E agrediu a sociedade: “trabalho excepcional do Pazuello, tremendo gestor”, falou, após a morte de dezenas de pessoas por falta de oxigênio no Amazonas
Jair Bolsonaro afirmou neste sábado (30) que o governo federal não tinha obrigação nenhuma de garantir o envio de oxigênio para a cidade de Manaus durante o caos que levou dezenas de pessoas à morte por falta de tubos de oxigênio. “Não é competência nossa e nem atribuição levar o oxigênio para lá, demos os meios”, disse ele, acrescentando que “o governo federal enviou R$ 9 bilhões para o estado do Amazonas em 2020”.
Numa atitude carregada de cinismo, Bolsonaro ainda agrediu a sociedade elogiando o “trabalho” de Pazuello durante a crise. Trabalho este que resultou nas dezenas de mortes por asfixia, já que o ministro não garantiu o envio dos torpedos em tempo hábil. “Trabalho excepcional do Pazuello, tremendo gestor”, disse o presidente.
E, invertendo completamente a realidade, Bolsonaro afiançou o seu subordinado pelas mortes ocorridas em Manaus. “Pode investigar o Pazuello, não tem problema nenhum, não tem omissão. Ele trabalha de domingo a domingo, vira noite. Eu duvido que outra pessoa, né, teria tido a resposta que ele está dando”, disse o presidente.
Esse trabalho “de domingo a domingo” de Pazuello, já tinha sido responsável pela total inação do Ministério da Saúde, pelo atraso nas vacinas, pelos testes perdidos e pela não compra das seringas e agulhas necessárias à vacinação, entre outras coisas.
“Agora, ele (Pazuello) ficou sabendo em uma sexta-feira do problema do gás e na segunda foi em Manaus, na terça programou tudo e na quarta começou a chegar já o oxigênio lá com aviões da força aérea e balsa”, disse Bolsonaro, em mais uma mentira, desmentida por todos os órgãos que estão investigando o caso. Pazuello sabia oito dias antes que o caos ia se instalar e não fez nada. O oxigênio só começou a chegar em Manaus no dia 12 de janeiro.
Ele mesmo admitiu isso em documento oficial do órgão. “Há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”, afirma um documento do ministro Eduardo Pazuello sobre o sistema de saúde de Manaus. O diagnóstico foi a principal conclusão de uma comitiva do Ministério da Saúde que visitou a capital do Amazonas mais de uma semana antes do colapso no sistema de saúde local.
Ele tanto não resolveu o problema do oxigênio que, como o próprio Bolsonaro admitiu, “começou a transportar o pessoal doente também de Manaus para outras capitais aí da redondeza em especial para os hospitais universitários”. Se tivesse resolvido, não precisava transferir os pacientes da cidade, inclusive aumentando a chance de espalhar o vírus mutante para outras regiões do país.
A sociopatia de Bolsonaro faz com que ele minta com o maior cinismo e sem um pingo de cerimônia. Os R$ 9 bilhões que ele afirma que enviou para o estado do Amazonas não foram exclusivamente para o combate à pandemia, como ele tenta fazer crer. Estava-se vivendo uma calamidade na cidade de Manaus.
Neste montante citado por Bolsonaro, que é uma verba dirigida a todo o estado e municípios, estavam incluídos recursos do Fundeb, destinados à Educação e recursos dos fundos de participação estaduais e municipais, que são transferências obrigatórias usadas para diversas despesas.
Ou seja, para a calamidade, não foi enviado nada de significativo. Tanto que sistema de saúde entrou em colapso, não havia leitos para internação e faltou até o básico que era o oxigênio para os hospitais e pronto socorros. Pessoas estavam morrendo por falta de oxigênio. O governo já sabia há oito dias do colapso. O governo não tomou providências, segundo as primeiras informações, porque não dispunha de aeronaves para transportar o oxigênio.
Depois viu-se que a demora se deu porque a atenção do governo e do Ministério da Saúde estava mais voltada para a distribuição de cloroquina e ivermectina, num total desrespeito às orientações da própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que deu parecer pela ineficácia dessas drogas, do que em atender a emergência da falta de oxigênio.
Nas primeiras semanas de 2021, pelo menos 30 pessoas morreram na capital do Amazonas em decorrência da falta de oxigênio hospitalar, um insumo que vital para tratar pacientes graves da Covid-19, que não conseguem respirar sem o oxigênio extra. O ministro Eduardo Pazuello, elogiado por Bolsonaro, está sendo investigado em inquérito do STF aberto pela Polícia Federal por omissão nessas mortes, já que ele sabia do iminente colapso pelo menos oito dias antes de ocorrer.
Leia aqui integra do pedido de abertura do inquérito contra Eduardo Pazuello.
A Procuradoria Geral da República (PGR), responsável pelo pedido de abertura do inquérito contra Pazuello, diz, num trecho de seu documento, que “de início, infere-se que apesar de ter sido observado o aumento do número de casos de covid-19 já na semana do Natal, o Ministro da Saúde optou por enviar representantes da pasta a Manaus apenas em 3/1/2021, uma semana depois de ter tomado conhecimento da situação calamitosa em que se encontrava aquela capital”.
O pedido também mostra que o Ministério da Saúde foi avisado sobre a possibilidade de falta de oxigênio hospitalar em Manaus no dia 8 de janeiro, pelo gerente local da White Martins, Petrônio Bastos. A empresa é a maior fornecedora do insumo no país. Em vez de providenciar o envio de mais cilindros de oxigênio para a capital amazonense, representantes do Ministério da Saúde se limitaram a visitar as instalações da empresa em Manaus, diz o pedido da PGR.
Um outro fato que despertou suspeitas na PGR foi que, no dia 14 de janeiro, portanto seis dias depois de Eduardo Pazuello já estar a par oficialmente do colapso no sistema de saúde de Manaus, o ministério fez a entrega de 120 mil unidades de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. O ministro ainda anunciou, já no meio de crise, com pessoas morrendo asfixiadas, a criação de uma força-tarefa, não para o oxigênio, mas (pasmem) para fiscalizar se os postos de saúde estavam receitando cloroquina e ivermectina para os pacientes.
A partir daí, o ministro passou a entrar na mira do Ministério Público, do Supremo e da Polícia Federal, além de um forte repúdio da sociedade. Pazuello pode ser responsabilizado de duas formas: pelo crime de prevaricação; e por improbidade administrativa. “Em tese, a investigação poderia resultar na imputação do crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, com pena de até um ano de detenção”, diz a advogada criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, do escritório Castelo Branco Advogados.
S.C.