembolsáveis e não reembolsáveis observará o teto de R$ 5,555 bilhões em 2022, com percentuais definidos para os próximos quatro anos, chegando ao uso de 100% dos valores somente em 2027.
Em 2023, o porcentual de uso será de 58% do total da receita prevista no ano no Projeto de Lei Orçamentária Anual encaminhado ao Congresso Nacional; em 2024, 68%; em 2025, 78%; em 2026, 88%; e, por fim, em 2027, 100% do total da receita prevista no ano.
Na prática, com a MP, o governo poderá alocar recursos do FNDCT na reserva de contingência, comprometendo o financiamento de ações de desenvolvimento científico e tecnológico de universidades e institutos de pesquisa, por exemplo, e também de apoio à inovação tecnológica no setor privado com recursos não reembolsáveis.
Esta é mais uma tentativa do governo de Bolsonaro de dar outra destinação aos recursos do fundo. Quando da sanção da Lei Complementar 177 em 2021, Bolsonaro vetou a proibição ao contingenciamento dos recursos, mas o Congresso derrubou o veto.
Recentemente, em julho, o governo tentou novamente dar um novo uso para a verba do FNDCT na votação de projeto de lei alterando procedimentos sobre as verbas. No entanto, mais uma vez deputados e senadores rejeitaram a proposta do governo. Na ocasião, eles aprovaram o PLN 17/2022, mas sem o trecho que permitia ao governo capturar o dinheiro do fundo para outros objetivos.
“Com a alteração, será possível reduzir o bloqueio das despesas primárias neste exercício para a execução de políticas públicas que já estavam em andamento”, diz a Secretaria-Geral da Presidência da República em nota.
A MP agora publicada diz que os porcentuais estabelecidos para os anos de 2023 até 2026 “são referenciais e poderão ser ampliados durante cada exercício, exclusivamente em decorrência da abertura de créditos adicionais, nos termos da legislação”.
Também ressalta que a divisão dos recursos entre despesas reembolsáveis e não reembolsáveis respeitará a proporção encaminhada pelo Poder Executivo federal ao Congresso Nacional no Projeto de Lei Orçamentária Anual, até que seja atingida a alocação total de 100% dos recursos do fundo.
A mudança editada por Bolsonaro ainda altera uma das condições exigidas nos empréstimos do FNDCT à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para atender às operações reembolsáveis e de investimento. Agora, os juros remuneratórios dessas operações serão equivalentes à Taxa Referencial (TR) recolhidos pela Finep ao FNDCT, a cada semestre, até o 10º dia útil subsequente a seu encerramento. Antes, esses juros eram cobrados sob a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
A novidade se aplica aos saldos devedores dos contratos de empréstimos firmados anteriormente e com execução em curso. “Isso propiciará que o aumento na alocação de recursos reembolsáveis do FNDCT atenda de forma efetiva os tomadores de crédito, os quais gozarão de condições financeiras mais favoráveis”, afirma a Secretaria-Geral.
“Simultaneamente, por se tratar de um indicador mais alinhado a projetos de natureza de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), nos quais o risco tecnológico é inerente, haverá uma diminuição da oneração dos recursos não reembolsáveis do Fundo, nos quais se inserem os gastos com equalização de juros dos empréstimos realizados”, completa.
CULTURA
Também na segunda-feira, o governo Bolsonaro editou outra MP que impede os repasses de recursos das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, diante da crise causada pela pandemia do coronavírus.
O texto da Lei Paulo Gustavo previa que o pagamento de R$ 3,86 bilhões para estados e municípios deveria ocorrer em, no máximo, 90 dias após a publicação da lei. Portanto, ainda neste ano. Com a medida provisória, Bolsonaro acrescentou que o montante será destinado “no exercício de 2023”.
Já a Lei Aldir Blanc afirma que o pagamento aos entes da federação deveria ocorrer, em parcela única, “no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor desta lei e nos quatro anos seguintes”. O texto publicado por Bolsonaro apresenta um calendário de execução que começa em 2024.
A medida provisória também muda a redação para retirar a obrigatoriedade dos repasses. No caso das duas legislações, os artigos diziam que “a União entregará” aos estados e municípios o montante. O texto agora diz que a União “fica autorizada” a destinar os recursos a estados e municípios, “observada a disponibilidade financeira”.
De acordo com técnicos do governo, a medida provisória não poderia criar despesa obrigatória, com risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo Fabrício Noronha, presidente do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, a medida altera a “essência” das leis.
“Foi um jeitinho que o governo federal deu em cima e um processo que já foi todo debatido. Numa canetada, ele fragiliza o planejamento. Sem obrigatoriedade do recurso, isso se torna uma disputa ano a ano”, afirmou.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora das propostas, disse que a lei complementar não poderia ser modificada por medida provisória e que, portanto, pediu a devolução do texto ao governo pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“As duas leis têm fonte, orçamento claro, valor. Bolsonaro novamente faz da cultura inimiga”, disse a parlamentar. O governo resistia aos pagamentos para o setor cultural, alegando falta de recursos. O Congresso derrubou os vetos de Bolsonaro em julho, após intensa pressão da classe artística pela aprovação dos auxílios.