Um oficial-general declarou que, agora, depois do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assinado na tarde de sexta-feira, o Exército terá de apagar o incêndio ateado por Bolsonaro (cf. Exército vai apagar incêndio criado pelo presidente, OESP 24/08/2019).
O general referia-se, fundamentalmente, ao incêndio político.
No que, evidentemente, tem razão: Bolsonaro está, mais uma vez, se escondendo atrás das Forças Armadas, no momento em que seus atos e declarações levaram a uma repulsa geral no país em torno da questão do meio ambiente, inclusive, dizem as pesquisas, entre seus apoiadores.
Mas, além disso, sobre o ateamento do incêndio por Bolsonaro, isso é verdade também em relação ao fogo propriamente dito (e, antes que algum bolsonarista de ideias pouco cultivadas entenda que estamos dizendo que Bolsonaro foi até à floresta amazônica com uma caixa de fósforos, esclarecemos que a tolice cabe a quem tem um entendimento tolo).
Os incêndios, segundo os cientistas, seguem sempre o desmatamento. Como frisou um pesquisador, os 10 municípios atualmente mais afetados pelos incêndios são também os municípios mais desmatados:
“… quando a floresta é cortada para dar lugar à agropecuária, acabam surgindo pequenas ilhas de floresta, chamados tecnicamente de fragmentos florestais. Como esses fragmentos estão isolados, as bordas deles ficam expostas. A luz solar e o vento entram com muito mais força pelos cantinhos. Isso diminui a umidade e aumenta a temperatura desses pedaços de floresta, o que aumenta o risco de incêndio. A gente chama isso de ‘efeito de borda’. Não é coincidência que os dez municípios mais desmatados foram também os que tiveram mais focos de incêndio” (cf. Maria Clara Rossini, Como o desmatamento ilegal alimenta os incêndios na Amazônia; v., também, o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O que, evidentemente, não elimina que alguns desses incêndios – talvez não poucos – sejam diretamente intencionais, ateados para eliminar a floresta, com o objetivo de usar a terra para outras atividades.
APARIÇÃO
O discurso de Bolsonaro, sexta-feira (23/06), na TV, poderia parecer coisa de maluco – se não fosse coisa de covarde.
Bem mereceu o panelaço com que foi acompanhado em algumas grandes cidades do país.
Bolsonaro acaba de exonerar um dos mais renomados cientistas brasileiros, Ricardo Galvão, da diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, porque o órgão constatou o aumento do desmatamento na Amazônia.
Ele, inclusive, ofendeu o cientista – que respondeu, não diríamos à altura, pois tal não se aplica a Bolsonaro, mas com uma dignidade exemplar, daquela espécie que fez a fama popular de Bonifácio, Caxias e Rui.
Bolsonaro fez isso para negar o aumento do desmatamento na Amazônia – aliás, acompanhado por uma turma repugnante de puxa-sacos, a começar pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e pelo do Meio Ambiente, Ricardo Sales.
Mas é melhor expor o que disse Bolsonaro:
“A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos. Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir explicar aqui em Brasília esses dados aí que passaram para a imprensa. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum” (v. HP 20/07/2019, Desmatamento: atitude de Bolsonaro é “pusilânime, covarde”, afirma diretor do Inpe, grifo nosso).
Em seguida, anunciou que o monitoramento do desmatamento seria privatizado.
Pois esse mesmo sujeito apareceu sexta-feira, na TV, recitando sofrivelmente um texto, para dizer que “a proteção da floresta é nosso dever. Estamos cientes disso e atuando para combater o desmatamento ilegal”.
O desmatamento, portanto, passou a existir.
E, outra vez, escondeu-se atrás das Forças Armadas:
“Devido à minha formação militar e a minha trajetória como homem público, tenho profundo amor e respeito pela Amazônia.”
Isso é mentira. Não somente a parte do “amor e respeito pela Amazônia”, de um sujeito que não tem amor e respeito por nada.
Mas também a parte da “formação militar”.
A maçã podre, dentro de um balaio, é apenas podridão – e não maçã. Tanto assim que não é prudente comê-la.
A “formação militar” de Bolsonaro, apesar do esforço de seus professores e comandantes, revelou-se no plano de colocar algumas bombas de baixo teor explosivo em instalações militares, para afrontar seus superiores (v. HP 16/08/2018, Terrorismo de baixa potência).
Nada mais longe da formação militar, ou seja, do espírito de Caxias – aquele que, disse um de seus principais biógrafos, “ninguém, como ele, soube até hoje mostrar neste país como é que se cumpre uma ordem” (cf. E. Vilhena de Moraes, Caxias em S. Paulo, Calvino Filho, 1933, p. 41).
Também é mentira que “somos um governo de tolerância zero com a criminalidade e na área ambiental não será diferente. Por essa razão, oferecemos ajuda a todos os estados da Amazônia Legal”.
Quanto à criminalidade em geral, sua aderência às milícias, seu uso da Presidência para impedir as investigações sobre seu filho, Flávio Bolsonaro, são um comentário suficiente.
Quanto à criminalidade na área ambiental, é o tema deste artigo.
E não é verdade que ele tenha oferecido ajuda aos Estados da Amazônia Legal.
Os Estados do Pará, Acre, Roraima e Rondônia pediram oficialmente ajuda – e receberam, em troca, acusações de que seus governadores eram responsáveis pelos incêndios.
Quanto a outro Estado da Amazônia Legal, o Maranhão, a ordem de Bolsonaro foi “nada” para o governador Flávio Dino (PCdoB): “Para este aí do Maranhão, nada. Daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara” (v. HP 20/07/2019, Governadores do Nordeste repudiam racismo e retaliações de Bolsonaro e HP 22/07/2019, Flávio Dino: “Não tenho medo de ditador, de subditador, de projeto de ditador”).
Porém, o mais ridículo é Bolsonaro, depois da crise instalada, querer se passar, agora, por defensor da “soberania nacional”, como fez no sábado: “dói na alma ver brasileiros não enxergando a campanha fabricada contra a nossa soberania na região”.
Há controvérsias sobre se ele possui uma alma. Porém, deixando isso de lado, Bolsonaro queria instalar uma base militar dos EUA na Amazônia – e somente não consumou essa aberração devido à reação do país, em especial, dos militares.
É esse o neo-defensor da “soberania nacional”.
Mas existe, ainda, outra mentira: a “campanha fabricada”.
Já houve muitas campanhas fabricadas contra o Brasil, e, particularmente, contra a nossa Amazônia – ou com motivo de assaltá-la.
Somente que, no momento, quem está fazendo campanha contra a Amazônia é Bolsonaro.
O que significa toda a sua campanha pelo desmatamento?
O que significa, nas palavras de um biólogo, o “desmonte das iniciativas de combate ao desmatamento e desmate liberado pela interrupção da fiscalização”?
No momento, o principal inimigo da Amazônia brasileira é Bolsonaro.
Não há demagogia estúpida que possa negá-lo, desde que saíram os dados de desmatamento de junho, piorados em julho (v. HP 06/07/2019, Aumento de 88% do desmatamento da Amazônia é início do “apagão ambiental”).
Aliás, talvez seja preciso dizer claramente que, por pior que seja o presidente francês Emmanuel Macron – e ele é muito, mas muito ruim – Bolsonaro, esse servo de Trump, é ainda pior para o Brasil.
INFLAMAR
O então presidente do Inpe, professor Ricardo Galvão, disse algo importante, ao explicar o aumento do desmatamento na Amazônia:
“… o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou”.
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro defendeu a extinção do Ministério do Meio Ambiente e prometeu “acabar com a indústria das multas do Ibama”. Segundo disse:
“As multagens (sic), é um absurdo o que estão fazendo, as multagens que estão fazendo junto aos produtores (…). Querem matar o homem do campo. Nós inclusive pensamos em fundir o Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Aí vai acabar a brincadeira, vai acabar a brincadeira dessa briga entre ministérios. E quem vai indicar vão ser os homens do campo, são as entidades que vão indicar.”
Que homens do campo?
Ele esclareceu quais eram, ao nomear um miliciano da UDR, o sr. Nabhan Garcia, para titular da Secretaria de Assuntos Fundiários.
O prestígio de Garcia com Bolsonaro é tanto, que ele derrubou um general – o excelente general Franklimberg Ribeiro de Freitas – que ocupava a presidência da Funai, para colocar um protegido (v. HP 01/12/2018, Bolsonaro coloca chefe da milícia da UDR para tratar da reforma agrária e HP 12/06/2019, Bolsonaro exonera general presidente da Funai a pedido do chefe da milícia rural).
Bolsonaro frequentemente repete, como um boneco de ventríloquo, as frases desse Nabhan Garcia (por exemplo, a história da “indústria de multas do Ibama”). Segundo Garcia, isso acontece porque Bolsonaro não é um proprietário rural, e, por isso, necessita da sua assessoria.
Nabhan Garcia é um desses sujeitos que trocam, intencionalmente, alhos por bugalhos na frente de todos – e, claro, não engana ninguém, exceto, talvez, a si próprio, quando pensa que enganou alguém.
Por exemplo, ninguém se enganou sobre o que ele queria dizer com: “Se um produtor rural qualquer comprar mil hectares de terra não vai poder desmatar porque eles falam de desmatamento zero? Isso é um absurdo”.
Como se o problema fosse os adeptos do desmatamento zero – e não a trupe dos que querem desmatamento 100%.
Ou, perguntado se há espaço para mais desmatamento: “É óbvio, o sujeito tem uma propriedade, comprou e pagou. A lei diz que em área de floresta eu tenho direito de abrir 20% e deixar 80% de reserva e, na área de cerrado, de abrir 65% e deixar 35% de reserva legal”.
Como se ele – e seus cúmplices – gostassem de cumprir a lei…
[Alguns exemplos desse extraordinário respeito à lei foram mostrados por Daniel Camargos, Ex-pistoleiro denuncia milícia em organização de Nabhan Garcia, secretário de Bolsonaro, Repórter Brasil, 05/04/2019; e Ciro Barros, “Desfaça tudo essas reservas”, diz produtora a secretário em reunião de fazendeiros do Pará com governo federal, Agência Pública, 22/04/2019.]
Em suma, “homem do campo”, para Bolsonaro, é o grileiro, o miliciano rural, o desmatador desbragado. Por isso, Nabhan Garcia tornou-se o sub-ideólogo desse governo, somente superado pelo Rasputin da Virginia.
Não é por acaso que alguém tremendamente identificado com o “agronegócio”, como o ex-governador e ex-ministro Blairo Maggi, maior produtor de soja do país, percebeu logo para onde essa política está conduzindo o seu setor econômico (v. HP 15/08/2019, “Retórica de Bolsonaro e seu estafe vai levar agronegócio à estaca zero”, diz Maggi).
Ou que um pecuarista de verdade, de Paragominas, no Pará, declare que Bolsonaro “inflamou a vontade de desmatar de algumas pessoas” (e o verbo “inflamar” não está aí por acaso) e que “eles falam muito: ‘A Amazônia é nossa’. Mas não é porque ela é nossa que nós temos de acabar com ela” (v. HP 21/08/2019, “Bolsonaro inflamou a vontade de desmatar”, critica pecuarista do Pará).
RESERVAS
Porém, voltemos a Bolsonaro na campanha eleitoral, quando defendeu que os norte-americanos deveriam ser chamados para explorar os minérios da Amazônia.
Literalmente, disse ele, para “salvar ao menos parte da Amazônia, é preciso buscar parcerias com países democráticos como os EUA para a exploração dos recursos minerais”. E, mais: “Será que a Amazônia ainda é nossa? Hoje em dia, ouso dizer que dificilmente a Amazônia é nossa” (v. 12/09/2018, Bolsonaro quer pôr EUA infiltrados na Amazônia brasileira).
Por que nós precisamos dos norte-americanos para explorar minérios, seja em que parte for do nosso território?
Temos, até mesmo, uma das maiores mineradoras do mundo – que precisa ser colocada a serviço das necessidades nacionais, como antes da sua privatização, mas, afinal, ela é maior que qualquer mineradora dos EUA (entre as maiores, além da Vale, existem três chinesas, uma australiana, uma inglesa, uma suíça, uma chilena, e somente então aparece uma empresa norte-americana).
Para que, então, precisamos que os EUA explorem nossos minérios?
Deve ser porque, para salvar o que Bolsonaro acha que resta da nossa Amazônia, o melhor é entregar esse resto aos EUA… Assim, o desmatamento será de “primeiro mundo”.
Logo após a posse, no dia 3 de janeiro deste ano, em entrevista na TV, Bolsonaro mostrou-se simpático à instalação de uma base militar dos EUA na Amazônia, ou seja, uma base militar norte-americana em nossa Amazônia. Disse ele: “Eu reconheço a minha posição. Nós sabemos que o presidente Trump é o homem mais poderoso do mundo. O Brasil não produz uma máquina que faz as quatro operações” (v. HP 04/01/2019, Bolsonaro avança o sinal e “admite” base americana na Amazônia).
Nada como um criado que sabe o seu lugar.
Em abril, Bolsonaro gravou um vídeo em apoio aos desmatadores – e contra a fiscalização do Ibama ao roubo de madeira, inclusive ao roubo de madeira realizado por uma madeireira ilegal (v. HP 14/04/2019, Bolsonaro grava vídeo em apoio a ladrões de madeira na Amazônia).
Para completar esse breve apanhado, ao fundamentar (Deus!) a indicação de seu filho para embaixador nos EUA, disse Bolsonaro que seu objetivo era colocar os norte-americanos dentro das reservas indígenas, para explorar os minérios do Brasil:
“Terra riquíssima [a reserva ianomâmi]. Se junta com a Raposa Serra do Sol, é um absurdo o que temos de minerais ali. Estou procurando o ‘primeiro mundo’ para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos. Por isso, eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA” (v. HP 29/07/2019, Bolsonaro quer filho embaixador nos EUA para entregar ‘minérios das terras indígenas’).
Resumindo, é preciso invadir as reservas indígenas para roubar as riquezas naturais – algo que somente os americanos, com aquela cavalaria comandada pelo Custer, podem fazer. Afinal, têm uma longa experiência em seu país – tanto no desmatamento, quando no trato com os índios…
REVELAÇÕES
Respondendo ao papa Francisco (ao papa!) que, comentando a devastação da Amazônia, dissera que “é um triste paradigma do que está acontecendo em muitas partes do planeta: uma mentalidade cega e destruidora que favorece o lucro à justiça”, Bolsonaro expectorou:
“O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer.”
Passando por cima da falta de respeito (o papa, mesmo para os que não são católicos, merece respeito, e não apenas pela idade), é evidente que a política de Bolsonaro para a Amazônia é estuprá-la.
Pois, resta pouca dúvida sobre o que os tarados querem fazer com as virgens.
Que ele projete essa tara para o lado de “fora”, revela mais do que esconde: afinal, é ele mesmo que, no caso dos americanos, quer que eles estejam “dentro” – e não “fora”.
A delicada imagem usada por Bolsonaro, por outro lado, não é adequada ao papa. Conceber o papa – o papa atual – como um tarado atrás de uma virgem, é coisa que nem os mais extremados e fanáticos adversários do catolicismo são capazes.
Resta, portanto, uma única pessoa a quem Bolsonaro poderia estar se referindo.
Ele próprio.
E, realmente, o desmatamento e os incêndios a que a Amazônia está sendo submetida equivalem, precisamente, ao estupro de uma virgem.
Que Bolsonaro seja capaz, ainda que mentalmente, dessa perversão, é um sinal de quão grave é o seu desequilíbrio.
C.L.
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