“O atraso em tomar medidas pelo presidente da República e as suas atitudes erráticas e contraditórias vão levar a uma dimensão da crise que o País não tem ideia”
“Como Militar, sinto-me envergonhado por tantas ações atabalhoadas, extravagantes, ridículas e mesquinhas” de Jair Bolsonaro, disse o coronel da Polícia Militar de São Paulo, Glauco Carvalho, vice-presidente do Clube dos Oficiais da PM.
“O grande problema do Bolsonaro é minimizar e desprezar a crise. E ao desprezá-la, não toma medidas”, disse o coronel em entrevista ao Estadão. “O militar é formado para evitar as crises e, entrando nas crises, achar alternativas para sair delas”.
“No meu entender há uma postura muito frágil do presidente da República em relação à gravidade da difusão dessa doença em solo brasileiro. E a inação dele vai gerar muitas mortes no Brasil – eu espero estar sinceramente equivocado”.
“Essa postura dele de minimizar o quadro só vai agravar a situação e levar à perda de vidas. Isso me levou a me envergonhar de ser militar como ele e sermos preparados para crises graves”.
Glauco falou pela primeira vez que estava envergonhado pela postura de Bolsonaro em um grupo de Whatsapp da PM de São Paulo. Na mensagem, disse que “esse presidente, despreparado para o cargo, me comparece às manifestações diz ‘se eu pegar é responsabilidade minha!!! Surreal. Deveria sofrer um impeachment!!!”.
“Fiz essa postagem me desculpando perante um grupo de pessoas pela postura de um presidente que eu entendo não estar apto a exercer o cargo político mais importante do País”, relatou o PM.
O coronel disse que sua “grande insatisfação com o governo Bolsonaro, afora sua postura autoritária, é o fato de ele ter demorado três meses para agir. Nesse momento, já era para nós estarmos entrando em uma segunda fase”. Para ele, o problema que o Brasil está passando com o coronavírus já era anunciado quando o vírus surgiu na China.
“O atraso em tomar medidas pelo presidente da República e as suas atitudes erráticas e contraditórias vão levar a uma dimensão da crise que o País não tem ideia. Fui criticado por colegas, mas eu temo pelo pior”.
“O surto na China teve início em novembro. Em dezembro, já sabendo da dimensão do problema na China, ele já deveria ter adotado uma série de medidas em relação ao fluxo de pessoas que entrava e saía do Brasil. Até agora nós não temos quantidade de exames suficientes, equipamentos e testes para atender à população”, avaliou.
“Se ele tivesse tomado algumas medidas naquela época, provavelmente, agora já estaríamos em segundo etapa. Teríamos testes, máscaras, luvas, aventais, esses EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) que as pessoas veem na televisão na China e na Itália. Os nossos médicos e os nossos policiais e bombeiros estão completamente vulneráveis”, disse.
Ao contrário do que tem feito Bolsonaro, “eu tenho certeza de que os oficiais e as praças do Centro de Inteligência e do Departamento de Operações da PM de São Paulo devem estar fazendo planejamentos para o pior cenário”.
O pior cenário envolveria proteção de supermercados e hospitais para evitar desacatos e agressões, prevenção de saques, transporte, armazenamento e cremação de cadáveres, incorporação de novos policiais, entre outras coisas.
“Tenho a convicção plena de que meus companheiros da ativa estão trabalhando com o pior cenário. Se vier o melhor cenário, ótimo. Se não vier, a sociedade estará trabalhando para enfrentá-lo. O mais grave erro de Bolsonaro é desprezar o quadro que a sociedade está passando”, afirmou.
“Eu não quero dizer que essas medidas vão ser tomadas. Mas elas têm de estar preparadas e escritas em um plano de operações. Se o quadro se agravar onde estão os hospitais, onde estão as farmácias e os supermercados? Esse é o momento de se preparar para o pior, pois se o caso se agravar você já tem plano de ações pré-definidos”.
Glauco acredita que Bolsonaro perde legitimidade como presidente “quando ele compara um surto desse com uma ‘gripezinha’, quando ele autoriza que os cultos e missas continuem ocorrendo e se põe contrário a governadores que estão tomando medidas para conter a evolução da crise e difusão da doença, e quando ele, principalmente, comparece a um ato público que é um ato que se constitui em uma tragédia para a democracia”.
O coronel da PM também disse que em todos os seus 27 anos como deputado federal, Bolsonaro nunca atuou em favor das Forças Armadas. Segundo Glauco, “havia uma contrariedade imensa nas Forças Armadas em relação a Bolsonaro”, “porque eles consideravam o Bolsonaro uma pessoa desordeira, uma pessoa desqualificada e indisciplinada. Essa era a visão das Forças Armadas”.