
“Sem uma perícia isenta os verdadeiros criminosos continuam livres até para acusar inocentes do caso Marielle”, disse Bolsonaro no twitter.
O Ministério Público da Bahia e o advogado de Adriano da Nóbrega, miliciano morto no domingo (09) em operação policial, pediram nova perícia no corpo do pistoleiro abatido, para esclarecer dados “até o momento obscuros, entre eles, a trajetória dos tiros”.
O miliciano era chefe de uma central de assassinatos de aluguel e estava foragido havia mais de um ano. Ele tinha ligações estreitas com a família Bolsonaro e há fortes suspeitas de que sua morte foi uma “queima de arquivo”. Ele mesmo, em telefonema ao seu advogado, quatro dias antes de ser cercado, avisou que já sabia que seria morto.
O MP da Bahia pediu que a Justiça determine ao Departamento de Perícia Técnica (DPT) do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro, onde está o corpo de Adriano, que mantenha, em caráter de urgência, o cadáver no IML e em conservação; seja determinado novo exame de natureza necroscópica; que os peritos apontem no laudo: a direção que os projéteis percorreram no corpo; o calibre das armas usadas nos disparos; a distância entre os atiradores e Adriano; e outras informações que considerem relevantes.
PROCEDIMENTOS
Outra questão que está demandando explicações são as marcas de balas no escudo portado pelos policiais que participaram da ação que levou à morte de Adriano.
Ele foi mostrado como comprovação de que houve troca de tiros, mas esta versão está sendo questionada.
O miliciano portava uma pistola com “kit rajada”, que permite dar vários tiros, como uma metralhadora, quando foi morto. A foto do escudo usado pela polícia baiana mostra apenas duas marcas de disparos, o que não seria possível com o uso do dispositivo na arma do ex-capitão do Bope.
Para o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, João Vicente Guimarães, entrevistado pela Rede Globo, há sinais de que o pistoleiro de aluguel tenha sido morto numa operação de queima de arquivo. “Os policiais tinham que esperar Adriano se entregar. Não há uma decisão de invasão de uma edificação quando não há um refém. A polícia não tem urgência para fazer isso. Então, nesse caso, pura e simplesmente, devia ter cercado aquela edificação e esperar que ele se entregasse”, explicou o coronel.
A Vara de Registros Públicos do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) havia negado o pedido da família de Adriano para que a cremação fosse autorizada. Segundo o juiz Marcius da Costa Ferreira, responsável pelo caso, a destruição do corpo de Adriano “acarretaria prejuízo à elucidação dos fatos” acerca da sua morte.

Na segunda-feira (17), o juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal do TJ-RJ, considerou extinta a punibilidade de Adriano no âmbito do processo da Operação Intocáveis, em que ele era acusado de chefiar a milícia que controla a comunidade do Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio. Na decisão, Kalil declarou que não havia mais necessidade de conservação do corpo. Na manhã de terça esta decisão foi revertida.
LIGAÇÕES
Jair Bolsonaro fez várias declarações sobre o caso, já que a trajetória de Adriano da Nóbrega é ligada à sua família – e, especialmente, a ele mesmo, que, no dia 27 de outubro de 2005, ocupou a tribuna da Câmara dos Deputados para lamentar a condenação de Adriano da Nóbrega a 19 anos e seis meses de prisão pela morte de Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, na favela de Parada de Lucas, no Rio.
Depois de chamá-lo de “brilhante oficial” e dizer que “o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado“, Bolsonaro dirigiu seus ataques contra o coronel da PM do Rio que testemunhara contra Adriano da Nóbrega no julgamento.
A vítima, Leandro dos Santos Silva, denunciara a extorsão, por parte de PMs, a moradores da favela em que morava.
Quatro dias antes de sua morte, Adriano avisara que seria vítima de queima de arquivo (“tenho absoluta certeza de que essa operação não é para me prender, é para me matar“, disse ele ao seu advogado, Paulo Emílio Catta Preta).
A quem interessava essa “queima de arquivo”? Quem seria beneficiado com o silêncio tumular de Adriano da Nóbrega?
Bolsonaro, desde a morte de Adriano, não faz outra coisa senão atribuir a outros essa “queima de arquivo”.
Por quê?
Adriano era chefe do Escritório do Crime, quadrilha de Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro, preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes.
Adriano participava do esquema de lavagem de dinheiro do gabinete de Flávio Bolsonaro. Sua mãe e sua ex-mulher eram funcionárias fantasmas de Flávio. Elas receberam R$ 1 milhão do gabinete, devolveram R$ 400 mil, ficaram com uma parte, e repassaram outra parte a Adriano.
Entretanto, Jair Bolsonaro repetiu três vezes, na porta do Palácio da Alvorada, que não tem nenhuma ligação com as milícias e que não tinha interesse na morte de Adriano: “Interessa a quem queima de arquivo? A mim? A mim não. A mim, zero. Poderia interessar a alguém a queima de arquivo. O que ele teria para falar? Contra mim que não teria nada. Se fosse contra mim, tenho certeza que os cuidados seriam outros para preservá-lo vivo”.
Quanto às milícias, é mentira. Aliás, em relação à Bahia, existe um interessante – apesar de repugnante – pronunciamento do deputado Jair Bolsonaro, no dia 12 de agosto de 2003:
“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o país não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio… Na Bahia, pelas informações que tenho — lógico que são grupos ilegais —, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns!” (v. Bolsonaro e as milícias).
Quanto a preservar Adriano vivo, a frase de Bolsonaro revela mais do que esconde: “Se fosse contra mim, tenho certeza que os cuidados seriam outros para preservá-lo vivo“.
Porém, Adriano foi morto. Por quê? Porque era “contra ele”?
CELULARES
Bolsonaro demonstrou também muita preocupação com a perícia nos celulares do miliciano Adriano da Nóbrega. Ele estava de posse de 13 celulares e outros seis foram apreendidos com a namorada.
Num tweet na terça-feira (18), Bolsonaro usou a manobra de se antecipar para tentar escapar de possíveis revelações comprometedoras: “quem fará a perícia nos telefones do Adriano? Poderiam forjar trocas de mensagens e áudios recebidos? Inocentes seriam acusados do crime?“. Na mensagem, Bolsonaro trata o miliciano com intimidade, escrevendo sobre “telefones do Adriano“.
“A quem interessa não haver uma perícia independente? Sua possível execução foi “queima de arquivo”? “Sem uma perícia isenta os verdadeiros criminosos continuam livres até para acusar inocentes do caso Marielle”, disse Bolsonaro no twitter.
No entanto, ele teve que admitir que foi ele quem mandou seu filho Flávio Bolsonaro homenagear o miliciano duas vezes, uma em 2003 e outra, com a Medalha Tiradentes, em 2005. Com um detalhe: Adriano não foi receber a medalha porque estava preso por assassinato.
E, mesmo preso, recebeu apoio do então deputado federal Jair Messias Bolsonaro, que fez um pronunciamento da tribuna da Câmara, afirmando que Adriano tinha sido “vítima de uma injustiça por ter matado vagabundos”. Posteriormente, por ausência de testemunhas – que mudaram a versão, ou não tiveram coragem de comparece ao tribunal – o julgamento acabou anulado e Nóbrega foi absolvido.
Bolsonaro teve que admitir que foi ele quem mandou seu filho Flávio homenagear o miliciano duas vezes, uma em 2003 e outra, com a Medalha Tiradentes, em 2005.
Para que esse jogo de cena de apoiar uma perícia independente, que já foi solicitada pelo MP da Bahia e pelo advogado de Adriano?
Para que essa cena de indignação, na porta do Alvorada, com a morte de Adriano?
Bolsonaro é presidente da República. Qualquer outro tentaria se desvincular de um criminoso, de um assassino.
Entretanto, segundo disse, “não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando o capitão Adriano por nada“.
Adriano não era capitão: fora expulso da PM do Rio. Quem é capitão, ainda que reformado, é Bolsonaro.
Mas o que chama mais atenção não é sua identificação com um criminoso, e, sim, o uso de uma questão meramente processual (“transitado em julgado”) como se fosse prova de inocência.
Para que isso? Para passar a sua própria inocência na provável “queima de arquivo”, isto é, na suposta execução de Adriano da Nóbrega?
MAIS MENTIRAS
Uma das autoras do pedido de autorização para cremar o corpo de Adriano é sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, que esteve nomeada no gabinete do senador Flávio Bolsonaro até 2018.
Bolsonaro disse, na porta do Alvorada, que, quando homenageou Adriano da Nóbrega, ele era um herói da Polícia Militar e que, depois, não teve mais contato com o miliciano e não soube que ele tinha mudado de vida.
Não é verdade.
Quando a mãe de Adriano foi nomeada para o gabinete de seu filho, em 2016, Adriano já tinha sido expulso da PM e já chefiava a milícia do Rio das Pedras e o Escritório do Crime.
Segundo investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio), Raimunda e Danielle, mãe e ex-mulher de Adriano, respectivamente, devolveram a Fabricio Queiroz – o faz-tudo de Bolsonaro que administrava o gabinete de seu filho na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) – grande parte dos valores que receberam a título de salários pelos cargos comissionados. Os promotores afirmam que ambas eram funcionárias fantasmas no gabinete.
Além disso, as investigações encontraram indícios de que Fabrício Queiroz teria usado dois restaurantes ligados a Adriano para lavar parte dos recursos do esquema lá montado. As empresas estão formalmente no nome da mãe do miliciano, que atuaria como sócio oculto nos negócios. Adriano, Raimunda e Danielle eram investigados pelo MP-RJ, no âmbito do caso Queiroz/Flávio Bolsonaro.
Nóbrega e Queiroz, aliás, são velhos parceiros. No dia 15 de maio de 2003, um pouco depois da meia-noite, os dois atiraram – e mataram – o técnico de refrigeração Anderson Rosa de Souza, na Cidade de Deus. Segundo alegaram, a vítima seria um traficante que resistiu à prisão. Nessa época, Queiroz e Adriano integravam o 18º Batalhão da PM do Rio.
SÉRGIO CRUZ
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