
Enquanto isso ignorava proposta de compra de vacinas, como a da Pfizer. Ele intercedeu para beneficiar empresários bolsonaristas da EMS e Apsen. Cloroquina é inútil contra a Covid-19, atestam cientistas
Jair Bolsonaro ligou para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para pedir que liberasse a exportação de insumos para a produção de hidroxicloroquina no Brasil, favorecendo duas empresas chefiadas por bolsonaristas, apontam documentos obtidos pela CPI da Pandemia.
Para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro “praticou advocacia administrativa, em outras palavras: lobby”.
A transcrição da ligação, feita em abril de 2020, foi registrada em um telegrama secreto do Ministério de Relações Exteriores que foi obtido pela CPI. O jornal O Globo teve acesso ao documento.
Jair Bolsonaro citou nominalmente as empresas EMS e Apsen, que produzem hidroxicloroquina, para pedir que a Índia liberasse a exportação de insumos, que ficou paralisada nos primeiros meses de pandemia.
O presidente da Apsen, Renato Spallicci, declarou voto em Bolsonaro em 2018 e já atacou diversas vezes seus opositores pelas redes sociais. Na quarta-feira (9), sua convocação foi aprovada na CPI da Pandemia.
Carlos Sanchez, CEO da EMS, já teve reuniões com Bolsonaro no Palácio do Planalto e participou de um jantar com empresários bolsonaristas em São Paulo.
A transcrição do Ministério de Relações Exteriores registra que Bolsonaro disse: “Entrarei diretamente no assunto. Embora não haja, por ora, divulgação oficial, temos tido resultados animadores no uso de hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com a COVID-19. Gostaria, por isso, em nome do governo brasileiro, de fazer um apelo ao amigo Narendra Modi para que obtenhamos a liberação de importações de sulfato de hidroxicloroquina feitas por empresas brasileiras”.
“O sucesso da hidroxicloroquina para tratar a Covid-19 nos faz ter muito interesse nessa remessa indiana. Estou informado de que um carregamento de 530 quilos de sulfato de hidroxicloroquina está parado na Índia, à espera de liberação por parte do governo indiano. Esse carregamento inicial de 530 quilos é parte de uma encomenda maior, e foi comprado pela EMS”, continua.
“Adianto haver, também, mais carregamentos destinados a uma outra empresa brasileira, a Apsen”.
O primeiro-ministro indiano respondeu que “dedicaremos, certamente, cuidadosa atenção ao pedido do Brasil, ao mesmo tempo em que concluímos a avaliação de nossos estoques e definimos as necessidades internas de produção. Instruirei os funcionários do governo indiano a manter estreito contato com suas contrapartes brasileiras”.
Para Randolfe, a prática foi criminosa. “Enquanto ignorava 81 e-mails da Pfizer oferecendo vacina, o Governo negociava remédios sem eficácia para o povo!”. Na sessão da CPI da quarta-feira (9), Randolfe revelou que a Pfizer começou a tentar fazer contatos com o governo Bolsonaro no dia 17 de março de 2020 para tratar da venda da vacina que estava sendo produzida.
A Apsen afirma que os contatos com o governo sempre foram pelos “meios legais” e que não teve conversas diretas com Bolsonaro. A EMS diz que conversava com a Índia para tentar a liberação dos insumos e que a produção da hidroxicloroquina seria voltada para atender o combate às doenças previstas na bula: lúpus, artrite reumatoide e malária.