“Eu não quero dizer aqui, acusar a Anvisa de absolutamente nada, agora que tem uma coisa acontecendo, isso não há a menor dúvida que vem acontecendo”, disse ele, sobre a autorização para a vacinação infantil
Jair Bolsonaro negou nesta segunda-feira (10) que tivesse insinuado atos de corrupção por parte da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) quando questionou o órgão publicamente na semana passada.
Na ocasião, ele disse: “o que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida, pela sua saúde?”. Mais explícito do que isso seria impossível.
O ‘capitão cloroquina’ realmente não usou a palavra corrupção. Ele disse que está havendo interesses escusos na aprovação da vacinação de crianças pelo órgão de controle. Não precisava dizer mais nada. Por isso, o diretor da agência, Almirante Antônio Barra Torres, não deixou por menos. “Se o presidente tem informações que levantem o menor indício de corrupção, não perca tempo nem prevarique, determine imediata investigação policial”, cobrou.
“Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate. Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente”, acrescentou Barra Torres, na nota, divulgada no sábado (8).
A carta do diretor da Anvisa confrontando as aleivosias de Bolsonaro teve grande repercussão na sociedade. O repúdio à atitude irresponsável do mandatário, de acusar servidores públicos de corrupção sem provas, foi generalizado. Entidades, parlamentares, governadores, cientistas e médicos cobraram os esclarecimentos exigidos pela carta de Barra Torres.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), líder do PSDB no Senado, o líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (MG), a vice-líder do PCdoB na Câmara, a deputada Alice Portugal (BA), e o deputado Fábio Trad (PSD-MG), segundo-vice líder do PSD na Câmara, foram alguns dos que se manifestaram em defesa da Anvisa e em repúdio às declarações de Bolsonaro.
A resposta desta segunda-feira vem com a marca pusilânime de Bolsonaro. Diz que não acusou ninguém, que não usou a palavra corrupção, mas em seguida fez insinuações maldosas contra a Anvisa.
“Eu não quero dizer aqui, acusar a Anvisa de absolutamente nada, agora que tem uma coisa acontecendo, isso não há a menor dúvida que vem acontecendo. Pode ver, pelo que estou sabendo agora, não é segredo pra ninguém, Anvisa vai deliberar sobre a CoronaVac para crianças a partir de 3 anos de idade, eu não sei o que acontecerá no final, mas a Anvisa vai tomar sua posição. E, de uma forma ou de outra, vai sofrer críticas também”, disse Bolsonaro.
“Eu falei o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo. Ninguém acusou ninguém de corrupção. Por enquanto, não tenho o que fazer no tocante a isso aí”, prosseguiu o ocupante do Planalto em entrevista à rádio Jovem Pan. “Eu que indiquei o almirante Barra para a Anvisa, a indicação é minha, assim como outros da diretoria passaram pelo crivo meu”, acrescentou.
“Me surpreendi com a carta dele. Carta agressiva. Não tinha motivo para aquilo. Eu falei: ‘o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?’. Ninguém acusou ninguém de corrupto […] O que que está por trás? Quais segundas intenções, quais outras intenções da Anvisa? Não houve da minha parte nenhuma acusação, a palavra corrupção não saiu nenhum momento. E ele [Barra Torres] resolveu fazer uma nota bastante agressiva”, disse Bolsonaro.
Bolsonaro revela claramente quais são seus critérios para indicações a qualquer cargo em seu governo, seja ele político ou técnico. Ele quer fidelidade total ao seu fanatismo e à sua ignorância. Disse estar arrependido de ter indicado o diretor-presidente da Anvisa, Almirante Antonio Barra Torres, para agência. Afirmou estar feliz por não tê-lo nomeado ministro da Saúde após a saída de Eduardo Pazuello, como queriam alguns apoiadores mais próximos.
De acordo com relatos do Palácio do Planalto, em várias ocasiões, nesta segunda-feira, Bolsonaro reclamou de que Torres deixou o “ego” crescer a ponto de não mais dialogar com o governo antes de publicar recomendações da Anvisa, “como a de impor restrições a estrangeiros”. Ou seja, Bolsonaro quer que todos se submetam ao seu negacionismo e para isso rasga todas as normas técnicas existentes.
Ele simplesmente paralisa o Ministério da Saúde em plena pandemia, com seu ministro de estimação, Marcelo Queiroga. O terceiro ministro, nomeado depois que os outros não aceitaram se submeter, obedece o mandatário cegamente e está sabotando as informações para a sociedade há mais de um mês.
Bolsonaro arrasta seu ministro da Saúde para atitudes absurdas que retardam as vacinas para as crianças e negligenciam medidas de proteção contra a pandemia, uma tragédia que já matou mais de 620 mil brasileiros.
A Anvisa autorizou o uso da vacina Pfizer para vacinação infantil contra a Covid-19 no dia 16 de dezembro e está analisando o uso da CoronaVac, do Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, também para as crianças de 5 a 11 anos. No entanto, num retardo proposital, as regras para a imunização de crianças foram divulgadas pelo Ministério da Saúde apenas na última quarta-feira (5), após uma inusitada consulta pública realizada pela pasta.