O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, declarou na sexta-feira (28/09), em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, que “não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição”.
Segundo Bolsonaro, “não posso falar pelos comandantes militares”, mas o motivo porque não aceita outro resultado é “pelo que eu vejo nas ruas”.
No sábado (29/09), em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, indagado sobre essa declaração, Bolsonaro disse: “quer dizer exatamente isso aí. O que eu sinto nas ruas, o que eu vejo em manifestações. É um sinal claro que o povo está do nosso lado e da forma como isso é demonstrado, não dá pra gente aceitar passivamente na fraude, na possível fraude a eleição do outro lado”.
Portanto, o que Bolsonaro acha que vê nas ruas é superior aos votos do eleitorado…
Naturalmente, qualquer candidato pode ver o que quiser nas ruas – mas nenhum, exceto Bolsonaro, acha que suas visões (ou seus desejos) devem predominar sobre a eleição e determinar quem é o presidente do país.
Bem entendido, Bolsonaro não está discutindo se a realidade é assim ou assado, até porque, em 31 anos – desde que o então capitão quase foi expulso do Exército devido à desastrada “Operação Beco Sem Saída” (v. Terrorismo de baixa potência) – se existe algo de que ele se mostrou incapaz, é de qualquer discussão, sobretudo quando o assunto é a realidade (aliás, qual a discussão que não é sobre a realidade?).
O que ele está tentando fazer é açular os seus seguidores contra uma eleição em que é pouco provável que vença. Daí a frase: “não dá pra gente aceitar passivamente na fraude, na possível fraude a eleição do outro lado”.
Que “fraude”?
“Fraude”, já está claro, não é qualquer falsificação do resultado, mas, pelo contrário, qualquer resultado que não seja ele vencer a eleição.
Portanto, qualquer resultado que não seja a sua fraude, é uma fraude.
Em suma, Bolsonaro está outra vez pregando um golpe, e golpe de verdade, não essa farsa berrada pelo PT sobre o impeachment de Dilma, que é somente uma tentativa de esconder o que houve – mas também serve para banalizar os golpistas reais e os golpes reais.
Daí, Bolsonaro adiantou o pretexto: se ele não for eleito, somente pode ser porque as urnas foram “fraudadas”.
Foi o que disse quando Datena perguntou se não era “antidemocrático” não aceitar o resultado das eleições: “Não confiamos em nada no Brasil. Até concurso da Mega-Sena a gente desconfia de fraude. Estou desconfiando de alguns profissionais dentro do TSE”.
Quem?
Que “profissionais”?
O candidato não disse – porque isso não é coisa de gente séria.
Bolsonaro foi eleito e reeleito mais de uma vez por esse “sistema eleitoral” – mas a fraude só existe se ele não for eleito agora.
Mas, se é inadmissível que ele não seja eleito, se o único resultado aceitável é a eleição de Bolsonaro, se “não dá para aceitar passivamente” a derrota, o que devem fazer os seus seguidores, quando ele não for eleito?
Tocar fogo nas urnas – e, de resto, no país?
Matar os adversários?
Dar um golpe de Estado?
Bolsonaro não disse isso – e não estamos aqui dizendo que isso vai acontecer -, mas é onde levam as suas declarações.
Tanto é assim que os órgãos de imprensa que publicaram essas declarações – sobretudo a “Folha de S. Paulo” e a “Globo” – sentiram necessidade de lançar editoriais, que podem ser resumidos na frase: “Aceitar o resultado das urnas é um princípio básico de toda democracia e deve ser respeitado por candidatos e eleitores” (Jornal Nacional, 29/09/2018).
Alguns outros candidatos apontaram que as declarações de Bolsonaro expressam seu medo do resultado das eleições.
Realmente, se ele estivesse tão seguro, quanto diz, que a maioria dos eleitores o apoia, não estaria inventando fraudes por antecipação.
Ou seja, não estaria tentando, literalmente, fraudar a eleição.
Por exemplo, Datena perguntou a Bolsonaro se o candidato do PT, Fernando Haddad, poderia ganhar as eleições:
“Só na fraude. (…) Não existe outra maneira que não seja na fraude.”
Bolsonaro não se referiu apenas a Haddad, mas a qualquer candidato que não seja ele mesmo. Mais adiante, na mesma entrevista, explicitou: “Não vejo eleitor de Marina, de outros candidatos”.
Se ele não vê eleitores de outros candidatos, é porque não existem…
Mas isso reflete, apenas, que Bolsonaro acha que as eleições são, meramente, um caminho para a ditadura, para a anulação da vontade dos eleitores, e não para a democracia. Daí, os eleitores que são contra ele não existem – ou têm que ser anulados.
Disse ele numa entrevista já antiga, mas que jamais retificou:
“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, no dia em que partir para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.”
Ou, perguntado sobre o que faria, se fosse eleito presidente da República:
“Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma.”
Quem são esses “90% da população”?
Quem o apoiar, pois os outros – como os eleitores de outros candidatos – não existem…
Esses “outros” são, somente, a maioria do país.
Bolsonaro não é o primeiro a achar isso – e a participar de eleições com o objetivo de instalar uma ditadura. Por exemplo:
“É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que ser ‘descoberto’ um grande homem por uma eleição. O indivíduo que realmente ultrapassa a medida normal do tipo médio costuma fazer-se anunciar, na história universal, pelos seus próprios atos, pela afirmação de sua personalidade” (Adolf Hitler, “Minha Luta”).
E todos têm que se submeter a esse “indivíduo que realmente ultrapassa a medida normal do tipo médio”.
Muitos leitores acharão, é provável, exagerada essa citação. Bolsonaro parece mais um palhaço que um Hitler (embora seja verdade que, antes de 1929, Hitler também parecia mais um palhaço que um Hitler).
Mas a citação tem apenas o sentido de expor a identidade ideológica do elemento com certos outros elementos.
Só isso e nada mais.
Por fim, disse Bolsonaro, no domingo, depois que as críticas choveram, que “o que quis dizer [com não aceitar o resultado] é que não ligaria para Fernando Haddad para cumprimentá-lo”.
Se o leitor tiver alguma dúvida, é suficiente ler as declarações anteriores para perceber que Bolsonaro é, também, um mentiroso, do tipo que não sustenta o que diz quando a situação aperta. Não foi assim desde seu processo de expulsão do Exército (v. matéria abaixo)?
C.L.