Sem demonstrar qualquer solidariedade e respeito com o povo, Jair Bolsonaro ficou em silêncio perante as mais de 50 mil mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil. Desde sábado, quando atingimos a triste marca, o presidente da República não se manifestou à nação.
No domingo, um dia após ultrapassarmos as 50 mil mortes, Bolsonaro mandou retirar o jato presidencial do hangar e voou de Brasília ao Rio de Janeiro para participar do funeral do soldado Pedro Lucas Ferreira Chaves, que morrera no sábado, não de Covid- 19, mas por ter sofrido um acidente durante um treinamento de paraquedistas.
O presidente fez questão de discursar e render homenagens ao morto. Mas, sobre as mais de 50 mil vítimas do novo coronavírus ele manteve um desrespeitoso e desumano silêncio. Em nenhum momento ele estendeu as condolências ou fez qualquer menção ao fato.
Nesta segunda-feira (22), Bolsonaro voltou a defender que “talvez tenha havido um pouco de exagero” na maneira como a pandemia do novo coronavírus foi tratada.
A negação da gravidade e a falta de solidariedade com todos que perderam familiares, amigos e pessoas queridas tem sido a tônica de Bolsonaro durante toda a pandemia.
GRIPEZINHA
Em 20 de março, quando o Brasil tinha 793 infectados e 11 mortes, Bolsonaro chamou a Covid-19 de ‘gripezinha’. “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não”, afirmou.
Seis dias depois, em 26 de março, quando 77 brasileiros já haviam morrido, Bolsonaro disparou “Eu acho que não vai chegar a esse ponto [do número de casos confirmados nos Estados Unidos]. Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali. Ele sai, mergulha e não acontece nada com ele”.
Em 20 de abril, Bolsonaro deixou claro que não se importava com as mortes, que naquele dia batiam 2.587 e disparou: “Eu não sou coveiro”. Oito dias depois, em 28 de abril, quando o país quase sobrou o número de óbitos e chegou em 5.083, o presidente foi além e afirmou: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
Quando o país estava prestes a bater 10 mil mortes, Bolsonaro disse que ia fazer um churrasco para trinta amigos, desrespeitando a memória dos que morreram e as recomendações de distanciamento social das organizações de saúde do mundo todo. “Vou fazer churrasco sábado aqui em casa. Vamos bater 1 papo, quem sabe uma peladinha. Devem ser uns 30 [convidados]. Não vai ter bebida. Vai ter vaquinha, R$ 70,00”, afirmou em sete de maio, data em que o Brasil atingiu 9.190 mortes pelo novo coronavírus.
Em 9 de maio, logo após a polêmica do churrasco. Bolsonaro não deu a festinha, mas enquanto o país amargava a marca de 10.627 mortes, ele passeava de jet-ski.
“A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, foi o que disse Bolsonaro quando o Brasil registrava 31.199 mortes, em 2 de junho.
O crescimento do número de óbitos, em escala de mais de mil por dia, se mantém desde meados de Maio. Se no sábado, dia 20 de junho o Brasil atingiu 50.058 mortos, nesta segunda-feira (22) já são 51.271 vítimas da doença no país, lembrando que nos finais de semana o número tende a ser menor porque diminuem as notificações.
ESCALADA
O aumento do número de mortes por aqui não é similar ao que ocorre no resto do mundo, considerando que o Brasil é um dos países mais populosos do mundo e com uma população pobre, em sua maioria. Apesar da curva de mortes acontecer mais lentamente que em outros países, fruto da ação de governadores e prefeitos que tomaram a frente do combate à Covid-19, nossa situação é preocupante.
Atualmente, o Brasil registra 244,18 mortes para cada um milhão de habitantes. Em nenhum dos populosos países do mundo, que não são ricos, vemos dados tão elevados.
A Índia, país quase sete vezes maior que o Brasil, tem, atualmente, 10,13 mortes para cada milhão de habitantes. Na China, onde a pandemia começou, são 3,32 mortes para cada um milhão de habitantes.
Com 144 milhões de pessoas vivendo na Rússia, o país registra 65,8 mortes para cada um milhão de habitantes. No México, onde moram 126,2 milhões de pessoas são 172,93 mortes para cada um milhão de habitantes.
Na Nigéria, país com 195 milhões de pessoas, são 2,64 mortes para cada um milhão de habitantes. No Paquistão vivem 212,2 milhões de pessoas e há 16,91 mortes para cada um milhão de habitantes.
Na Indonésia, país um pouco maior que o Brasil, com 267,7 milhões de habitantes, há 9,46 mortes para cada um milhão de pessoas. Em Bangladesh vivem 161,4 milhões de pessoas. Lá são 9,3 mortes para casa um milhão de habitantes.
FUTURO
A previsão de especialistas para o futuro da pandemia no Brasil também não é favorável. Segundo projeção realizada pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos, até 4 de agosto o Brasil somará 165 mil mortos vítimas da Covid-19.
Os novos dados superam a estimativa apresentada no dia 29 de maio pela mesma instituição, quando a projeção para o país era de 125.833 vítimas da Covid-19. Em uma semana, as projeções de brasileiros mortos aumentaram em 40 mil.
“Com base nos mais recentes dados e padrões de doenças, a curva epidêmica do Brasil sugere que as mortes por Covid-19 continuarão aumentando nas próximas semanas ou meses”, aponta o estudo, que tem como base os dados coletados até dia 5 de junho.
Na avaliação do IHME, a mudança da projeção de mortes tão grande em apenas uma semana se deve ao fato de que a compreensão e a resposta do mundo à Covid-19 estão evoluindo rapidamente. A equipe de pesquisadores sempre inclui novos fatores que podem contribuir para os números de propagação ou contenção da doença. “Isso resultou em um aumento substancial nas mortes previstas por Covid-19 em determinados locais”, afirma o estudo, incluindo entre os motivos a decisão pela redução do distanciamento social.
“As previsões atuais apontam que o Brasil está entre os piores lugares da epidemia de Covid-19. Os EUA têm o próximo número mais alto de mortes projetadas para a Covid-19 até agosto, com 140.496 mortes cumulativas; no entanto, os EUA têm cerca de 100 milhões a mais de pessoas do que o Brasil. Isso significa que, em relação ao tamanho da população de cada país, a epidemia de Covid-19 no Brasil pode ser a maior e mais letal do mundo”, aponta o IMHE.
MAÍRA CAMPOS