Em carta enviada ao ministro Celso de Mello, juiz mais antigo do Supremo Tribunal Federal, o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, diz que “manifestações mais emocionais, ocorridas nestes últimos tempos, se mostram fruto da angústia e das ameaças sofridas neste processo eleitoral”.
Na segunda-feira (22/10), ao tomar conhecimento do vídeo de um dos filhos de Bolsonaro, declarando que, “se quiser fechar o STF, você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo. Não é querendo desmerecer o soldado e o cabo, não”, Celso de Mello emitiu nota, apontando que “essa declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso Nacional, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República”.
A íntegra da carta de Bolsonaro é a seguinte:
“Senhor Ministro,
“Tomo a liberdade de encaminhar esta carta à Vossa Excelência, diante do noticiário recente.
“É meu dever, como cidadão, manifestar meu apreço por Vossa Excelência, seja pela conduta impecável no exercício de jurisdição, seja pela forma ponderada como sempre se manifesta ao público.
“Quero, por escrito, deixar claro que manifestações mais emocionais, ocorridas nestes últimos tempos, se mostram fruto da angústia e das ameaças sofridas neste processo eleitoral.
“O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição e todos temos de prestigiar a Corte.
“Cordialmente,
Jair Messias Bolsonaro.”
O filho de Bolsonaro declarou, em mensagem publicada nas “redes sociais”, que não havia “motivo para alarde. Se fui infeliz e atingi alguém, tranquilamente peço desculpas e digo que não era a minha intenção”.
DIREITOS
Na terça-feira, o ministro Marco Aurélio de Mello, ao chegar ao prédio do STF, reafirmou o que dissera no do dia anterior: que as declarações do filho de Bolsonaro “preocupam. Acho que a ponderação é indispensável, e saber conviver com ideias diferentes”.
Em conferência no Rio de Janeiro, o ministro Luís Roberto Barroso disse que, independente do candidato que for eleito presidente no segundo turno das eleições, “quem ganha tem o direito de governar, mas tem o dever de respeitar as regras do jogo e os direitos de todos”.
“Isso não significa renunciar à própria convicção, mas entender e respeitar a posição do outro, que é algo que precisamos no Brasil, nessa hora de renovar os votos democráticos”.
Segundo Barroso, há espaço no país para todas as espécies de pensamento, exceto os “projetos desonestos e autoritários. Essa é a única vigilância que temos que manter permanente: respeito às regras do jogo, aos direitos de todos e não aceitação de nenhum projeto que não tenha integridade e que não seja democrático e seja autoritário”.
“Democracia”, disse o ministro, “é o regime de governo em que a maioria governa e quem perde não perde seus direitos. Queremos mais liberdade, sistemas mais justos”.
IMPRÓPRIO
Em entrevista concedida em Brasília, o ministro Gilmar Mendes se referiu diretamente às declarações do filho de Bolsonaro:
“Ali se fala que com um cabo e um soldado fecha o tribunal. Quando se faz isso, você já fechou alguma coisa mais importante, que é a própria Constituição. É bom lembrar que nem os militares fecharam o Supremo Tribunal Federal. Houve cassação de mandatos de três ministros em 1969, mas não houve fechamento de tribunal, de modo que esse tipo de referência é absolutamente impróprio, inadequado, precisa ser repudiado e acho que o país tem que voltar a respirar ares democráticos, independente do resultado eleitoral.
“A própria referência a um cabo e um soldado é imprópria, porque as Forças Armadas são instituição do Brasil, do Estado, não de um partido político. Quando se diz ‘nós vamos usar um cabo e um soldado’, na verdade está se usando as Forças Armadas como milícia, como polícia. Isso não é próprio. As Forças Armadas são um esteio do sistema hoje”.
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