Em evento público, os dois silenciam
Funcionários fantasmas, desvio de salários, conta milionária pega por Coaf
Jair Bolsonaro e seu filho Flávio recusaram-se a falar em evento em Duque de Caxias (RJ), na segunda-feira (17), sobre o escândalo envolvendo Fabrício Queiroz, um aprochegado de Bolsonaro-pai há mais de 30 anos – e motorista de seu filho na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Queiroz era uma espécie de babá do filho de Bolsonaro, eleito deputado estadual devido exclusivamente ao pai – e um risco político permanente. Além disso, pelo visto, coletava dinheiro dos funcionários, que depositavam parte de seu salário na conta de Queiroz.
Já se sabe, portanto, de onde Bolsonaro tirou a história de que o governo de Cuba confiscava parte dos salários de seus médicos…
Queiroz foi homenageado duas vezes, oficialmente, por iniciativa dos filhos de Bolsonaro.
A primeira foi em 2003, quando o deputado estadual Flávio Bolsonaro pediu à mesa da Assembleia Legislativa que inscrevesse “nos Anais desta Casa de Leis, Moção de Louvor e Congratulações ao ilustre Sargento PM Fabrício José Carlos de Queiroz” por sua “dedicação, brilhantismo e galhardia“.
A homenagem foi aprovada pela Assembleia.
A segunda vez foi quando o vereador Carlos Bolsonaro propôs que a Câmara de Vereadores do Rio condecorasse Fabrício Queiroz com a Medalha Pedro Ernesto, a mais alta condecoração do município do Rio de Janeiro.
A condecoração foi aprovada pelo plenário da Câmara no dia 4 de outubro de 2006.
MUNDO REAL
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações financeiras de R$ 1,2 milhão, na conta de Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, sem que o titular da conta tivesse renda que explicasse tal movimento.
Queiroz também fazia depósitos e transferia dinheiro. Por exemplo, foi identificada uma transferência de R$ 24 mil, através de cheque, para a conta da mulher de Jair Bolsonaro. Segundo este, o dinheiro era pagamento de um empréstimo que fez a Queiroz – ao todo, segundo Bolsonaro, R$ 40 mil foram depositados na conta de Michele Bolsonaro.
No evento da segunda-feira, após os pronunciamentos dos dois políticos, repórteres e cinegrafistas foram levados a uma sala onde Jair Bolsonaro daria uma entrevista e falaria sobre o assunto.
Mas Bolsonaro e seu filho saíram fortuitamente por uma outra porta – e deixaram o local sem falar com a imprensa.
As perguntas são: de onde veio o dinheiro movimentado pelo motorista de Flávio Bolsonaro? Por que Queiroz, o motorista, desapareceu?
A filha de Fabrício Queiroz, Nathalia Queiroz, foi nomeada em 2016 por Jair Bolsonaro para ocupar o cargo de Secretária Parlamentar em seu gabinete, na Câmara dos Deputados, com um salário bruto de R$ 10.088,42.
Nathalia não trabalhou nesta função e nem se mudou para Brasília. Permaneceu no Rio de Janeiro, exercendo sua profissão de personal trainer. Segundo dados oficiais da Câmara dos Deputados, ela recebeu R$ 250 mil entre salários e auxílios, em quase dois anos em que esteve lotada no gabinete do presidente eleito. Seus clientes, no Rio, nunca suspeitaram que ela tinha um cargo na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Entre as movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, o relatório do Coaf – que, por conta da Operação Furna da Onça, investiga movimentações ilícitas de funcionários da Alerj – apontou depósitos suspeitos de R$ 97.641,20, feitos por Nathalia Queiroz.
Outros oito funcionários também faziam, segundo o Coaf, depósitos repetidos na conta de Fabrício Queiroz.
Um desses funcionários, Wellington Servulo Romano da Silva, nem mesmo morava no Brasil. Ele residia, e continua a residir, em Portugal, mas recebe salários da Alerj – e depositava parte do que ganhava na conta de Queiroz.
O relatório do Coaf mostra que Nathalia Queiroz repassou para a conta do pai, dependendo do mês, entre 72,23% e 99% do que recebeu da Alerj.
A esposa de Fabrício Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, também contratada por Flávio Bolsonaro pela Alerj, repassou entre 31% e 46% – dependendo do mês – para a conta do marido.
Outra funcionária, Luiza Souza Paes, transferiu entre 24,8% e 33,5% do seu salário para a conta de Queiroz.
Além disso, 57% dos depósitos feitos na conta de Fabrício Queiroz ocorreram no dia do pagamento dos salários na Alerj ou até três dias úteis depois (cf. Wilson Tosta, Constança Rezende e Fabio Serapião, Funcionários de Flávio Bolsonaro repassaram até 99% dos salários, OESP 15/12/2018).
Jair Bolsonaro reagiu com irritação quando foi questionado sobre a dupla militância de sua funcionária/personal trainer: “Ah, pelo amor de Deus! Pergunta para o chefe de gabinete. Eu tenho 15 funcionários comigo”.
Até agora ninguém conseguiu falar com o chefe de gabinete de Bolsonaro, nem com Fabrício Queiroz, nem com Nathalia Queiroz – que até do Instagram desapareceu. Nathalia, rapidamente, apagou sua página no Instagram e trocou o número de telefone.
Flávio Bolsonaro vem se esquivando como pode. Divulgou nota, dizendo que não há “qualquer ilegalidade ou irregularidade” na atuação de Nathalia Queiroz em seu gabinete. “Ela foi nomeada durante o período de 12 de agosto de 2011 a 13 de dezembro de 2016. A descentralização de gabinetes e funcionários sempre foi permitida mediante a aplicação subsidiária de ato da Câmara dos Deputados e, posteriormente, por Ato da Mesa Diretora da própria Alerj”, diz a nota, como se alguém quisesse saber disso.
Sobre o funcionário que não morava no Brasil, e recebia salário de seu gabinete, o deputado disse que não sabia que seu funcionário morava em Portugal. Afinal, Madureira, Ipanema ou Portugal, que diferença faz onde o sujeito mora? Apenas o Oceano Atlântico pelo meio…
Nove funcionários depositaram na conta de Fabrício Queiroz: Márcia Oliveira Aguiar, Nathalia Melo de Queiroz, Evelyn Melo de Queiroz, Agostinho Moraes da Silva, Jorge Luís de Souza, Luiza Souza Paes, Raimunda Veras Magalhães, Wellington Rômulo da Silva e Márcia Cristina Nascimento dos Santos.
Antes de ser nomeada para o gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília, Nat Queiroz, como é conhecida entre os personal trainers cariocas, sempre teve um cargo na Alerj, desde os 18 anos de idade, nomeada por Flávio Bolsonaro.
Confiscar salários de funcionários em proveito próprio é um dos esquemas mais comuns de roubo de dinheiro público entre deputados tão medíocres quanto sem escrúpulos.
É exatamente esse o caso de Geddel Vieira Lima (v. PGR denuncia Geddel, Lúcio e a mãe por se apropriarem dos salários de assessores).
É esse, também, o caso de Agripino Maia, que acaba de ser denunciado pela Procuradoria Geral da República por “nomear e manter durante sete anos um funcionário fantasma ligado ao seu gabinete”, método que fez com que “desviasse da União quase R$ 600 mil” (v. a íntegra da denúncia da PGR).
Como no caso de Flávio Bolsonaro, o dinheiro era depositado na conta de um preposto de Agripino.
SÉRGIO CRUZ