A votação, no Senado, da emenda das alterações administrativas de Bolsonaro, teve como principal discussão, a questão do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O debate deixou a descoberto – mais ainda que na Câmara – a posição de Bolsonaro, de tirar o Coaf do Ministério da Justiça (isto é, de Sérgio Moro), tal como estava na Medida Provisória original, e empurrá-lo para o Ministério da Economia (isto é, para Paulo Guedes).
O móvel de Bolsonaro – até o desespero, no último momento, para que o Coaf ficasse com Guedes (v. a carta que enviou ao Senado) – estava presente, em carne e osso, no próprio plenário do Senado, durante a votação: Flávio Bolsonaro, cujas movimentações suspeitas (e as do faz-tudo de Bolsonaro, Fabrício Queiroz) foram detectadas pelo órgão e estão sob investigação da polícia e do Ministério Público (v. Os negócios suspeitos de Flávio Bolsonaro).
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) ficou calado durante as sete horas e 40 minutos que durou a sessão do Senado na terça-feira (28/05). Jamais se viu um senador tão silencioso. Só sabemos que ele estava lá pela votação nominal do texto-base, divulgada pela Casa. Se não ficou invisível, esteve próximo.
Essa votação nominal – sem nenhuma necessidade – foi pedida pelo líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), para impedir a votação nominal do destaque dos senadores Randolfe Rodrigues e Álvaro Dias, que mantinha o Coaf no Ministério da Justiça. Pelo regimento do Senado, para haver nova votação nominal seria necessário o espaço de uma hora entre uma e outra votação. Antes disso, a sessão acabaria – como acabou.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) classificou de “sórdida” essa manobra, que contou com o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
“O que eles estão tentando evitar?”, disse o senador Omar Aziz (PSD-AM). “É que o nome dos senadores e senadoras vá para o plenário, para saber quem é quem. O que é divergência é a questão do Coaf, se fica no Ministério da Justiça ou se fica no Ministério da Economia. Tem gente aqui que tem medo [do Coaf] ficar com o Moro, é só isso. Foi uma total falta de respeito por parte daqueles que divergem. Esse é o tipo de comportamento que não é para a democracia e não é bom para o Senado. ”.
Tanto é verdade o que disse o senador Aziz, que o resultado da votação teve a característica de se saber quem votou contra, mas não quem votou a favor.
Trinta senadores fizeram questão de que fosse registrado o seu voto, contrário a passar o Coaf para Guedes:
- Otto Alencar (PSD-BA);
- Álvaro Dias (Podemos-PR);
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP);
- Alessandro Vieira (Cidadania-SE);
- Omar Aziz (PSD-AM);
- Rodrigo Cunha (PSDB-AL);
- Jorge Kajuru (PSB-GO);
- Fabiano Contarato (Rede-ES);
- Angelo Coronel (PSD-BA);
- Plínio Valério (PSDB-AM);
- Rodrigo Pacheco (DEM-MG);
- Telmário Mota (PROS-RR);
- Eduardo Girão (PODE-CE);
- Reguffe (sem partido-DF);
- Flávio Arns (Rede-PR);
- Dário Berger (MDB-SC);
- Simone Tebet (MDB-MS);
- Styvenson Valentim (PODE-RN);
- Lasier Martins (PODE-RS);
- Jorginho Mello (PL-SC);
- Oriovisto Guimarães (PODE-PR);
- Marcos do Val (Cidadania-ES);
- Leila Barros (PSB-DF);
- Rose de Freitas (PODE-ES);
- Antonio Anastasia (PSDB-MG);
- Carlos Viana (PSD-MG);
- Sérgio Petecão (PSD-AC);
- Luiz do Carmo (MDB-GO);
- Esperidião Amin (PP-SC);
- Arolde de Oliveira (PSD-RJ).
CORRUPÇÃO
“Creio que não há necessidade”, disse o senador Álvaro Dias (PODE-PR) na defesa final, “de descrever a importância do Coaf no Ministério da Justiça. Alguns alegam que, em países da Europa, o Coaf está no Ministério da Economia, mas a Europa não possui os índices de corrupção que possui o Brasil.
“Nós devemos instrumentalizar o Estado brasileiro para uma política competente de combate à corrupção, ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, à evasão de divisas, à corrupção de modo geral. E essa ferramenta [o Coaf], que é fundamental para o combate à corrupção, tem um lugar adequado no Ministério da Justiça. A institucionalização de uma política de Estado de combate à corrupção é uma exigência da sociedade brasileira, que se apercebeu dos danos causados pela corrupção neste País”, disse o senador paranaense.
Porém, isso é tudo o que Bolsonaro não quer – sobretudo agora, que certas coisas estão vindo à tona. Daí sua aliança com o PT e outros habitués da Lava Jato, para colocar o Coaf, que ele mesmo colocara na Justiça, no colo de Guedes.
O que não deixa de espantar é o medo de Bolsonaro, a ponto de enviar uma carta ao Senado, pretextando (aliás, mentindo sobre) problemas de tempo de tramitação (se a proposta fosse modificada em relação à votação da Câmara, teria que voltar a esta para a votação final – mas, como demonstrou na terça-feira o senador Omar Aziz, esse problema de tempo, com sete dias depois da votação no Senado até o esgotamento da validade da Medida Provisória, não existia).
INTERESSES PESSOAIS
O senador Otto Alencar (PSD-BA) apontou para o lugar certo, inclusive quanto à carta, que Moro assinou, com Guedes, Lorenzoni e Bolsonaro, pedindo que o Coaf ficasse no Ministério da Economia:
“… votei a favor do Coaf no Ministério da Justiça a pedido do líder do Governo [Fernando Bezerra Coelho].
“Senador Fernando Bezerra, V. Exª foi o relator, na Comissão Mista, e eu votei, a pedido de V. Exª: ‘o Coaf para onde?’ Para a Justiça.
“E eu tenho que mudar meu voto no Plenário, porque há uma carta endereçada e assinada pelo ministro Sergio Moro, que foi o juiz que condenou o presidente Lula, que botou um monte de gente na cadeia, e alguns por justiça, outros não?
“Eu não quero entrar no mérito.
“Mas é esse mesmo ministro que deixa de ser juiz, que vai ser ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, que defende a ida do Coaf para o Ministério da Justiça – e hoje de manhã assina, dizendo que não quer mais [o Coaf] lá?
“Foi por ideologia? Foi por vontade de punir? Foi por vontade de investigar? De acabar com o crime? De acabar com a lavagem de dinheiro? Com a evasão de divisas?
“Não! Foi para atender a interesses meramente pessoais do atual Ministro da Justiça. ‘Não quero perder o emprego e assino’. ‘Não quero sair da Justiça e assino’. Essa é uma realidade muito clara. Na minha cabeça, muito clara.
“Jamais, no lugar dele, tendo defendido o que ele defendeu, eu aceitaria continuar ministro. Entregaria minha carta de demissão imediatamente, porque ninguém pode colocar interesses pessoais, ‘grupistas’ ou setoriais, acima de uma história de vida construída no Poder Judiciário, como construiu o ministro Sérgio Moro.
“Eu conversei com ele recentemente. Ele me pediu o apoio, para que eu votasse a favor [do Coaf no Ministério da Justiça]. ‘Ministro Sergio Moro, eu vou acompanhar o que V. Exª pede’.
“O Senador Fernando Bezerra sabe que os deputados federais do PSD votaram – e eu pedi que votassem –, lá na Câmara Federal, para que o Coaf ficasse no Ministério da Justiça. Eu liguei para todos aqueles que seguem a minha liderança, e todos votaram para que ficasse lá. Como é que o PSD vota na Câmara, e aqui o PSD vai votar contra o que votou na Câmara, porque há uma carta, porque há uma decisão por interesse pessoal?”
PING-PONG
Bolsonaro considera – e com razão – que Guedes, um escroque do mercado financeiro, é muito mais seguro na tarefa de abafar os casos de seu grupo, detectados pelo Coaf, do que Moro.
Talvez a palavra “abafar”, nesse caso, seja imprecisa: trata-se de despojar o órgão de sua utilidade social, ou seja, o combate à corrupção.
Essa é a discussão que alguns tartufos chamaram de “técnica”, como disse o líder de Bolsonaro, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
“Neste momento, esta carta que chega”, disse o senador Randolfe Rodrigues, “é uma carta que é a cara do Governo Bolsonaro, a cara da confusão; um Governo que, no último domingo, manda ocupar as ruas do País! O Presidente da República segue na sua rede social tuitando, insuflando aqueles seus seguidores contra… com faixas contra o senhor, presidente [do Senado] Davi Alcolumbre, contra o presidente da Câmara, contra o Supremo, atentando contra as instituições e, diria até, incorrendo em crime de responsabilidade.
“Esse é o Presidente do domingo.
“O Presidente de hoje é o que assina uma carta desdizendo tudo aquilo para que ele insuflou ir às ruas domingo, que era para o Coaf ficar com o ministro Sergio Moro.
“Ora, nós vamos atender o que disseram as ruas de domingo. As ruas de domingo não disseram para o Coaf ficar no Ministério da Justiça?”
Do mesmo modo, discursou o senador Angelo Coronel (PSD-BA):
“Confesso que, no domingo, ao ligar as televisões e ver as movimentações populares, eu tive um parecer já concreto: votar a favor de que o Coaf fique no Ministério da Justiça.
“Hoje, em Luís Eduardo Magalhães, na segunda maior feira de agronegócio do País, conversando com várias pessoas, todos me perguntavam: ‘E o Coaf? Fica com a Justiça ou com a Economia?’. E eu acabei de confirmar a mim mesmo que o melhor papel é ficar com o Ministério da Justiça.
“Agora, Sr. Presidente, Srs. Senadores e Sras. Senadoras, não podemos ter uma reforma pingue-pongue. O Governo é o governo do pingue-pongue: de manhã, ‘pingue’; de tarde, ‘pongue’; e não se decide nada neste País”.
SAPO
“É preciso fazer uma distinção e começar a caminhar no mundo real”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“No mundo virtual, as pessoas estão defendendo um monte de coisas, particularmente integrantes do próprio Governo defendendo ações contundentes de combate à corrupção. As manifestações foram, em grande parte, provocadas, conduzidas, levadas por integrantes do próprio Governo.
“Neste ponto em que tratamos do destaque da permanência do Coaf no Ministério da Justiça, as manifestações foram uníssonas nesse sentido, em várias capitais, praticamente em todos os Estados da Federação.
“Eu me solidarizo aqui especialmente com o colega Major Olímpio (PSL-SP).
“Major Olímpio, eu manifesto a minha solidariedade a V. Exª, porque é muito difícil fazer parte de um grupo onde carregar o piano é missão de poucos e tocar é missão de muitos.
“Então, literalmente eu me solidarizo, porque vejo o esforço que V. Exª está fazendo para engolir esse tamanho de sapo que lhe foi imposto.
“É importante, é essencial a gente entender que essa imposição de engolir o sapo é absolutamente desnecessária. V. Exª, o Plenário do Senado e o eleitor brasileiro estão engolindo um sapo absolutamente desnecessário.
“A gente está presenciando, aqui no Plenário, a oposição mais clara ao Governo, que é materializada pelo Partido dos Trabalhadores, felicíssima, votando em conjunto com o PSL.
“A Presidência se rebaixa quando precisa fazer uma coisa dessas, quando a credibilidade é tão pequena que você precisa fazer uma carta e subscrevê-la com três ministros, como se aqui, no Senado da República, não houvesse capacidade, seriedade, honestidade para fazer a apreciação como deve ser feita.
“Nós tínhamos aqui e temos nesta Casa a maioria para fazer valer a vontade do cidadão que foi para as ruas. Não teremos a oportunidade de fazê-lo. Usando legitimamente uma manobra regimental, o senador Fernando Bezerra, líder do Governo, se utilizou de um mecanismo que nos impede de fazer, no intervalo de uma hora, uma nova verificação, solicitando novamente a contagem manual.
“É muito difícil para uma pessoa normal entender que o Governo dormiu no domingo pensando uma coisa e acordou na segunda pensando outra, que os compromissos que foram assumidos, as mensagens e a luta que foi feita foram absolutamente em vão, porque a Presidência resolveu mudar de ideia”.
PELA MANHÃ E PELA TARDE
A melhor descrição do comportamento da bancada governista – isto é, do líder do PSL, pois a maior parte não tugiu nem mugiu – foi a do senador Otto Alencar.
Até o dia anterior, o senador Major Olímpio (PSL-SP) mantinha a posição de que o Coaf deveria ficar no Ministério da Justiça. Resistiu até mesmo a um telefonema do próprio Moro – que se prestou a esse triste papel de serviçal de Bolsonaro para proteger os negócios suspeitos (estamos sendo educados) da Família.
Porém, no plenário do Senado, o senador do PSL mudou. Mas não sem traumas, sufocos e algum sofrimento.
“Eu gostaria de saber”, disse Alencar, “se V. Exª, Sr. Presidente, vai mudar o Regimento, porque o Major Olímpio falou 40 minutos, e V. Exª foi complacente com o tempo dado ao Major Olímpio.
“Só que ele não conseguiu convencer ninguém e não declarou o voto. Só depois que nós o provocamos, foi que ele desceu e declarou o voto – e tinha antes defendido com tanta ênfase o Coaf ir para o Ministério da Justiça!
“E eu apliquei a nossa frase clássica da Bahia: só não muda de opinião quem não a tem, sobretudo sob pressão do Poder Executivo”.
Sobre Bolsonaro, o senador baiano apontou:
“O que eu queria recordar é o que aconteceu nos últimos dias no Brasil.
“Nós tivemos um Presidente da República que convocou uma manifestação pelo Twitter, chamando e dizendo que iria participar dessa manifestação; depois, voltou atrás e disse: ‘Não, eu não vou participar da manifestação e nem quero que os nossos ministros participem da manifestação’.
“E ela aconteceu, e é natural que aconteça.
“Aconteceu antes uma manifestação contra o Presidente da República. É natural da democracia, ninguém está questionando absolutamente isso.
“Agora, o Presidente, logo que terminou a manifestação, foi ao seu Twitter nas redes sociais e concordou com a manifestação, dizendo que ela era contra a velha política, ou seja, contra o Congresso Nacional – até porque lá atrás ele deu uma declaração de que tudo era culpa da classe política.
“Isso foi de manhã, e, de tarde, chamou e elogiou o Presidente Davi Alcolumbre, elogiou o Rodrigo Maia…
“Ele fala uma coisa sentado e não garante de pé. Essa é uma grande realidade.
“O que o Presidente da República disse naquele dia pela manhã, falando que a culpa era da classe política, referindo-se ao Congresso Nacional, e de tarde elogiou V. Exª [presidente do Senado], eu não aceitaria aquela desculpa esfarrapada, de maneira nenhuma, até porque o Congresso Nacional tem que dar uma resposta ao Governo, ao Poder Executivo.
“Já são cinco meses de crise, todas elas gestadas e geradas pelo Poder Executivo, pelo Presidente da República e pelos homens que o apoiam.
“Citem uma, uma crise que foi gestada no Senado Federal! Nenhuma delas. Todas vieram de lá.
“Se foi a demissão do Bebbiano, foi gerada por lá; se foi a demissão do Vélez, por lá; se houve a crise do Ministro da Educação, o atual, também por lá; se o Presidente chamou os estudantes de idiotas inúteis, foi o Presidente que falou, o que levou à crise. Todas!
“Eu listei aqui 16 declarações do Presidente da República que, depois, ele teve que desfazer ou desfizeram por ele.
“No dia em que ele falou que iria aumentar o IOF, o Ministro da Economia disse: ‘Não pode não. Não pode aumentar o IOF não’. E ele [Bolsonaro] voltou atrás.
“No dia em que ele disse que iria diminuir o imposto de renda, o Marcos Cintra disse: ‘Não. Não vai diminuir não’.
“Eles têm várias declarações que, depois, tiveram que ser desmentidas ou mudadas, e essa situação vem de uma maneira que acontece todos os dias, a ponto de eu colocar, na porta do meu gabinete, a crise do dia.
“Cansei de botar a crise do dia. Só houve um momento em que não houve crise do dia: foi quando o Presidente viajou para o exterior. Aí, a crise parou, não houve mais nada.
“Quando foi para Petrolina [cidade do líder do governo, Fernando Bezerra Coelho] também, a crise parou, mas todos os dias há uma crise, que é crise gestada pelo próprio Presidente da República ou pelos homens que apoiam o Presidente da República.
“E nós temos aqui no Senado Federal, na Câmara Alta, no lugar da revisão, que nos ajoelhar, fazer genuflexo para a Câmara Federal e para o Governo, para votar aquilo que o Governo deseja e quer?
“Não, eu não vim aqui para isso.
“Não venho aqui para me dobrar, para fazer genuflexo ao Governo Federal”.
[O presidente do Senado pede que o senador Otto Alencar encerre sua intervenção.]
“V. Exª devia ter pedido o horário para o Major Olímpio, e não pediu. Está pedindo agora para que eu encerre. Se V. Exª quiser, com a sua ansiedade de prestar o serviço ao Presidente Bolsonaro, eu posso encerrar, não tenho nenhum problema.
“Sr. Presidente, não se submeta à pressão do líder do Governo, não. V. Exª foi eleito, está fazendo uma gestão, eu acredito, irretocável, tem tido equilíbrio emocional, compostura, bom senso, tem suportado, inclusive, certas colocações mais duras e tem procurado ajudar.
“Na Bahia, o [Otávio] Mangabeira dizia o seguinte: ‘Pense num absurdo, a Bahia tem precedentes’.
“Pense num absurdo, de agora em diante, o Senado tem precedente…
“Agora, o Senado Federal pode registrar nos Anais: ‘Pense em um absurdo, o Senado tem precedente’, porque se dobrou a uma carta do Presidente da República, que defendeu até ontem à noite o Coaf na Justiça; o Moro defendeu e hoje mudou de ideia.
“Portanto, eu quero que fique bem clara essa minha posição aqui, meu voto, e o voto de mais três companheiros, foi voto de protesto contra a manobra do líder do Governo para não permitir que se vote o destaque do senador Alvaro Dias e do senador Randolfe Rodrigues”.
C.L.