Abafa para dizer que não tem roubalheira. Quase vinte delegados já foram afastados por incomodar quadrilha palaciana. As últimas foram a delegada Dominique de Castro Oliveira, do escritório da Interpol, e Silvia Amelia da Fonseca, que atuaram na extradição do miliciano Allan dos Santos
Jair Bolsonaro segue em sua tentativa de aparelhar a Polícia Federal para impedir a ação policial e proteger criminosos que são investigados pela corporação. Com a saída da delegada Dominique de Castro Oliveira do escritório da Interpol, o governo já acumula duas dezenas de mudanças na Polícia Federal em razão de divergências políticas com o governo e com a cúpula da corporação, ou de investigações que desagradaram ao Planalto.
Já desde a crise com Maurício Valeixo, quando Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça denunciando as intromissões de Bolsonaro no órgão, o Planalto iniciou uma perseguição aos servidores ligados a todos órgãos de combate à corrupção.
Foi assim com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira), que descobriu as falcatruas de seu filho, Flávio, foi assim também com servidores e dirigentes da Receita Federal, que desbarataram o esquema de lavagem de dinheiro do “zero um” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e também está sendo assim na Polícia Federal, que seguiu investigando crimes, mesmo atingindo a corriola bolsonarista.
A delegada Silvia Amelia da Fonseca, que deu andamento ao processo de extradição de Allan dos Santos, foi exonerada da diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Dias antes da extradição, o secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini – homem de confiança da família Bolsonaro, que já ocupou diversos cargos no governo – havia pedido para ter acesso a processos de extradição ativa, aqueles em que o Brasil pede a outros países a entrega de alvos da Justiça.
Outro caso recente é de Thiago Delabarry, que chefiou a área de combate à corrupção e lavagem de dinheiro na cúpula da PF e deixou o cargo após Maiurino assumir a Diretoria-Geral. Em julho deste ano, a Superintendência da PF no Rio Grande do Sul indicou Delabarry para o comando da delegacia de combate a corrupção, em Porto Alegre. Em setembro, seu nome foi vetado por Maiurino.
Segundo delegados que preferiram não se identificar, a série de intervenções não encontra precedentes, e levou à geladeira, ou “corredor” – termo usado na PF para quem está em estado de fritura pela direção – experientes quadros, com histórico de participação em importantes investigações. As mudanças continuam mesmo em meio a uma investigação que se arrasta há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suspeita de interferência política de Jair Bolsonaro na corporação.
Dominique de Castro Oliveira era crítica à gestão do delegado-geral da organização, Paulo Maiurino. Ela atuou na operação de captura do miliciano Allan dos Santos, que está foragido nos Estados Unidos. Em nota, a cúpula da PF afirma que o episódio não teve relação com a saída da delegada, que teria atuado de maneira protocolar ao encaminhar o pedido, sem decidir nada a respeito.
A delegada vai ser encostada na Superintendência da PF no Distrito Federal, para onde já foram deslocados outros sete delegados desde que Maiurino assumiu o comando da corporação. Hoje, há 45 delegados naquela unidade. “Fiz algum comentário que contrariou. Qual foi, quando, para quem, em que contexto e ambiente, não sei”, disse Dominique, em mensagem encaminhada aos colegas. “Há uma forte sensação de revolta e de estar sendo injustiçada”, escreveu. A delegada atuava há 16 meses na Interpol, cargo de indicação da direção.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Félix de Paiva, afirmou que a entidade acompanha o caso. “Com as informações disponíveis até o momento, a associação não concorda que colegas sejam movimentados sem fundamentação clara e sem critérios.” Além deste, outros casos recentes que chamam atenção dos delegados.
Mensagens hackeadas
O delegado Felipe Leal foi tirado do Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq) após elaborar relatório em que disse não ser possível “presumir” a autenticidade das mensagens hackeadas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato.
Sérgio Cabral
Bernardo Guidali, que conduziu a delação na qual o ex-governador do Rio Sérgio Cabral citou o ministro Dias Toffoli, do STF, perdeu cargo.
Operação Akanduba
O delegado Franco Perazzoni, que conduziu a operação que mirou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, teve seu nome barrado para assumir a chefia do combate ao crime organizado.
Ricardo Salles
O ex-superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva foi exonerado após acusar Salles de crime ambiental.
Em nota, a PF afirmou que “as movimentações de servidores dentro da instituição é regular e faz parte dos mecanismos de gestão administrativa, não havendo outras razões que não a de ordem técnica para melhor atender as finalidades institucionais”.