Disse também outras besteiras como a de que o Brasil esteve “à beira do socialismo” nos governos petistas
Em discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), na terça-feira (24), Jair Bolsonaro destilou seu ódio visceral à mídia do Brasil e internacional e aos órgãos de pesquisa e controle ambiental, ao tentar convencer os chefes de Estado presentes à sessão que as queimadas e o desmatamento na Amazônia não existem, “são invenções” de jornalistas, esquerdistas e ONGs.
MÍDIA MENTIROSA
“Ela [Amazônia] não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia. Cada um de vocês pode comprovar o que estou falando agora”, afirmou Bolsonaro.
Certamente as imagens do fogo e do desmatamento descontrolado, além da fumaça preta que escureceu São Paulo em pleno dia há algumas semanas, foi tudo invenção de “esquerdistas” infiltrados na mídia, nas escolas, nas universidades, nos cinemas, nos teatros, etc. Aliás, foi exatamente isso o que ele disse, que o “socialismo” tomou conta de todo o Brasil nas últimas décadas. E que Cuba mandou para cá 10 mil agentes disfarçados de médicos.
Com dificuldade para ler o discurso gravado no teleprompt, Bolsonaro chamou de “ataques sensacionalistas” da mídia brasileira e mundial as notícias e os alertas sobre o descalabro e a destruição que vêm ocorrendo nas florestas da Amazônia e no cerrado do Centro-Oeste do país, acelerados intensamente depois de sua posse na Presidência, no início do ano.
ATAQUES AO INPE
A devastação, que Bolosonaro diz que não existe, e que todo o mundo vê, é fruto exatamente de sua política criminosa de desmonte dos órgãos de fiscalização, entre eles o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), cujo presidente, o cientista Ricardo Galvão, foi afastado por ter revelado o aumento do desmatamento.
O desastre bolsonarista na Amazônia é resultado, enfim, do estímulo de seu governo – ou melhor, de seu desgoverno – à exploração ilegal de madeira, do garimpo, da pecuária predadora, etc. Bolsonaro usou suas rede sociais para fazer apologia da impunidade aos crimes ambientais e ameaçou servidores públicos que cumpriram sua obrigação legal ao destruírem equipamentos de quadrilhas desbaratadas.
“Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado”, disse Bolsonaro na ONU. “A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos”, acrescentou, numa clara demonstração de que pretende avançar na devastação das florestas e não pretende preservar Amazônia coisa nenhuma.
E não é à toa que ele fez questão de citar, elogiar e agradecer ao seu ídolo, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, por uma suposta “ajuda” à sua “defesa” da Amazônia. Bolsonaro não defende a Amazônia coisa alguma. Não defende sua biodivesidade e nem a sua exploração sustentável. Quer simplesmente vendê-la aos EUA e entregar suas riquezas às multinacionais.
NEGÓCIOS COM OS EUA
Ele propõe abertamente que tem que fazer negócios com os EUA na Amazônia. Tanto que, em julho, ao justificar, em entrevista ao Estadão, a indicação de seu filho, Eduardo Bolsonaro, para a embaixada brasileira naquele país, ele abriu o jogo sobre suas reais intenções na região.
Veja o que ele disse, ao comentar sobre a reserva Ianomâmi.
“Raros são os municípios que têm menos de nove mil habitantes. É justo isso? Terra riquíssima. Se junta com a (reserva) Raposa Serra do Sol é um absurdo o que temos de reservas minerais ali. Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso a minha aproximação com os Estados Unidos. Por isso eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos Estados Unidos”, disse o presidente, referindo-se ao próprio filho.
“Estamos prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo nosso potencial”, acrescentou. Esse “sustentável” dele deve ser o mesmo que foi feito na Serra dos Navios, no Amapá, de onde os EUA e a sua Bethlehen Steel, retiraram nas décadas de 60 e 70 todo o manganês da região deixando, ao final, apenas um buraco gigante no lugar da montanha.
Entre os “negócios” de Bolsonaro e Trump na Amazônia, além da “parceria” para a exploração e extração de minérios e outras riquezas, está a compra pelo governo brasileiro de um sistema de monitoramento de uma empresa americana, em substituição ao INPE, uma instituição altamente respeitada em todo o mundo científico por sua provada capacidade de monitorar áreas de desmatamento.
Afinal, “o livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil”, apontou em seu discurso o capitão “cavalão”, como era conhecido no quartel, antes de ser obrigado a largar a farda por indisciplina.
O governo atacou o INPE para entregar o controle da Amazônia para os Estados Unidos.
O Ministério do Meio Ambiente, dirigido por um condenado por crimes ambientais em São Paulo, Ricardo Sales, fez uma licitação dirigida para beneficiar a empresa americana Planet, que no Brasil é associada ao grupo Santiago & Cintra Consultoria, em substituição ao consagrado sistema operado pelo INPE. Esta é a “ajuda” de Trump à Amazônia.
Por tudo isso, a plateia da ONU ouvia com ceticismo e em silêncio às frases vazias do tipo “somos um dos países que mais protegem o meio ambiente”. Ou “o meu governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo”. Esse “mundo que vai se beneficiar” com sua política, a que se refere Bolsonaro, certamente são os Estados Unidos e, quem sabe, Israel.
DESRESPEITO AOS ÍNDIOS
A ONU viu também um presidente desrespeitar as comunidades indígenas de seu país, ao apresentar, a tiracolo, como uma suposta líder indígena, uma digital-influencer com a cabeça feita, de Embu das Artes, município vizinho de São Paulo.
A senhorita Ysany Kalpalo foi levada por Bolsonaro como porta-voz dos índios brasileiros do Xingu para apoiar sua política de fim das demarcações de terras indígenas, extermínio de populações vulneráveis e desmonte dos órgãos de defesa do meio ambiente.
Até uma carta apócrifa foi lida por ele como sendo de um “grupo de Agricultores Indígenas do Brasil” apoiando sua manobra com a índia para justificar o desflorestamento na Amazônia e em outras regiões do país.
Caciques de 16 povos indígenas do território do Xingu, em Mato Grosso, e a Associação Terra Indígena Xingu repudiaram a farsa e protestaram contra o uso por Jair Bolsonaro da indígena Ysani Kalapalo.
Ysani é bolsonarista, defende o presidente nas redes sociais e está com frequência em Brasília, em apoio a atos da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Ela não conta com apoio das lideranças do Xingu, nem mesmo do cacique dos kalapalo. Tudo não passou de uma jogada para obscurecer sua política criminosa em relação aos índios e ao meio ambiente.
COMBATE AO TERRORISMO
Foi patético também Bolsonaro bajular Trump em outros temas como um suposto “combate ao terrorismo”, tema prioritário para os falcões da guerra daquele país. Bolsonaro fez demagogia, de que estaria “expulsando” supostos terroristas, mas seu governo e sua família estão afundados até a medula com milicianos que aterrorizam a população da cidade do Rio de Janeiro.
Inclusive há um vizinho de condomínio e outro homenageado do filho, que são responsáveis por um bárbaro, e ainda não resolvido, atentado terrorista que vitimou a vereadora Marielle Franco. Sobre isso, não falou nada.
Falou sobre respeito aos direitos humanos, como se não tivesse ficado calado por três dias com a morte trágica da menina de 8 anos, Ágatha Félix, na última sexta-feira, baleada nas costas por policiais, estimulados por sua defesa intransigente da violência e da ampliação do excludente de ilicitude.
As atitudes de Bolsonaro revelaram ao mundo o seu farisaísmo, seu fascismo, sua demagogia e seu servilismo aos ditames dos interesses americanos. Deixou claro que suas medidas de perseguição aos órgãos de fiscalização, às ONGs, à mídia e a sua subserviência aos interesses de empresas norte-americanas são o que realmente colocam em risco a soberania sobre a Amazônia.
SOCIALISMO
Essas e outras manifestações que envergonham o país, como por exemplo, a fantasiosa declaração de que o Brasil esteve “à beira do socialismo” com os governos do PT, marcaram o primeiro discurso de Bolsonaro na ONU.
Esses episódios levantados por Bolsonaro na ONU não mereceriam grandes considerações a não ser para avaliar o quão avançado está o distúrbio mental que acomete o sujeito.
Essa conversa fiada de “ameaça socialista” é para esconder o desastre que é o seu governo. E, é claro, para também, mais uma vez, ele poder se oferecer para Trump. Fez a proposta ridícula de “combate conjunto contra os perigos do socialismo e da vizinha Venezuela”. Como podemos ver, não foi por acaso a continência de Bolsonaro à bandeira americana. Ele foi na ONU para reafirmar perante o mundo a sua “adoração” e sua subserviência a Donald Trump.