Bolsonaro mente ao dizer que não sabia das negociatas em curso na Saúde

Bolsonaro tenta desviar o foco do escândalo da compra da Covaxin. Foto: Reprodução

Ao se encontrar com apoiadores no cercadinho da Alvorada, Bolsonaro saiu-se com essa, tentando explicar as denúncias de corrupção que explodiram na CPI da Covid-19, do Senado Federal, principalmente depois do depoimento de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, corroborado pelo irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF):

– Não tenho como saber o que acontece nos ministérios, vou na confiança em cima de ministro, e nada fizemos de errado.

E foi mais longe, sem que ninguém tenha lhe perguntado sobre o assunto:

– Ele [o deputado Luis Miranda] que apresentou [informações sobre a compra da vacina], eu nem sabia como é que estavam as tratativas da Covaxin porque são 22 ministérios. Só o ministério do Rogério Marinho [Desenvolvimento Regional] tem mais de 20 mil obras. [O Ministério da Infraestrutura], do Tarcísio [de Freitas] não sei, deve ter algumas dezenas, centenas de obras. Não tenho como saber. O da Damares [Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos], o da Justiça, o da Educação.

A denúncia, objeto da notícia-crime de prevaricação por parte do presidente da República, que acabou de sair do forno e já se encontra no Supremo Tribunal Federal, não envolve outro ministério – pelo menos por enquanto, mas, sim, o da Saúde, onde aconteceram as pressões superiores para que o funcionário de carreira daquela pasta, Luis Ricardo, assinasse uma nota de importação cuja consequência seria, como mostraram os depoentes, gravemente danosa ao erário público.

Ora, se nada sabia, como explicar a sua reação na conversa com os irmãos Miranda jogando no colo de seu líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde, a responsabilidade pelas então supostas denúncias?

E, se nada sabia mesmo, algo cada vez mais inverossímil – diante das informações obtidas pela CPI de que a prevaricação é apenas a ponta do iceberg desse processo -, passou a saber precisamente no dia 20 de março, data do encontro narrado por Luis Miranda em seu depoimento.

Bolsonaro não negou o encontro com o parlamentar, como também não o desmentiu. Em um primeiro momento, chegou a dizer que não trataram de “corrupção”, mas não voltou a tocar no assunto diante da manifestação categórica de Miranda de que, se negasse o conteúdo do encontro, o presidente poderia se surpreender com novas revelações. O deputado está blefando? Pouco provável pelo que já revelou até o momento, especialmente o funcionário do Ministério da Saúde, seu irmão, a partir do qual o episódio foi desvelado aos olhos dos brasileiros.

Portanto, desde o dia 20 de março, pelo menos, Bolsonaro foi comunicado por um parlamentar de sua base parlamentar e um servidor de carreira o que estava acontecendo no Ministério da Saúde.

Muito certamente não sabia sobre as outras vacinas, que renegou desde o início da pandemia, mas, especificamente, sobre a Covaxin, com certeza, tinha pleno conhecimento, tanto que ligou para o premiê indiano solicitando presteza na comercialização do imunizante.

A Polícia Federal confirmou que não recebeu qualquer solicitação de inquérito sobre o assunto, conforme Bolsonaro prometera aos irmãos Miranda.

Na melhor das hipóteses – para ele, prevaricou, segundo constatação da CPI, que acionou prontamente o STF, a partir do que a Procuradoria Geral da República será instada sobre apresentação de denúncia. O crime está previsto no artigo 319 do Código Penal e é muito claro:

– Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Encurralado, nas cordas, Bolsonaro desdenhou da inteligência do povo brasileiro, mentindo deslavadamente ao afirmar que não tinha conhecimento das negociatas que estavam em marcha no Ministério da Saúde envolvendo a vacina indiana.

Não sem antes mandar investigar os que apresentaram os eloquentes indícios de corrupção, ao invés de apurar a denúncia, numa espúria manobra diversionista.

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