“Podemos perdoar o Holocausto”, provavelmente, estas palavras são as mais estúpidas já ditas por um chefe de Estado desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo assistia estarrecido às infaustas visões dos campos de extermínio de Maidanek, Bergen-Belsen, Dachau, Auschwitz, uma lista que parecia não terminar de centros de horror, com a visão das valas comuns de corpos em pele e osso, ou dos esquálidos sobreviventes com números tatuados nos antebraços.
O presidente de Israel, Reuven Rivlin, esteve entre os primeiros a responder à agressão: “Nunca vamos esquecer e nunca vamos perdoar”. E prosseguiu chamando Bolsonaro à sua responsabilidade: “Líderes políticos são responsáveis por moldarem o futuro”.
Bolsonaro, ao pronunciar aquelas palavras em público, diante de religiosos, na condição de presidente de mais de 200 milhões de seres de um país que foi o único na América Latina a enviar soldados para o heroico combate à besta nazista, um país que abriga milhares de descendentes do genocídio praticado pelo nazismo, colocou-se fora do mundo civilizado.
Fora da civilização sim pois, ainda sob a desafiadora impressão dos campos da morte para onde foram levados judeus, ciganos, homossexuais, deficientes, líderes da esquerda, socialistas e comunistas, a Assembleia Geral da nascente ONU aprovou, a Resolução 96, em dezembro de 1946, afirmando que o “genocídio é um crime contra o direito dos povos…e é condenado por todo o mundo civilizado”.
Reparem que aí está estabelecido que o crime de genocídio é condenado e não perdoado.
Portanto, em sua mais recente e criminosa incursão no debate sobre história e questões internacionais, Bolsonaro teve a impressionante capacidade de agredir, de forma inaceitável, em um espaço de poucos dias, toda a comunidade internacional, a memória humana como um todo e a dos judeus, em particular.
Dias antes, em um esforço para aliviar os seus pares direitistas, afirmara, à saída do Yad Vashem, museu israelense que mantém a memória do sofrimento imposto a milhões naqueles dias de guerra e extermínio, que “o Nazismo foi sem dúvida um movimento de esquerda”.
Um atentado à memória dos honrados homens e mulheres de esquerda que dedicaram toda sua energia, e em milhões de casos, suas vidas, para debelar o flagelo nazista, cujas premissas fundacionais, o racismo, o supremacismo racial, o colonialismo, a dominação de outros povos pela guerra, o recurso ao extermínio, são infelizes alimentos para as campanhas direitistas, ainda nos dias de hoje, e em diametral oposição aos ideais da esquerda, de amizade entre os povos, ideais que foram os alicerces sobre os quais a Humanidade foi capaz de se erguer, se unir e derrotar o nazismo.
Tanto uma como a outra das duas declarações bolsonaristas são também vis atentados aos que ergueram nos campos de batalha da Europa a bandeira brasileira no momento mais elevado de nossas Forças Armadas. Um atentado aos expedicionários que dedicaram suas vidas jovens naqueles combates.
Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio
Logo ao final da Segunda Guerra e diante dos crimes perpetrados pelo nazismo, a Assembleia Geral da ONU resolveu, em 1946, considerar o genocídio um crime contra o direito dos povos e deixou claro que é um flagelo odioso condenado por todos o mundo civilizado.
Depois de todo aquele sofrimento, todos os países à época reunidos na Organização das Nações Unidas enxergaram, como principal legado daquelas preciosas vidas perdidas de forma tão revoltante, definir o genocídio- tanto o perpetrado na Segunda Guerra como quaisquer posteriores, como crimes contra toda a Humanidade e foi com base neste incontornável princípio que se aprovou a Convenção Para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, com o voto unânime de todos os integrantes da ONU. Sendo assim a Assembleia Geral da ONU, desde os seus primeiros passos se compromete a prevenir e punir.
Diz a Convenção:
“Reconhecendo que em todos os períodos da história o genocídio causou grandes perdas à humanidade;
“Convencidas de que, para libertar a humanidade de um flagelo tão odioso, é necessária a cooperação internacional;
“As partes contratantes [as representações nacionais] confirmam que o genocídio, seja cometido em tempos de paz ou em tempos de guerra, é um crime contra o direito dos povos, que desde já se comprometem a prevenir e punir“.
Antes disso, para julgar os oficiais nazistas, no Tribunal de Nuremberg, acompanhado de perto pelos líderes de todo o mundo, foram estabelecidos princípios válidos até hoje, entre eles a tipificação de crimes contra a humanidade:
Assassinato, extermínio, escravização, deportação e qualquer ato desumano contra a população civil, ou perseguição por motivos religiosos raciais ou políticos, quando ditos atos ou perseguições se fazem em conexão com qualquer crime contra a paz ou qualquer crime de guerra”.
Criminosa banalização do mal nazista
O fato de ser uma toupeira, como já foi capaz de fartamente demonstrar nestes 100 primeiros dias de governo, assim como ao longo de sua carreira parlamentar, não o isenta de veemente condenação por pedir perdão para tais crimes, exatamente porque a punição é a aplicação do direito dos ofendidos e porque faz parte do esforço de toda a Humanidade para que tais horrores não se repitam e, ainda mais, porque não compete a ele perdoar os que ofenderam a outrem.
Assim é. Pois, como da minuciosamente revelada idiotia de Adolf Eichman, que tinha como característica “sua impressionante capacidade de cumprir ordens”, como mostra Hannah Arendt, ao longo de seu livro, “Eichman em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal”, não o livra da participação como elemento central do crime de genocídio sob Hitler e Himler.
E mais, de suas duas declarações deve ficar claro que não é a uma falha de expressão, a um deslize devido a sua burrice, que se pode atribuí-las. É sim à sua adesão a uma ideologia que vem expressando ao longo de sua vida pública e que, aliás, se nutre da ignorância e a exalta.
Pois é isso o que deixou bem claro um dos líderes desta ideologia, o ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels: “Quando ouço falar de cultura, puxo logo da pistola”.
Aliviar o nazismo está, portanto, em linha com seu elogio à tortura e aos mais abjetos torturadores, com a admiração de dois dos mais funestos ditadores do continente, Stroessner e Pinochet, com a identidade com os milicianos e seus métodos criminosos, com a bajulação aos atuais ocupantes da Casa Branca e em segui-los, premiando a ocupação da Jerusalém Árabe por Israel, prometendo abrir escritório diplomático em território conflitado, contra toda a comunidade internacional e em uma aberta afronta às resoluções da ONU.
Como afirmou o presidente de Israel: Não tem perdão!
Tanto assim que não foi sequer considerada a tentativa de se safarem da culpabilidade diante do Tribunal de Nuremberg, quando os oficiais afirmaram que executaram o genocídio enquanto cumpriam “ordens superiores”. A esse respeito a Convenção que já mencionamos deixa claro: “As pessoas que tenham cometido genocídio…serão punidas, quer sejam governantes, funcionários ou particulares”.
Neste sentido, não pode haver perdão, também, para os que diante de suas funções públicas de chefes de Estado, atuem no sentido de minorar ou banalizar estes crimes.
A se lamentar a sabujice traidora da memória dos mortos nos campos de extermínio por parte do embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, que se indispôs com os judeus brasileiros para mentir, ao contrário do proclamado pelo presidente de seu próprio país, que as palavras de Bolsonaro “deixaram claro seu total repúdio ao maior genocídio da história, que foi o Holocausto”, quando tais declarações deixaram claro exatamente o oposto, o alinhamento de Bolsonaro com o perigo do negacionismo, pregação dos que tentam apagar os crimes nazistas sob a mal disfarça vontade repeti-los.
Em contraposição a estes absurdos, vozes que nos dão esperança na prevalência da justiça e do bem sobre o flagelo do mal, se levantaram e não foram poucas.
Entre eles, a própria direção do museu israelense Yad Vashem: “Nós discordamos da declaração do presidente brasileiro de que o Holocausto pode ser perdoado”.
O lamaçal não para por aí. Mesmo quando advertido pelo embaixador israelense de que sua declaração pegou mal, Bolsonaro evitou se desculpar pelo absurdo e disse que sua fala estaria em um contexto mais amplo do perdão cristão e pôs a culpa na “mídia de esquerda” que teria causado “má interpretação” de suas palavras…
Da nossa parte, o respeito para com os que ousaram se levantar com gigantesca determinação e coragem, mesmo em inferioridade militar extrema, como os combatentes do Gueto de Varsóvia, os que representaram aí a Humanidade – como condensado nas palavras da pintora judia, Gela Seksztajn, que perdeu a vida durante o levante do Gueto: “Povos do mundo! Não deixeis que tal crime volte a ocorrer!”- não nos permite esquecer nem perdoar. Nem os crimes de genocídio durante a Segunda Guerra, nem o absurdo que Bolsonaro acaba de cometer.
NATHANIEL BRAIA
Bibliografia consultada:
ARENDT Hannah – Eichman em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal – Companhia das Letras – São Paulo – SP , 2013
MARK Bernard – O levante do Gueto de Varsóvia – Editorial Vitória – Rio de Janeiro – RJ, 1958
Lamentável isso!! Aí eu pergunto, como um homem com esse tipo de pensamento pode governar um país como o Brasil? Ainda bem que não votei e nunca votarei nele!!!
Sem noção; este cidadão sabe ler colocaram um ignorante pra presidente